Em meados de março, fiscais da Receita Federal, lotados em São Paulo, decidiram visitar 14 grandes grupos de concessionárias de veículos para verificar se haviam declarado os bônus repassados pelas montadoras como custo, em vez de receita, prática considerada uma manobra contábil, por isentar os estímulos do pagamento de PIS e Cofins sobre os recursos. A Operação Carro Zero, como foi chamada a ofensiva, buscava recuperar cerca de R$ 100 milhões em tributos não pagos. Esforço semelhante, para descobrir inconsistências no Imposto de Renda da Pessoa Física, permitiu ao agentes federais encontrar o lançamento de custos para abatimento de uma mesma empregada doméstica em 502 declarações diferentes de 2014.

Em tempos de ajuste fiscal e arrecadação em queda, os governos estaduais e o federal contam com uma contribuição adicional para equilibrar as contas públicas: o aprimoramento das práticas de fiscalização. Por todo o Brasil, auditores vêm se especializando para melhorar seu modus operandi, aplicar mais inteligência no cruzamento de informações e fechar o cerco às brechas. O esforço está surtindo efeito. Com a criação da chamada malha fina das pessoas jurídicas, neste ano, a Receita Federal espera conseguir recuperar cerca de R$ 7 bilhões aos cofres públicos, a partir da notificação de 26 mil empresas mapeadas.

O mecanismo de autorregularização é mais eficiente, porque permite ao Fisco gerar uma arrecadação espontânea, ao mesmo tempo em que dá a chance do contribuinte para livrar de multas pesadas. Num projeto-piloto para comunicar com antecedência inconsistências de grandes contribuintes, no ano passado, 42% decidiram retificar as declarações de Imposto de Renda. Outra medida que ampliará a base de informações e elevará o número de autuações nas empresas deve entrar em vigor em breve. O e-social, que reúne dados trabalhistas, estava previsto para ser implantado ainda em 2015, mas a data não foi confirmada.

A expectativa inicial é de uma alta de R$ 20 bilhões em tributos. “A Receita Federal busca o incremento de contribuição previdenciária e também de Imposto de Renda retido na fonte dos empregados”, afirma Valter Shimidu, especialista de tributos da KPMG. “Hoje, o processo de fiscalização não cobre tudo e não existe um critério”, diz. Marcelo Simões, diretor da TaxWeb, que assessora clientes na minimização dos riscos de multas fiscais, prevê um aumento da fiscalização, mesmo nos meses anteriores à entrada em vigor do novo mecanismo, a exemplo do que ocorreu nas outras etapas de implementação de sistemas digitais.

Sua percepção tem por base o aumento na procura dos serviços da TaxWeb, a sua empresa, que está 40% acima do previsto para este ano. O cruzamento mais completo e eficiente dos dados tem permitido também um esforço mais incisivo de ações em campo. Só no Estado de São Paulo, a equipe da Receita Federal realizou nove operações especiais, do começo do ano até meados de abril, entre as quais a das concessionárias e outra denominada de Operação 6%, em referência à comissão recebida por corretores de imóveis, alvo do esforço. Considerando multas e juros, o valor total envolvido nas fiscalizações soma R$ 31,8 bilhões no período.

A expectativa inicial era concluir, até o final do ano, 21 operações especiais na região, mas esse número deve subir, segundo a Receita. Em 2014, foram finalizadas 20 ofensivas. Entre as principais irregularidades encontradas estão a omissão de rendimentos e práticas consideradas planejamento tributário abusivo. As operações especiais estão incluídas no contexto do plano nacional de fiscalização deste ano, que pré-estabeleceu 46 mil contribuintes como alvo. Os valores envolvidos devem alcançar R$ 157,95 bilhões, 5% acima do registrado no ano passado.

O número não inclui o valor estimado com a identificação de inconsistências na malha fina de pessoas físicas, que deve alcançar até R$ 7 bilhões. Além dos avanços na Receita Federal, os Estados também se mobilizam para fechar o cerco às fraudes e reforçar o caixa. O Paraná implementou um projeto específico para fiscalização de créditos de ICMS, depois de descobrir um esquema de fraude na prática. O Estado também passou a contar com a ajuda de um sistema semelhante à malha fina para notificar as empresas e permitir a auto-regularização, como foi anunciado pelo Fisco federal.

Com as medidas, a expectativa é acrescentar à arrecadação R$ 400 milhões em 2015, cerca de 30% a mais do que no ano passado. Minas Gerais também pretende ampliar esforços neste ano. A ideia é fazer autuações conjuntas com a Advocacia Geral do Estado (AGE), para identificar bens de contribuintes que possam servir de garantia ao pagamento dos créditos tributários gerados com as multas. Com tanta proatividade, quem deve se preparar é o contribuinte, que já suporta uma das mais elevadas cargas tributárias nominais do mundo, para evitar comprometer mais seu orçamento com multas.