27/07/2011 - 21:00
Nos últimos dois meses, executivos da área financeira da Vale visitaram mais de dez países na Europa, a China e os Estados Unidos com um único objetivo: captar recursos para alimentar os projetos de expansão da mineradora no Brasil. Missão cumprida com louvor. A turnê reforçou em mais de US$ 3 bilhões o cofre da companhia, com prazo de pagamento de até cinco anos e juros baixos, equivalentes aos cobrados pelo BNDES. O dinheiro será liberado para a Vale, gradualmente, nos próximos meses, por um consórcio de 27 bancos, liderado pelos franceses Crédit Agricole e Natixis, pelo americano JPMorgan e pelo japonês Mizuho. “Esse crédito forma um significativo colchão de liquidez no curto prazo e possibilita maior eficiência da gestão do caixa, sendo consistente com o nosso foco estratégico na minimização do custo de capital”, afirmou a Vale, em comunicado justificando a operação.
Créditoduto: a Petrobras captou US$ 10 bilhões em um banco chinês e ajudou a engordar a dívida externa privada
A busca por crédito mais atrativo não é um movimento exclusivo da Vale entre as empresas brasileiras. A desaceleração da economia americana e a recessão nos países europeus criaram um ambiente internacional de juros baixos e excesso de liquidez no mercado de crédito – um cenário promissor para as empresas nacionais e uma ótima alternativa para os bancos estrangeiros, que encontram no Brasil juros mais rentáveis. “Os empresários brasileiros enxergaram uma oportunidade rara de buscar fontes de financiamento que não sejam o BNDES ou o mercado de ações”, diz o economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rogério César de Souza. “Como o BNDES está sobrecarregado, esses empréstimos ajudam a suprir as necessidades de recursos para as empresas continuarem crescendo.”
Se, por um lado, a abundância de crédito para as empresas brasileira é motivo de comemoração, por outro pode ampliar a exposição das empresas que se endividaram em dólar – e uma eventual reviravolta no câmbio poderia pegar as empresas no contrapé, como ocorreu com a Sadia e a Aracruz entre 2008 e 2009. “As empresas que se arriscarem a querer ganhar dinheiro com o dólar podem se dar mal”, afirma o economista Eduardo Coutinho, do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec). “Mas quem souber aproveitar o bom momento, criando contratos com hedges, uma espécie de seguro contra variações cambiais, fará bons negócios.”
O governo sabe disso e, ao que tudo indica, está pronto para agir. “Poderemos ampliar a restrição ao crédito caso esse risco se torne excessivo”, alertou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, citando o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) como uma das medidas que poderão ser adotadas para evitar a valorização do real causada pela entrada desenfreada de dólares. A preocupação se justifica.Segundo o Banco Central, essa corrida por dólares no mercado internacional promoveu a maior expansão da dívida externa brasileira desde os anos de 1970. Entre o início de 2009 e abril de 2011, a dívida externa brasileira cresceu 42,4%, ao passar de US$ 198,3 para US$ 303,4 (US$ 89 bilhões de dívida pública, US$ 93,4 de dívida privada e US$ 121 bilhões dos bancos).
Almir Barbassa, da Petrobras: “Há dinheiro de sobra no mundo, e nos tornamos atrativos para os bancos”
Se continuar nesse ritmo de crescimento, deverá chegar aUS$ 312 bilhões até dezembro. O cenário, no entanto, é distinto daquele dos anos 1970. Desta vez, as empresas privadas são a locomotiva do endividamento. Enquanto a dívida do governo cresceu 8,7% nos 28 meses desde janeiro de 2009 –, os bancos ampliaram em 63% a captação de dólares no Exterior para irrigar de crédito a economia interna – dinheiro que é utilizado para financiar o consumo das famílias, como a venda de automóveis ou imóveis. No entanto, críticos da política cambial defendem a criação de medidas restritivas à entrada de dólares para evitar a arbitragem de juros por parte das empresas – que captam recursos no Exterior com juros baixos e aplicam no País para ganhar mais.
As empresas não financeiras, como Petrobras e Vale – categoria que inclui todas as companhias que não são bancos nem governo – aceleraram em 51,8% as captações externas. A Petrobras, sozinha, concluiu, no início do ano passado, um empréstimo de US$ 10 bilhões junto ao China Development Bank, a versão chinesa do BNDES. Outros US$ 46 bilhões, do plano de investimento de US$ 90 bilhões até 2014, estão em processo de negociação. Segundo Almir Barbassa, diretor financeiro da Petrobras, a captação de recursos nunca esteve tão fácil, devido a uma série de razões. “Há dinheiro de sobra no mundo, nós conquistamos o grau de investimento no ano passado e a solidez da companhia a torna atrativa aos bancos”, diz Barbassa à DINHEIRO.
“Além disso, como nossas receitas são em dólar, assim como os empréstimos, qualquer oscilação no câmbio é neutralizada.” Embora o aumento da dívida externa acenda o sinal amarelo, as reservas internacionais do Banco Central, atualmente em US$ 371 bilhões – superiores ao total da dívida externa –, garantem ao País uma posição confortável diante da expansão do endividamento. “Estamos emprestando mais, sim, mas é para crescer, não para cobrir rombos, como na Europa”, afirma Rogério César de Souza, economista do Iedi. “Isso é muito bom. Dá ao Brasil a segurança de um credor diante dessa dívida crescente”, completa Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Sérgio Vale, economista: ”As reservas do BC dão ao Brasil a segurança de um credor diante da dívida crescente”