Quando esteve em Istambul há alguns meses, o professor Giorgio Romano Schutte percebeu que a maior cidade turca estava mais vibrante do que nunca, tomada por jovens estudantes que circulavam pelas universidades da região. Com obras espalhadas por todos os cantos, a cidade histórica, antiga Constantinopla, que foi capital de três impérios, se estende entre a Europa e o continente asiático e atrai turistas do mundo todo o ano inteiro. Istambul abriga também um parque industrial pujante, com montadoras de automóveis e indústrias têxteis e de eletrônicos que empregam parte dos dez milhões de habitantes da cidade, ou 15% da população. 

 

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Um motivo prosaico: o protesto contra o corte de árvores centenárias, transformou-se em gigantescas manifestações contra o governo,

que atraíram multidões à praça Taksim e ao parque Gezi, em Istambul, a maior cidade da Turquia, e se estendeu à capital, Ancara

 

A prosperidade na Turquia dos últimos anos diferenciou o país de seus vizinhos, como a Síria, ao sudeste, palco de uma sangrenta guerra civil que já dura dois anos, ou do Irã e Iraque a leste, com tensões sociais permanentes, em função das disputas pelo petróleo. “Criou-se uma expectativa de modernização muito grande na Turquia”, diz Schutte, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo. Na semana passada, porém, os protestos de milhares de turcos na praça Taksim e no parque Gezi, em Istambul, e também na capital turca, Ancara, mostraram que, além da aura de modernidade, a Turquia escondia uma insatisfação latente da população com o governo do primeiro-ministro Recep Erdogan. 

 

As manifestações diárias que se intensificaram desde a sexta-feira 31 de maio, em plena primavera europeia, e culminaram com a morte de duas pessoas e milhares de feridos, expuseram o lado autoritário de Erdogan, que na quarta-feira 12 completa dois anos de seu terceiro mandato. “Tudo é intrigante e inesperado”, afirma Schutte. Desde que assumiu o poder em 2003, Erdogan tem liderado um processo de abertura e modernização da economia que garantiu uma expansão econômica invejável. Com crescimento médio de 5% ao ano desde então, o país atraiu investimentos estrangeiros que movimentaram a economia. 

 

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Erdogan, o linha dura: o primeiro-ministro turco acusa os manifestantes

de praticarem atos terroristas

 

Em artigo recente, o economista Jeffrey Sachs, professor da Universidade Columbia, destacou a diplomacia inteligente do atual governo, que conseguiu se manter neutro, apesar das fronteiras problemáticas. Os conflitos da semana passada, porém, mostraram que o primeiro ministro foi astuto na sua política externa, mas inábil para lidar com a insatisfação popular no seu quintal. “Este é um protesto organizado por elementos extremistas”, disse Erdogan em uma coletiva de imprensa antes de partir em viagem para a África do Norte, na segunda-feira 3, quando os protestos já entravam no terceiro dia consecutivo. “Não iremos ceder nada aos que vivem de braços dados com o terrorismo.” 

 

Erdogan acreditou no seu próprio discurso e levou a cabo uma política exagerada de repressão aos conflitos com uma polícia violenta que atacou a população com cassetetes e sprays de pimenta. As cenas chocaram o mundo inteiro e irritaram ainda mais os jovens que, na verdade, haviam tomado a praça Taksim inicialmente por um motivo prosaico: proteger árvores históricas no local que seriam derrubadas para abrir espaço à construção de um shopping center – mais um símbolo da expansão econômica de Erdogan. A ocupação, porém, deixou claro que para a população turca um PIB robusto não é capaz de fazer verão e mascara outras dificuldades do dia a dia. Para os manifestantes, além do viés autoritário do premiê turco, a riqueza do país estaria beneficiando apenas parte das elites do país. 

 

“Apesar do crescimento, a distribuição de renda não é tão competente”, observa o professor Salem Nassar, coordenador do Centro de Direito Global da FGV, de São Paulo. Agora, o primeiro-ministro terá de colocar à prova sua habilidade diplomática dentro de casa, uma vez que os conflitos dos últimos dias passaram a cobrar sua saída do governo, além de afetarem os negócios na região. Na terça-feira 4, a bolsa de Istambul já registrava uma queda de mais de 10%, a maior em uma década. No dia seguinte, o vice-ministro Bülent Arinç chegou a pedir desculpas à população pelos exageros da polícia. O recuo é estratégico, num momento em que os sindicatos se unem à população nas ruas, colocando em risco as ambições do atual governo de ganhar mais poder nas eleições de 2014.

 

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