23/02/2011 - 21:00
A combinação virtuosa de emprego e salários em alta nos últimos anos, aliada à elevação das commodities tanto agrícolas quanto minerais em 2010, beneficiou o mercado interno com ganho de renda e os exportadores com receitas maiores.
Mas mostrou também um “lado B” ao cobrar a fatura do setor industrial na forma de elevação dos custos de produção. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), por exemplo, que é calculado pela Fundação Getulio Vargas e mede a variação de preços no atacado, subiu 13,85% nos 12 meses terminados em janeiro.
Matéria-prima valiosa: trabalhador da indústria siderúrgica em forno de
processsamento de aço. No ano passado, insumo se valorizou acima de 25%
No ano anterior, a variação havia sido negativa, em 2,84%. A alta de 25% do preço do aço, com demanda forte tanto no mercado brasileiro como no internacional, foi um dos fatores de pressão, assim como as matérias-primas agrícolas, que subiram 28,4% nos 12 meses encerrados em janeiro. Em 2009, o preço do aço havia despencado 18,7%.
Esse movimento, que para a indústria se chama pressão de custos, para o consumidor fatalmente se traduz, em algum momento, como alta de preços. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 5,99% em 12 meses é a confirmação da tese.
William Pesinato, presidente da Fami-Itá, fabricante de equipamentos hospitalares, afirma que a alta na cotação dos metais no mercado internacional fez com que os preços subissem nos últimos meses. “Como sempre trabalhamos com margens muito reduzidas, qualquer oscilação nos custos precisa ser repassada ao preço final”, afirma o executivo.
Marcos de Oliveira, presidente da Ford: para o executivo, o custo do aço é uma das maiores preocupações da indústria.
A matéria-prima nacional custa 30% mais do que a importada
Empresas de segmentos mais concorridos, como o automobilístico, procuram absorver parte das oscilações de preços para não perder o cliente. “Nem todo aumento de custo na produção é repassado ao preço final do produto, já que estamos em um mercado altamente competitivo, com a presença de produtos nacionais e importados”, diz Marcos de Oliveira, presidente da Ford Mercosul.
Segundo ele, os preços dos automóveis estão subindo sim, mas ainda abaixo da inflação medida pelo INPC, pelo menos nos últimos três anos. Para evitar repasses maiores e não perder o bom momento de vendas vivido pelas montadoras, o jeito é buscar alternativas.
A melhor delas até o momento é trazer similares da matéria-prima do Exterior. No caso da Ford, o aço importado dos Estados Unidos é 30% mais barato que o brasileiro. Na avaliação do presidente da Volkswagen, Thomas Schmall, a competitividade da indústria vem sendo prejudicada por fatores como esse.
Segundo Schmall, a companhia ampliou de 10%, em 2009, para os atuais 30% a participação de aço importado na produção de automóveis. O descompasso entre produção e consumo de aço laminado no País explica o nó dessa equação.
Enquanto a primeira cresceu 24,2% em 2010, o segundo subiu 43,1%, segundo o instituto Aço Brasil, que reúne indústrias brasileiras do setor. O que impede as montadoras de importar todo o insumo de que precisam são os incentivos que recebem, condicionados a índices de nacionalização dos metais.
Outro insumo que está tirando o sono da indústria é a energia elétrica, especialmente das empresas eletrointensivas, como os fabricantes de alumínio. Hoje, cerca de 30% do custo de produção do setor é conta de energia elétrica.
Segundo a Associação Brasileira do Alumínio (Abal), no atual ritmo de alta da eletricidade no Brasil – o vice-líder mundial em tarifa de energia, atrás apenas da Dinamarca –, em três anos o País deixará de ser exportador do metal para ser importador.
“É o maior fator de erosão da nossa competitividade”, diz Eduardo Spalding, diretor da Abal. “Não deveria ser assim, pois nossa geração de energia, de origem hidrelétrica, é a mais barata do mundo, mas nos últimos dez anos o custo subiu 100% acima da inflação”, diz.
Segundo ele, estão previstos mais 35% de alta para os próximos anos. “É um absurdo, pois a cada R$ 1 de redução do custo de energia há um aumento de R$ 8,5 do PIB”, afirma o executivo. “A elevação dos custos industriais representa alta de preços no varejo, ou seja,
a conta é paga pela indústria e também é paga pelo consumidor final”, diz ele.
O aumento dos salários do mercado tornou-se um paradoxo da indústria. “A folha de pagamento teve aumento real de 3,3% no ano passado. Isso pressiona o custo das empresas e os preços ao consumidor”, diz o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rogério Souza.
Em 2010, as indústrias ainda puderam se beneficiar de um ganho de produtividade de 6,1%. Enquanto o emprego cresceu 3,4% no setor, a produção aumentou 10,5%, segundo o Iedi.
O total de horas pagas subiu 4,1%, o que demonstra que a indústria produziu mais com menos recursos. Souza estima que este ano a produtividade voltará à média de 2,7% dos anos anteriores com a desaceleração da atividade. “A pressão de custo, entretanto, continua”, diz ele.
No ano passado, as categorias de trabalhadores mais organizadas tiveram aumentos reais recordes. Os metalúrgicos do ABC conseguiram 10,8%, com aumento real de 6,2% acima da inflação.
Os petroleiros também receberam 4,65% acima da inflação. “Os sinais vindos do mercado de trabalho ainda são de aquecimento”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. O Ministério do Trabalho calcula que este ano sejam criados 3 milhões de empregos.
Depois de ficar em 6,7% na média de 2010 e cair para 5,3% em dezembro, as previsões são de que o desemprego continue a diminuir neste ano, ao mesmo tempo em que os salários continuarão a subir acima da inflação.
A valorização do trabalho é resultado da escassez da mão de obra que alcançou níveis inéditos em setores como construção civil, mas se estende também para áreas de tecnologia e petróleo e gás.
“A escassez de trabalhadores qualificados é maior em áreas mais especializadas, assim como a valorização dos salários”, diz o coordenador de análises econômicas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Salomão Quadros. O salário médio do mercado subiu só em 2010 de R$ 1.374 em janeiro para R$ 1.515 em dezembro.