07/10/2015 - 18:00
O economista Marcos Lisboa, 51 anos, está há cinco meses no comando de uma das mais respeitadas instituições de ensino e pesquisa do Brasil, o Insper. Além de sua dedicação acadêmica, Lisboa encontra tempo para debater os problemas econômicos do País e sugerir caminhos para superá-los. Com a experiência de quem foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 2003 e 2005, no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e com passagem pela vice-presidência operacional do Banco Itaú, o economista carioca está incomodado com as soluções fiscais de curto prazo apresentadas pelo governo Dilma, que ao seu ver não resolvem o crescimento da relação dívida/PIB. “Se não revertemos essa tendência, o problema será muito mais grave do que perder o grau de investimento”, afirmou Lisboa à DINHEIRO, na quinta-feira 1º, na sede da instituição do Insper, em São Paulo.
DINHEIRO – O País perderá o grau de investimento por outra agência de classificação de risco?
MARCOS LISBOA – O Brasil tem um problema estrutural grave, que não se resume à questão do superávit primário deste ano ou do ano que vem. Há uma trajetória de aumento da dívida em relação ao PIB que está contratada para os próximos anos. Se não revertemos essa tendência, o problema será muito mais grave do que perder o grau de investimento.
DINHEIRO – O Brasil está prestes a ficar insolvente?
LISBOA – Esse problema ainda está distante, anos à frente, mas a trajetória é essa. As regras que o País têm atualmente para uma série de gastos públicos implicam que essas despesas relevantes cresçam acima do PIB. Ou iremos aumentar a carga tributária todo ano, o que não é viável, pois uma hora isso asfixia a economia – aliás, já está começando a asfixiar – ou precisamos rever as despesas.
DINHEIRO – Com essa trajetória fiscal, haverá questionamentos sobre a capacidade de o Brasil pagar seus títulos públicos?
LISBOA – Sim. Isso também se traduz na curva de juros que o Brasil enfrenta e na volatilidade de todos os preços macroeconômicos. O País caminha para uma situação fiscal gravíssima.
DINHEIRO – No caso da Previdência, é preciso mexer na idade mínima?
LISBOA – Claro, exatamente como todo o restante do mundo fez. A adoção de uma idade mínima não é uma discussão peculiar do Brasil. Os países desenvolvidos já fizeram isso. Os países com bons sistemas de bem estar social já fizeram isso. No Brasil, os homens se aposentam, em média, aos 54 anos, e as mulheres, aos 52. Nos países desenvolvidos, a idade mínima é 65 anos ou mais. Esse é um dos exemplos. Não há condições de um país rico suportar aposentadorias precoces. Muito menos países de renda média, como o Brasil.
DINHEIRO – A regra de reajuste do salário mínimo, que prevê a variação do PIB mais a da inflação, é uma forma de justiça social ou trata-se de uma bomba fiscal?
LISBOA – Essa regra implica em aumento real de diversas despesas, o que não é sustentável. Claro que a questão social é muito importante. Atualmente, no Brasil, há distribuições de recursos públicos que são meritórias para famílias de menor renda, mas outras, não. Há muita política social que é ineficaz e ineficiente. O Ministério da Fazenda acabou de divulgar um relatório sobre o Pronatec (programa voltado ao ensino técnico e profissional). Qual foi o impacto do programa até hoje? Nulo. Então, antes de discutir o que vai ser alterado, é preciso avaliar quanto custa o programa. Quem recebe? São, de fato, os grupos mais vulneráveis? Qual é a eficácia da política? O impacto que ela tem compensa o custo? Ou não? Precisa reformular? Temos uma profusão de políticas públicas, muitas delas bem intencionadas, como o Bolsa Família. Em outros casos, como o Pronatec, aparentemente, não.
DINHEIRO – Isso inclui as desonerações tributárias das empresas?
LISBOA – Certamente. A complexidade tributária atingiu um nível que prejudica o crescimento do País. Cada setor tem uma regra diferente. A reforma tributária é uma das principais reformas que o País precisa enfrentar nessa agenda de retomada do crescimento. A complexidade dos impostos, o PIS/COFINS é acumulativo para uns, não é para outros, o tipo de crédito que gera. Nós sabemos o que a grande maioria dos países faz, é só copiar as boas práticas. Um problema que precisará ser enfrentado é que há setores que pagam muito imposto, como a indústria, e outros que não.
DINHEIRO – A desoneração da folha de pagamento realmente gerou emprego?
LISBOA – Diversos estudos mostram que a quantidade de empregos gerados é muito baixa em relação ao custo do programa.
DINHEIRO – Para combater a crise fiscal, o governo quer recriar a CPMF…
LISBOA – Recriar a CPMF não resolve o problema fiscal. Vai ter de criar uma nova todos os anos. Temos de enfrentar a agenda da eficácia da política pública. O Brasil gasta muito mais que nossos pares. A carga tributária dos países emergentes está entre 20% e 30%, e a do Brasil, em 35%. E a qualidade das nossas políticas públicas em comparação com nossos pares não é melhor. Ao contrário, em muitos casos. É preciso sair desse caos tributário. O Brasil, nos últimos anos, a partir da crise 2008 e 2009, adotou uma agenda que garantia juros menores, câmbio maior, proteção da economia para a produção doméstica e estímulos e benefícios para alguns setores selecionados, incluindo a desoneração da folha e créditos subsidiados. Dizia-se que essa agenda garantiria o crescimento. Pois é, deu errado.
DINHEIRO – Qual a sua interpretação para a disparada do dólar?
LISBOA – A grave crise fiscal e a falta de um caminho consistente resultam na volatilidade dos preços macroeconômicos. Seja na taxa de câmbio ou nos juros. Veja como a curva de juros abriu recentemente. Além de resolver a origem do problema, que é fiscal, temos de resgatar a agenda de produtividade. Maior abertura da economia, menos distorções, regras mais simples e transversais. Essa parte da agenda, em meio à crise, não requer uma solução imediata. Devemos iniciar uma agenda progressiva de reformas, com um calendário crível, que garanta que daqui quatro anos a relação dívida/PIB esteja em uma trajetória mais confortável.
DINHEIRO – Mas o dólar alto é custo ou oportunidade?
LISBOA – Ele reflete a fragilidade da economia. E pior do que isso, a volatilidade cambial é muito prejudicial ao investimento.
DINHEIRO – Se volatilidade é ruim para investimento, então o Banco Central poderia controlar melhor o câmbio?
LISBOA – Há um limite para o que as autoridades podem fazer. Diante de uma degradação fiscal como a do Brasil, a capacidade da gestão macroeconômica de curto prazo é reduzida. Infelizmente, nós fragilizamos nossa economia. O maior sofrimento do Brasil é culpa apenas do Brasil.
DINHEIRO – Cortar ministério resolve alguma coisa?
LISBOA – É uma medida simbólica. A despesa não desaparece. Hoje, 90% da despesa pública do Brasil é engessada por regras e leis. Ao fechar ministério, ele vira secretaria, as pessoas são realocadas e a despesa continua. Mas o simbolismo é positivo diante de uma política pública muito ineficaz.
DINHEIRO – O superávit da balança comercial será a única notícia positiva para a economia no próximo ano?
LISBOA – Isso é uma consequência positiva, que decorre de um ajuste mais rápido do que se esperava. Porém, parte da melhora da balança comercial é fruto da recessão econômica, que reduz as importações.
DINHEIRO – Depois de 21 anos do lançamento do Real, a inflação beira os 10%…
LISBOA – Houve, nos últimos anos, uma maior leniência da política monetária com a inflação. Reduzir os juros na marra não funciona e gera inflação. Além disso, o problema fiscal piora o processo inflacionário.
DINHEIRO – O reajuste dos combustíveis, anunciado na semana passada, é uma boa notícia por representar o fim de uma política de congelamento de preços?
LISBOA – Sim, eliminar esse tipo de atalho para combater a inflação é uma boa notícia. O atalho custa caro. Em vez de subir os juros, tentou-se o atalho, com controle do preço de gasolina, da energia elétrica. Veja o que aconteceu e o custo que estamos pagando. É importante a garantia de que o preço doméstico estará alinhando ao preço internacional.
DINHEIRO – As concessões de infraestrutura, no Brasil, são oportunidades ou riscos para os investidores?
LISBOA – Infraestrutura é uma oportunidade se fizermos direito. O Brasil tem uma carência de investimento em infraestrutura muito elevada. O problema é que fizemos tantas mudanças regulatórias, tantas intervenções atabalhoadas, que acabaram gerando insegurança aos investidores, contaminando o ambiente de negócios. Como vou investir num prazo de vinte anos num país em que as regras do jogo mudam tanto?
DINHEIRO – Com base na sua experiência em Brasília, até que ponto o Ministério da Fazenda tem força para salvar o País?
LISBOA – Os graves problemas estruturais da economia e as escolhas equivocadas de políticas econômicas dos últimos seis anos formam uma agenda que ultrapassa ministérios. É uma agenda de governo, em conjunto com o Congresso Nacional. Saber quais programas devem continuar, quais devem ser extintos, quais devem ser estimulados, e como vamos atravessar este grave momento sem prejudicar os mais pobres. Essa não é uma agenda simples. As soluções fáceis prevêem um imposto aqui, outro acolá. Elas são tão fáceis quanto equivocadas. A Fazenda tem dado contribuições importantes, como a avaliação de políticas públicas. Mas, sozinha, a Fazenda não consegue virar o jogo.
DINHEIRO – Para resolver o problema fiscal, necessariamente tem de aumentar o desemprego?
LISBOA – O desemprego é consequência das tentativas equivocadas de estímulo à economia. O emprego formal vem caindo no Brasil desde 2011. Imagine se tivéssemos feito um ajuste cíclico, de curto prazo, no começo do governo passado, em 2011. Seria um ajuste rápido, com um leve aumento de desemprego. Mas olha o desastre. Os atalhos foram apenas agravando os problemas. O dilema não é ter ou não ter desemprego. O dilema é termos algum desemprego hoje ou muito desemprego amanhã? Pois é, estamos no amanhã. Evitamos um pequeno ajuste no passado e enfrentamos um grave desajuste hoje, com desemprego crescente.
DINHEIRO – Das suas experiências profissionais nos setores público e privado, quais são os principais aprendizados?
LISBOA – No setor privado, aprendi como uma boa gestão realmente importa. E a importância da constante busca por ganhos de produtividade. No setor público, aprendi que é preciso ter cuidado com as intervenções e as mudanças de regras. É preciso começar aos poucos, ir calibrando as medidas, porque o risco de dar errado é muito alto. O importante não é mudar tudo no curto prazo. O fundamental é iniciar as reformas e sinalizar um futuro promissor.