Enquanto o debate público se dá em torno da regulação de gigantes globais de tecnologia como Apple, Google e Meta, conhecidas como Big Techs, outra discussão envolve essas empresas: sua participação na infraestrutura para a internet 5G no Brasil. Sobre esse tema, a presidente da Feninfra, Vivien Mello Suruagy, é taxativa: a falta de contribuição das Big Techs gera um atraso na conectividade brasileira. Nesta entrevista à DINHEIRO, a mulher que lidera a Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática falou dos investimentos que estão sendo feitos, do ritmo de instalação das antenas e de como a reforma tributária afeta o setor.

DINHEIRO – Passados 16 meses do leilão que definiu as empresas que operam o 5G no Brasil, como está a implantação dos equipamentos?
VIVIEN SURUAGY — Está bem mais adiantada do que previa o edital. Temos 487 cidades com 5G standalone [rede exclusiva para 5G], que atendem 40% da população brasileira. Foram instaladas em torno de 8 mil Estações Rádio Base (ERBs) enquanto o edital obrigava a instalação de 2,8 mil. Alguns países estão mais adiantados do que nós, como China, Austrália, Canadá e Arábia Saudita. A China está indo para uns 200 milhões de pessoas já conectadas com 5G e quase 800 mil ERBs implantadas. É praticamente o tamanho do Brasil. A previsão de novos negócios no mundo é em torno US$ 11 trilhões nos próximos 15 anos. No Brasil, US$ 1,3 trilhão. Nós vamos ter muito impacto na economia, empregabilidade…

Apesar desse avanço, ainda deixamos a desejar em conectividade. Por quê?
Ainda não estamos bem. Temos em torno de 30 milhões brasileiros com 10 anos ou mais que não usam internet. Segundo dados da PwC, a quantidade de pessoas acima de 16 anos desconectadas no País chega a 20%. A situação é muito grave. Os totalmente conectados são 50 milhões de pessoas ou 23% da população. Então, existem dois Brasis no que se refere à conectividade.

O setor tem reclamado da Lei das Antenas e das exigências de prefeituras para novas instalações. Como resolver essa questão em um País com 5,5 mil municípios?
Temos de ter leis atualizadas e reduzir a cobrança sobre a instalação das antenas. Temos taxas exorbitantes que estão sendo cobradas por municípios. Cerca de 40 cidades estão cobrando R$ 80 mil para conceder licença para instalar uma antena. Outros, R$ 40 mil, R$ 50 mil. Fica inviável. Estão sendo oportunistas.

“Precisaremos ter entre 700 mil e 1 milhão de antenas 5G. Quando as cidades perceberem que vão ficar sem conectividade e para trás no desenvolvimento, vão se ver obrigadas a mudar suas leis” (Crédito:Istock)

E essas leis têm de ser debatidas em cada cidade? Não existe a possibilidade de adotar uma regra geral?
Cada município tem sua autonomia. É trabalho de formiguinha. Existe uma lei geral no estado de São Paulo, por exemplo, que orienta os municípios a como ter a sua lei, seguindo as normas da Anatel. Mas cada vírgula diferente atrapalha, cria-se um problema. Atualmente são umas 300 leis municipais diferentes e essas legislações são totalmente atrasadas, distantes da Lei Geral de Telecomunicações. Isso gera demora nas autorizações.

E, no caso do 5G, para funcionar bem é preciso ter mais antenas, mais próximas umas das outras…
Sim. Para conseguir uma boa transmissão é preciso ter 1 mil habitantes por antena. No 5G é preciso aproximar mais as torres, ter um adensamento maior de antenas. Em Nova York e Londres são 300 habitantes por antena. A média do Brasil é em torno de 2,1 mil habitantes por antena. Porém, em Cidade Tiradentes [região periférica da capital paulista] são 11 mil habitantes por antena. No Brasil existem 100 mil antenas, precisaremos ter entre 700 mil e 1 milhão de antenas 5G. Quando as cidades perceberem que vão ficar sem conectividade e para trás no desenvolvimento, vão se ver obrigadas a mudar suas leis.

Em recente congresso realizado na Espanha falou-se muito em assimetria regulatória e tributária nas telecomunicações. Como essa questão está sendo debatida aqui?
A assimetria regulatória e tributária é a diferença de obrigações entre as empresas de telecomunicações e as Big Techs. Estamos prevendo R$ 140 bilhões de investimentos para instalarmos a infraestrutura necessária para o 5G. E nós precisamos de ajuda financeira para isso. Precisamos da contribuição dessas Big Techs para construirmos juntos. Todo o custo fica com as operadoras de telecomunicações e os maiores usuários são as grandes empresas de tecnologia. Sou súper a favor das Big Techs. Isso é desenvolvimento, é tecnologia, é comunicação entre as pessoas, são novos modelos. Porém, não pode ser um lado bancando e outro se beneficiando. A falta de contribuição das Big Techs nos custos para construção de toda a infraestrutura de telecom gera um atraso na conectividade da população brasileira. Precisa haver esse estudo efetivo de como as Big Techs podem participar disso. E outra coisa: enquanto as empresas de telecom têm de cumprir 110 questões regulatórias para operar, as Big Techs só têm obrigação de cumprir o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A regulação e a carga tributária sobre as Big Techs são responsabilidade do governo. Ele não age?
A responsabilidade é do Mistério das Comunicações e da Anatel. Inclusive há um projeto de lei que amplia a atribuição da Anatel para que possa regular as Big Techs. Na questão tributária, geralmente elas têm sedes em paraíso fiscal. Nada contra. Mas elas vêm para cá, faturam através de serviços no Brasil, não pagam (quase) nada aqui e se beneficiam de tudo. O governo tem problema no orçamento, de R$ 120 bilhões, e quer fazer a reforma tributária. Por que não avança nas Big Techs? Muitas discussões a esse respeito estão sendo feitas na Coreia do Sul e na Europa. Nós precisamos atuar fortemente nisso.

Vocês estão em contato com o governo para expor e debater isso?
Já expusemos. Eles [as Big techs] são hiperpoderosos. Eu tenho trabalhado, temos um monte de gente para contratar, um monte de empresas para sobreviver. Nós lutamos por uma solução. É muito importante essa integração entre o Ministério das Comunicações, Ministério da Economia e a Anatel para resolver esse problema.

“Na pandemia, foram as telecomunicações que proporcionaram infraestrutura para as pessoas ficarem em casa para trabalhar, para estudar” (Crédito:Istock)

Qual o posicionamento da Feninfra sobre a reforma tributária?
Concordo com todo mundo quando se fala em simplificar. Claro que quando isso ocorre há risco de sonegação, de irregularidades ou de erros, que significam menor recolhimento. Eles não podem ser de forma nenhuma um subterfúgio para se aumentar tributos. No nosso setor é dividido entre indústria e serviços. Uma parte recolhe ICMS e a outra, ISS. A cada R$ 100 de fatura, são R$ 40 de tributos, em média. É uma carga absurda. Desde a privatização [das telecomunicações, na década de 1990], os fundos setoriais recolheram até agora R$ 230 bilhões. Era para 100% ser aplicado em telecomunicações. Mas somente 9% foram aplicados. Em dois projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, o PL 45/2019 e o PL 110/2019, o setor de indústria tem diminuição de tributos, mas o setor de serviços apresenta 11% de aumento sobre faturamento em alguns casos.

A aplicação de apenas 9% do fundo setorial mostra que o Brasil não tem dado a devida atenção ao segmento. Por qual motivo isso ocorre?
Você pegou uma coisa muito importante. Os governos têm receio quando se fala que vai haver uma greve de caminhão. Todo mundo apavora. Mas parar o País demora alguns dias. Agora, se parar as telecomunicações, no minuto seguinte o Brasil paralisa. Não teve governo que desse a devida importância às telecomunicações. Eu espero que este governo, que está começando, faça isso. Porque conectividade é desenvolvimento. Na pandemia, foram as telecomunicações que garantiram muitos serviços, proporcionaram infraestrutura para as pessoas ficarem em casa para trabalhar, estudar. Imagina se parasse a banda larga de internet?

Como está a disponibilidade de profissionais para o 5G no Brasil?
A Feninfra e a Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (ConTIC) representam em torno de 2,5 milhões de trabalhadores. Existem 137 mil empresas no setor, grandes e pequenas, registradas na Receita Federal. Mas grande parte delas são fantasmas, que trabalham com funcionários informais, que não registram seus funcionários, que não seguem convenções trabalhistas, não cumprem as obrigações tributárias e fiscais, não qualificam a mão de obra e não dão os equipamentos de segurança. Tem de haver uma força tarefa que crie regras para que as empresas que atuem em telecomunicações tenham comprovação de competência e capacitação. Precisamos ter empresas seguindo regras.