O discurso de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, em Jackson Hole na sexta-feira (26) era o pronunciamento mais esperado do ano. Tradicionalmente, o seminário realizado em uma remota estação de esqui no Wyoming é a oportunidade para os presidentes do Fed serem claros sobre as perspectivas para a inflação e para os juros nos Estados Unidos. Desta vez, a ansiedade era maior. A pergunta de vários trilhões de dólares que os investidores queriam ver respondida por Powell era simples: os juros americanos vão seguir subindo para conter a inflação?

A dúvida era pertinente. Os preços têm subido no ritmo mais acelerado em quatro décadas. No entanto, nos últimos dois meses, a inflação recuou nos Estados Unidos devido à baixa dos preços do combustíveis. Para o Fed, essa queda é um sinal de arrefecimento da ferocidade do dragão ou apenas um fenômeno pontual? Powell, no entanto, não deixou margem a dúvidas. Em um pronunciamento breve, de apenas dez minutos, ele deixou claro que depois de quase um ano sendo tolerante com os preços, o Fed quer ver a inflação cair antes de parar de elevar os juros.

“A economia americana vai precisar de juros altos por algum tempo, até a inflação retornar à meta de 2% ao ano”, disse ele. “Isso significa crescimento econômico mais lento, mercado de trabalho mais fraco e alguma dor para as famílias e para as empresas.” E Powell não deixou dúvidas. “A história nos alerta fortemente contra o afrouxamento prematuro da política monetária, por isso vamos continuar até o trabalho estar concluído”, disse. Segundo o estrategista-chefe da Levante Corp, Gabriel Floriano o discurso de Powell colocou como ponto principal trazer a inflação para a meta de 2%. “A fala do presidente do Fed mostrou que tentará segurar a inflação por meio do aumento das taxas de juros”, afirmou.

PRESSÃO NA GÔNDOLA Receita tem se mostrado eficiente na história: sobe o juro básico, o preço final encolhe. (Crédito:GETTY IMAGES)

DESACELERAÇÃO A dúvida do mercado era pertinente. Os dados recentes mostraram uma desaceleração da inflação. Na própria sexta-feira, minutos antes do discurso de Powell, o Bureau of Economic Analisys (BEA), autarquia federal americana, divulgou uma deflação de 0,1% no Personal Consumption Expenditure (PCE) de julho. Em junho, o índice havia registrado uma inflação de 1%. Porém, boa parte dessa queda deveu-se aos combustíveis. O núcleo do PCE, o chamado core index, que exclui os preços mais voláteis dos alimentos e dos combustíveis, subiu 0,1%, ante uma alta de 0,6% em junho. Outros indicadores de inflação mostram um fenômeno semelhante. O Consumer Price Index (CPI) registrou inflação zero em julho, após ter subido 1,3% no mês anterior. A inflação no atacado, medida pelo Producer Price Index (PPI) recuou 0,5% (deflação), após ter subido 1,0% em junho.

Esse aluvião de números vinha provocando dúvidas entre os especialistas. O Fed via essa desaceleração como um fenômeno pontual ou como uma reversão de tendência? Powell dissipou essas dúvidas. E o impacto disso no mercado, com quedas de ações e criptomoedas e fortalecimento do dólar no mercado internacional de câmbio, deve seguir por mais tempo. Agora, o mercado já dá como certa uma elevação de 0,75 ponto percentual dos juros referenciais americanos, os Fed Funds, na reunião do Fed marcada para setembro. Com isso, as taxas, hoje entre 2,25% e 2,5% ao ano deverão chegar a 3,25% ao ano. Para o gestor de recursos Jason England, da gestora americana Janus Henderson, “os juros deverão chegar a um nível restritivo, de 3,5% a 4% ao ano, e permanecer elevados até baixar a inflação”. Segundo ele, pode ser prematuro esperar reduções de taxas antes do fim de 2023.

Por que tanto tempo? Ao longo de décadas de experimentação, tentativa e erro, os banqueiros centrais aprenderam duas coisas. A primeira é que a política monetária funciona. Quando os juros sobem e a oferta monetária se contrai, a economia desaquece e a inflação baixa. Quando ocorre o inverso, os juros caem e a oferta de dinheiro sobe, a economia se aquece e a inflação reage. A segunda lição é que a política monetária funciona com o tempo. Todos sabem qual o efeito de uma alta de juros. Ninguém é capaz de saber com precisão quanto tempo esse efeito vai demorar para ocorrer. Daí a importância das declarações de Powell em Jackson Hole, que deverão seguir exercendo efeito nos mercados.