Em 2011, no auge da crise europeia, os portugueses se viram dentro de uma frágil caravela num mar revolto. Era a economia afundando. Mas, em meio à tempestade, com suas finanças em frangalhos, veio o resgate financeiro de € 78 bilhões dos cofres da chamada Troika: Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional (FMI). O socorro teria como contrapartida a adoção de medidas impopulares, como o corte de salários de funcionários públicos e de aposentadorias, e o aumento de impostos. Um mês após o acordo, o economista Pedro Passos Coelho assumiria o cargo de primeiro-ministro de Portugal, com a árdua missão de implementá-lo. 

 

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Terra à vista: o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho vê um futuro promissor

para a economia portuguesa

 

Quase três anos depois, começam a aparecer os primeiros frutos daquele esforço. O PIB de Portugal cresceu 1,6% em 2013, o melhor desempenho dentre os países europeus em crise. Na semana passada, a Comissão Europeia divulgou um relatório dizendo que Portugal superou a fase mais difícil e esta é uma tendência positiva, que deverá continuar a se repetir em 2014 e 2015, junto com o reequilíbrio externo. “O governo está confiante de que 2014 será o ano da recuperação”, diz Passos Coelho. Para cumprir o acordo com os credores, o governo português promoveu reformas no sistema jurídico e trabalhista, facilitando demissões, e privatizou empresas da área de seguros e energia – a gigante EDP foi vendida para os chineses. 

 

No rol de promessas, no entanto, uma ainda não saiu do papel: a venda da companhia aérea TAP. De acordo com a Comissão Europeia, o fato de o governo liderado por Passos Coelho continuar fazendo reformas no setor de telecomunicações e energético tem contribuído para a melhora no sentimento econômico, que atingiu 99,6 pontos em janeiro, o maior índice desde 2008. Assim que ultrapassar a barreira dos 100 pontos, numa escala de zero a 200 pontos, o indicador selará o patamar de otimismo. “Sentimos uma evolução na economia e vamos continuar investindo em Portugal”, disse à DINHEIRO o empresário português Nuno Rangel, vice-presidente da Rangel Investimentos Logísticos, que participou, na segunda-feira 24, de um evento da Câmara Portuguesa, em São Paulo. 

 

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O clima, no evento, era de entusiasmo com o país. “Estamos otimistas com o desempenho de Portugal”, diz Deborah Vieitas, diretora-presidente no Brasil do Banco Caixa Geral. Para o diretor do Banco Millennium BCP, João Teixeira de Abreu, a crise econômica, embora deixe um sabor de remédio amargo, foi boa para Portugal, pois forçou o governo e as instituições privadas a cortar gastos. “Portugal tem sido um bom caso de disciplina e compromisso”, diz o executivo português. “Isso mostra que o país está num bom caminho.” A recuperação veio, em boa parte, das exportações, que chegaram a 40,9% do PIB, no fim do ano passado. 

 

Pesa a favor a localização geográfica de Portugal, porta de entrada e saída para a África e a Europa. Entre 2010 e 2013, as vendas ao exterior cresceram, em média, 17,5%. Segundo o Ministério da Economia de Portugal, 65,5% das exportações de bens são de médio e alto conteúdo tecnológico. A indústria calçadista, que investiu em inovação, comprova que nem só de vinho e azeite sobrevive a balança comercial portuguesa. “O setor melhorou sua competitividade e hoje tem um peso importante nas exportações”, diz António Bernardo, presidente da consultoria portuguesa Roland Berger. Hoje, os calçados fabricados lá estão atrás apenas dos calçados italianos em termos de valor agregado. 

 

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Exportações em alta: para melhorar a competitividade, a indústria calçadista

investiu em tecnologia e inovação 

 

Os setores de máquinas para a indústria, máquinas agrícolas e equipamentos elétricos também ganharam mercado com práticas mais eficientes de produção. Algumas companhias estatais ainda serão privatizadas, como empresas das áreas de turismo, resíduos sólidos e dos setores portuário e rodoviário, além da TAP. Aproveitando a localização estratégica de Portugal, é cada vez maior a procura de investidores chineses, embora as oportunidades estejam à disposição de todas as nações. “Portugal poderia ser uma plataforma para as companhias brasileiras se internacionalizarem”, afirma o consultor da Roland Berger. 

 

Outro setor que tem impulsionado a economia é o turismo. Com uma fatia de 14% do PIB, faturou € 9,2 milhões em receitas no ano passado, um crescimento de 7,5% em relação a 2012. O empresário Álvaro Covões, presidente da Everything is New, empresa de entretenimento que produz grandes shows e exposições, pretende continuar ampliando os negócios no país. “Quando as pessoas começam a procurar entretenimento, é um sinal de que a economia está melhorando”, diz Covões. “Estamos otimistas e não vamos deixar de investir.” Apesar de o pior da crise já ter passado, Portugal ainda precisa resolver problemas importantes.


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Um deles é a alta do desemprego, que chegou a 16,5% no ano passado, de acordo com a Comissão Europeia. “O empresário tem de ganhar confiança, os bancos têm de estar prontos para emprestar e, assim, a indústria, o comércio e a taxa de emprego melhoram”, diz Teixeira de Abreu, do Millennium BCP. Segundo Miguel St. Aubyn, professor de economia do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, outro fator que preocupa as autoridades é o êxodo de profissionais qualificados que, diante da falta de oportunidades, deixaram o país. Com a retomada do vigor econômico, a escassez de mão de obra qualificada será um problema. “Neste momento de início de recuperação, muitas pessoas ainda estão procurando outros países e isso é ruim para a nossa economia”, diz Aubyn. 

 

A vantagem de Portugal é ter uma base qualificada de engenheiros, com baixo custo, quando comparado a outros países europeus. Outro desafio é tentar diminuir o déficit público, que chegou a 129,4% do PIB no ano passado. Na avaliação de empresários e analistas, Portugal tem agora um dilema importante: não perder a visão de contenção de gastos e, ao mesmo tempo, promover o crescimento do país, estimulando os investimentos. O plano de austeridade, que num primeiro momento foi importante para ajustar a sangria financeira, não se justificaria mais. Passada a tempestade, é hora de a caravela encontrar terra firme. “Os portugueses estão começando a ver luz no horizonte”, diz John Schulz, presidente da Brazilian Business School, que estuda o mercado europeu.

 

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