O remédio amargo do Banco Central contra a inflação, a Selic a 13,75% ao ano, por enquanto não passou de um tratamento homeopático e sem o efeito esperado. Na terça-feira (25), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu os juros altos como instrumento de controle da alta de preços, mas reconheceu que a queda da inflação está mais lenta que o esperado. Segundo ele, a inflação cheia está caindo, mas o núcleo — que exclui preços mais voláteis — recua mais lentamente. “A desinflação está mais lenta do que esperávamos”, afirmou Campos Neto. “Mas o trabalho dos bancos centrais ainda não está concluído. É preciso ser persistente”, disse o presidente do BC, em reunião do European Economics & Financial Centre, em Londres.

Há duas formas de ler a surpresa de Campos Neto. Na primeira, por meio de seus críticos. Para eles, Campos Neto não deveria estar surpreso com a resiliência da inflação. Especialistas desse time vêm por meses alertando que a origem da inflação está em produtos que não dependem diretamente de crédito e que a fonte da alta dos preços não estava na demanda aquecida, mas no custo elevando de matérias-primas e transporte. Tanto que o núcleo mais resistente citado por ele é composto por itens como alimentos, combustíveis, energia e remédios, que subiram em razão do dólar alto, da guerra na Ucrânia e da quebra da cadeia de suprimentos na China em novos casos de Covid, que produziram novas ondas de lockdowns.

Sergio Lima

“A desinflação está mais lenta do que esperávamos, mas o trabalho dos bancos centrais ainda não está concluído. É preciso ser persistente ” Roberto Campos Neto Presidente do BC.

Na avaliação do professor de macroeconomia e finanças Eduardo de Moraes o tímido efeito da Selic alta sobre a inflação comprova que outros mecanismos de combate ao aumento generalizado de preços deveriam ser adotados, em vez de só esfriamento da economia por meio de juros. “O tiro de canhão dos juros contra a inflação saiu pela culatra”, afirmou Moraes. “Isso porque, em vez de arrefecer os preços, esfriou demais o consumo e elevou a pressão de custos sobre a indústria ao tirar, em muitos casos, a capacidade de ganho de escala.”

A segunda forma de ler a reação de Campos Neto está entre os economistas de uma escola mais ortodoxa, por assim dizer. Para eles, o recado do presidente do BC é claro, apesar de sutil: ou o governo entra no jogo e faz a sua parte cortando gastos e mostrando um Arcabouço Fiscal definitivo e crível, ou cuidar dos preços exigirá juto nas alturas. E com isso encaminhado, ele diz enxergar uma melhora no IPCA nos próximos meses. Hoje o BC espera que o IPCA bata 5,8% em 2023, 3,6% para 2024 e 3,2% em 2025. Apesar da queda, as projeções apontam a inflação acima do centro da meta. “Quando olhamos nossas projeções, obviamente temos um contexto de números melhores, mas ainda longe da nossa meta”, disse Campos Neto, justificando a manutenção da Selic. “Sempre dizemos que a decisão se baseia em três dimensões de dados, olhamos para a inflação corrente, para o hiato do produto e para as expectativas de inflação.”

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Mesmo no melhor dos cenários traçados pelo presidente do BC, o IPCA ficará acima do ideal pelos próximos anos. O Conselho Monetário Nacional (CMN) estabelece meta de inflação de 3,25% para 2023 e de 3% para 2024 e 2025, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Para tentar explicar o motivo da inflação no médio e longo prazo subirem mesmo com a melhora no curto prazo, Campos Neto destaca os problemas do governo. “Acho que a questão aqui é que algum ruído foi criado na mudança de governo; quando olhamos porque a inflação desancorou no longo prazo, parte da explicação é a Emenda Constitucional da Transição e parte ao governo falar sobre mudar as metas.”

CONTRA-ATAQUE E as críticas acontecem após Lula e parte de seus ministros reclamarem publicamente da alta Selic. O presidente do BC, por sua vez, segue firme no discurso de ser inviável haver queda dos juros no curto prazo se não houver equilíbrio fiscal e crescimento do PIB. “O anseio pela queda de juros é político, mas nosso trabalho é técnico”, disse. A fala, apesar de coerente com o que defedem os livros mais básicos de economia, evidenciou a primeira reação pública de Campos Neto nesse cabo de guerra com o governo petista. E por isso caiu mal também entre deputados e senadores que acharam que Campos Neto pesou a mão.

Um deles foi o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que horas antes (em Londres), fez um apelo para a queda da Selic.Na cúpula do governo, o presidente Lula tem exigido cada vez mais de seu time na economia. Ele já passou o recado para pelo menos cinco ministros de que é preciso desenvolver ferramentas alternativas (de preferência que não dependam do Congresso) para ajudar a política monetária e a inflação de modo frontal.

Ministérios como o de Minas e Energia, Desenvolvimento Regional e Casa Civil também foram instados a apresentar soluções sobre programas que ajudem a tirar a pressão inflacionária nesse núcleo mais volátil. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, também segue em sua via sacra pessoal na busca por harmonia entre o governo e o BC – e ele parece o único disposto a tentar isso. Com esse cenário hostil, fica claro que se o governo puxar a corda da política fiscal e não cumprir as orientações, o Banco Central esticará para o lado oposto com a política monetária. Um cabo de guerra que não ajuda ninguém.