03/08/2011 - 23:00
O dólar tem encontrado, no Brasil, duas importantes portas de entrada. Uma para aplicações de curto prazo pelas quais recursos buscam a rentabilidade dos juros altos em operações de arbitragem. Outra, para investimentos de longo prazo, que vêm para o País em busca de um mercado consumidor em expansão, um oásis em meio à seca na economia global. Os dois canais de acesso têm se mostrado lucrativos para os investidores estrangeiros e ajudam a explicar a depreciação constante da moeda americana, que chegou a bater o piso de R$ 1,53 na terça-feira 26, o menor valor desde 1999. A queda livre preocupa, o que fez o governo reagir na quarta-feira 27, com o anúncio de medidas contra a especulação cambial no mercado de derivativos.
Mas não a ponto de tirar o sono da equipe econômica, que celebrava os resultados do relatório da Unctad, a agência da ONU para o desenvolvimento, mostrando que o Brasil avançou do 15° para o 5° lugar no ranking dos países que mais receberam investimento direto estrangeiro (IED) em 2010. No ano passado, aportaram, aqui, US$ 48,4 bilhões para os mais diversos setores. Este ano, a perspectiva é superar, com folga, essa marca, com a atração de recursos para os eventos esportivos agendados para 2014 e 2016, além de vultosos investimentos na área de petróleo e gás e infraestrutura em geral. Só no primeiro semestre entraram no País US$ 32,5 bilhões, a maior alta desde o início da série histórica do Banco Central, em 1947. Eis uma parte da explicação para o fortalecimento da moeda brasileira. “A causa do câmbio apreciado é o Brasil crescer acima do potencial e acima da média mundial”, diz o economista Roberto Padovani, estrategista-chefe para a América Latina do banco alemão WestLB.
Quarta-feira 27, 10 horas: o ministro Guido Mantega chega à entrevista coletiva convocada em Brasília
para anunciar novas medidas contra a especulação cambial no País
“Se uma empresa tiver que escolher entre produzir carros na Alemanha ou no Brasil, é claro que vai fazer aqui, onde, além de aproveitar o mercado interno, ainda pode exportar para a região”, diz Padovani. É fato que a generosidade dos investimentos diretos ainda desperta uma certa desconfiança no mercado de que esteja havendo um aumento de ingressos por essa rubrica para driblar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que o governo passou a cobrar dos recursos de curto prazo exatamente para inibir o fluxo de capital que está apreciando cada vez mais o real. Se assim for, o dinheiro que, em tese, deveria estar erguendo fábricas, estaria, na verdade, sendo aplicado em operações financeiras de curto prazo, incluindo as de derivativos, que permitem apostar na alta da moeda brasileira.
Foi por essa razão que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, editou um decreto dando poderes ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para aumentar em até 25% o IOF dos saldos das operações que apostam na queda do dólar no mercado de derivativos.“É um pedágio”, afirmou o ministro. “Estamos diminuindo a vantagem da especulação.” A pequena valorização do dólar nos dias seguintes ao anúncio do ministro da Fazenda, para R$ 1,57, mostrou que o governo ganha tempo para retomar o piso de R$ 1,60. Mas nunca mais logrará voltar aos níveis anteriores a 2007, avalia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator. “Mudou o patamar e é preciso se acostumar”, diz Gonçalves. Ele pondera que esse excesso de entrada de dólares no País não é um movimento eterno, e os Estados Unidos voltarão um dia a trabalhar pela valorização da sua moeda.
Roberto Padovani, estrategista-chefe do banco WestLB:
“A causa do câmbio apreciado é o Brasil crescer acima do potencial e acima da média mundial”
“Hoje há um movimento exacerbado em função das dificuldades dos Estados Unidos de negociar sua dívida e da acomodação da Europa, depois do segundo pacote grego”, afirma. Enquanto isso, o real segue como a moeda mais valorizada do mundo diante do dólar. Segundo o tradicional índice Big Mac da revista The Economist, que compara o preço do sanduíche do McDonald’s no planeta, a moeda brasileira está 149% sobrevalorizada em relação à americana. Aqui, o Big Mac custa US$ 6,16, o quarto mais caro da lista. No papel de queridinho dos investidores, o País, ao menos, vem tirando partido do cenário atual. Com fundamentos mais sólidos, as empresas brasileiras conquistam credibilidade no Exterior e têm acesso a crédito mais barato.
Também importam bens de capital mais em conta para modernizar o parque fabril e aproveitar a expansão do mercado interno. O desafio do governo, agora, é moderar a dose dos remédios para aproveitar esse ciclo virtuoso. A ação de defesa do real recebeu apoio de empresas, como a BRFoods. “A medida é bem-vinda porque o dólar reagiu com alta, e deve continuar corrigindo a queda excessiva nos próximos dias”, disse o vice-presidente de Assuntos Corporativos da BRF, Wilson Mello Neto. O vice-presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros (AEB), José Augusto de Castro, acha que o governo está na direção certa, mas não há certeza sobre os efeitos das medidas. “É uma mudança profunda e pode encarecer o hedge cambial (proteção contra perdas)”, afirmou.