17/02/2023 - 4:20
Mais potente e letal arma do Banco Central no combate à inflação, a taxa básica de juros (conhecida também como Selic) se mostrou um importante instrumento de controle dos preços no Brasil sob o Plano Real. A lógica é simples. Juros altos encarecem o crédito. Crédito caro desestimula o consumo. Se há menos consumo, os preços caem ou não sobem, na melhor das hipóteses. Contra a inflação de demanda, aquela que aparece quando todo mundo quer gastar um pouco mais, a Selic é um tiro certeiro. Mas essa engrenagem, elementar no capítulo de oferta e demanda das cartilhas de ciências econômicas, não se aplica para o que o Brasil vive hoje.
O que tem ficado cada vez mais caro não é o que se compra a prazo ou em parcelas. É o que se paga à vista — e que, portanto, não depende diretamente dos juros. Nos últimos três anos, o Brasil e o mundo enfrentaram um surto de inflação de custo, não de demanda. Os preços dispararam porque a pandemia desestruturou a cadeia global de suprimentos, porque a guerra de Putin na Ucrânia reduziu a oferta de alimentos, de fertilizantes e de energia e porque muitas moedas perderam valor ou oscilaram demais frente ao dólar. Em 30 de dezembro de 2019, véspera da Covid por aqui, o dólar fechou a R$ 4,01. Três anos depois, custava R$ 5,25.
A Selic elevada por um período longo causa efeito contrário ao da redução dos preços. Com crédito caro, as empresas estão repassando o custo de capital
Pode parecer desconexo, mas não é. A queda na produção industrial, o aumento dos custos no agro e a disparada dos combustíveis — quase tudo contaminado pela desvalorização do real — puxaram para cima a inflação e empurraram para a fome e para a miséria quem já vivia com o orçamento na corda bamba. Soma-se a isso a desastrosa gestão Guedes & Bolsonaro, que aplaudiram o derretimento do câmbio para restringir viagens de empregadas domésticas à Disney. Disclaimer: qualquer relação com o local do autoexílio do ex-presidente pode não ser mera coincidência.
Quem faz compras (e contas) nos supermercados, sabe o que estou dizendo. No ano passado, a cebola acumulou alta de 130,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ah, mas a cebola não pode ser culpada pela inflação. Só ela, não. Mas ela não esteve sozinha. A carne vermelha (42,3%), a farinha de mandioca (38,5%), o feijão carioca (27,7%), o biscoito (24%) e o tomate (14,1%) se uniram para tirar mais dinheiro do nosso bolso. Isso ajuda a entender a razão de o consumo de carne de boi ter caído ao menor patamar em 26 anos no Brasil no ano passado. Mais uma vez: alguém precisou tomar financiamento para comprar picanha ou contrafilé?
Existe, evidentemente, um efeito indireto da Selic sobre todos os preços da economia. A desaceleração do ritmo econômico arrefece a demanda, contribuindo para o controle de preços. A curva futura de juros coloca uma bola de aço no tornozelo da economia, cansando a tudo e a todos. Mas no cenário brasileiro, a Selic elevada por um período prolongado tem causado efeito contrário ao da redução dos preços. Com crédito mais caro, as empresas estão repassando para os preços o custo de capital — seja o dono da granja, do frigorífico ou da horta orgânica. Em outras palavras, a Selic está ajudando a puxar os preços para cima.