Pense em uma palavra para definir a Alphabet, a holding que agora é dona do Google. Busca seria a resposta óbvia. Afinal, mais de 90% de sua receita de US$ 74,4 bilhões vêm de publicidade digital associada aos cliques em seus resultados de busca. Mas seria limitador demais acreditar que o Google é apenas um buscador de tremendo sucesso usado por bilhões de pessoas ao redor do globo. Desde que foi criado pelo americano Larry Page e pelo russo Sergey Brin, em 1998, a companhia se dedicou a levar a busca ao estado da arte, a ponto de a palavra “googar” se tornar um verbo.

Hoje, o Google se tornou tão ubíquo e essencial a bilhões de pessoas que é quase impossível viver sem os serviços da empresa, como o site de vídeos YouTube ou o Gmail, sua plataforma de e-mail. Você está doente? Vá até o Google pesquisar. Quer informações sobre qualquer assunto de qualquer lugar do planeta? Mais uma vez, lá está o Google fazendo a sua parte. Por conta disso, a operação, em apenas 18 anos, assumiu proporções superlativas no mundo digital.

Em seus 14 data centers espalhados pelas Américas, pela Europa e pela Ásia, os dados trafegam na impressionante velocidade de 1,13 petabits por segundo – para entender o que isso significa, imagine sete bilhões de fotos sendo transferidas para outro computador em apenas um segundo. Nos últimos cinco anos, os dois “Google guys”, como são chamados Page e Brin, transformaram a gigante mundial de internet em uma verdadeira fábrica de inovação que vai muito além da busca. Com essa reinvenção, a companhia chegou ao topo do ranking corporativo.

Um dia depois de ter anunciado seus resultados, na segunda-feira 1, a Alphabet superou a Apple e passou a ser a companhia mais valiosa do planeta. Os seus US$ 531 bilhões em valor de mercado superam a soma de todas as empresas cotadas na bolsa brasileira e equivalem a um quarto do PIB do Brasil. Na quarta-feira 3, a Apple retomou a liderança na bolsa e alcançou US$ 534 bilhões. Tarde demais: as projeções dos investidores são de que, no médio prazo, será improvável para a empresa comandada por Tim Cook manter a dianteira – 51 analistas americanos estimam uma alta de, no mínimo, 15% nos papéis da Alphabet neste ano.

Nos corações e mentes dos analistas e investidores, o Google já levou a melhor na disputa com a Apple. É fácil de entender o otimismo de Wall Street. O Google está em uma área em expansão, a de publicidade digital. A Apple, por sua vez, atua em um mercado que enfrenta desaceleração, o de smartphones. Nesse ano, pela primeira vez desde que foi lançado, em 2007, o iPhone deve vender menos unidades. A Apple pode ser considerada vítima de seu próprio sucesso. Ou, como dizem os americanos, virou uma one trick poney company, ou uma empresa com um único talento: o iPhone, que representou quase 70% das receitas de seu último exercício fiscal (leia mais no quadro “E agora, Cook?”).

A Alphabet, é verdade, depende mais do que a Apple de uma única fonte de renda. Mas, como diz o analista Maher Syed, da consultoria americana Zacks Investment Research, “o iPhone provavelmente não durará para sempre, mas a publicidade, sim.” Mais do que isso. A holding que controla o Google destronou a Apple também no quesito inovação. Pela primeira vez, a Alphabet divulgou os dados de suas outras apostas São os chamados moonshots (tiros em direção à lua, em tradução livre). Quanto mais maluca a ideia, melhor para o time de engenheiros da Alphabet.

São projetos como o do carro autônomo, o de balões atmosféricos para levar internet aos rincões mais pobres e longínquos do planeta, o de internet em alta velocidade em cidades americanas, e o do seu famoso óculos inteligentes, o Google Glass, que voltou para o laboratório depois de ser testado e, aparentemente, reprovado pelos usuários. Não foi surpresa para ninguém o fato de que os moonshots ainda dão muito prejuízo. Em números: US$ 3,5 bilhões, em 2015. Má notícia? Depende da perspectiva. Tome como exemplo o Gmail, o YouTube, o sistema operacional para smartphones Android e o navegador de internet Chrome.

Todos têm mais de 1 bilhão de usuários ativos e geram receitas estimadas em US$ 21 bilhões, segundo o analista americano independente Keith Fitz-Geralds. “Eles eram serviços classificados como apostas quando a companhia começou”, escreveu Fitz-Geralds, em um relatório. Atualmente, só o YouTube, que foi comprado por US$ 1,6 bilhão há dez anos, já valeria US$ 100 bilhões, mais do que o dobro da Netflix, que é a coqueluche mundial dos serviços de streaming de vídeos. “O Alphabet está à procura do próximo Google”, diz Marcelo Tripoli, professor convidado das universidades ESPM e Faap, em São Paulo, e autor do livro Meaningful Marketing.

Enquanto os novos negócios são deficitários, quem paga a conta é o Google, que lucrou US$ 23,4 bilhões em 2015, com alta de 23,2% no ano. Sozinho, o Google abocanha 12,4% do investimento global em publicidade, estimado em US$ 597 bilhões, pela publicação americana Advertising Age. “O Google ainda tem muito a tirar desse motor”, diz Marcelo Coutinho, professor da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. “À medida que mais pessoas se conectam à internet, cada vez mais aumenta a importância da busca.”

Essa combinação de um negócio maduro e em expansão com apostas promissoras é o que faz a Alphabet valer tanto. É aqui que a máquina de inovação do Google começa a fazer sentido. Em agosto do ano passado, quando criaram a Alphabet, Page e Brin, que são respectivamente CEO e presidente da holding, indicaram que por trás da nova estrutura não estava apenas a ideia de ser mais transparente com os resultados dos diversos negócios da companhia. Separadas, elas estão livres para inovar. Ou, em outras palavras, dar tiros em direção à lua.

“Na indústria de tecnologia, em que as ideias revolucionárias impulsionam as próximas áreas de grande crescimento, você precisa se sentir um pouco desconfortável para permanecer relevante”, afirmou Page, na época da criação da holding. Em resumo, quem se acomoda está fadado a perder a relevância. É o conceito que ficou conhecido por dilema da inovação, desenvolvido pelo professor da Harvard Business School, Clayton Christensen, na década de 1990. Segundo ele, inovações disruptivas são capazes de acabar com empresas inteiras, mesmo as bem administradas.

Foi o caso da Kodak, que inventou a máquina fotográfica digital na década de 1970, mas protegeu seu negócio principal de filmes e sumiu do mapa nos anos 2000. Essa é a armadilha que a Apple, aparentemente, caiu, após a morte de seu fundador, Steve Jobs, em 2011. Nos últimos quatro anos, a empresa da maçã fez apenas melhorias incrementais no iPhone e não lançou nada inovador – o Apple Watch, seu relógio inteligente, por exemplo, pouco empolgou os fanáticos fãs da marca. Mas não custa lembrar: a companhia de Cupertino é extremamente lucrativa e tem mais de US$ 200 bilhões em caixa.

É dinheiro suficiente para a Apple virar o jogo. Mas até onde alcança a vista dos investidores de Wall Street, não há nada no horizonte capaz de mudar sua perspectiva no curto prazo. O Google, que passou a ser comandado pelo indiano Sundar Pichai, está tentando evitar que isso aconteça com a Alphabet. Quem visita o Googleplex, complexo de edifícios onde está localizada a sede da empresa, em Mountain View, no Vale do Silício, na Califórnia, tem a chance de trombar com algumas invenções que podem chegar ao mercado nos próximos anos. O carro autônomo, por exemplo, é uma delas.

Na quarta-feira 3, a Alphabet informou que vai ampliar seus testes com os veículos sem motoristas para a cidade de Kirkland, em Washington. Antes, eles podiam ser vistos apenas em Mountain View e em Austin, no Texas, onde já tinham rodado dois milhões de quilômetros, sem notícias de incidentes mais sérios. Esse é um mercado que deve representar 9% das vendas globais dos veículos em 2035, de acordo com pesquisa da consultoria americana IHS. Especula-se que a Apple também tenha planos de investir nessa área, mas pouco se sabe sobre o projeto. Das apostas do Alphabet, há moonshots com mais chance de decolar rapidamente.

O Google Fiber, que constrói redes de internet de alta velocidade, deve receber boa parte dos recursos da holding neste ano. Na semana passada, a empresa anunciou sua expansão para Chicago e Los Angeles, a segunda e terceira maior cidades americanas, respectivamente. Atualmente, ela já está em 20 localidades nos EUA. Quando não desenvolve internamente, o Google compra boas ideias. Foram os casos da Nest, que desenvolve produtos para a casa conectada, como termostatos que controlam digitalmente a temperatura e alarmes de incêndio, e do aplicativo Waze, que traça rotas de forma inteligente.

O próprio Google deve aperfeiçoar seus serviços, investindo em computação em nuvem, realidade virtual e inteligência artificial. A fórmula de inovação do Google e as lições que a empresa tem para dar ao mundo corporativo, sobretudo o brasileiro, não se resumem às suas apostas ousadas. Em seus corredores, há um ambiente que favorece o surgimento de boas ideias. Os funcionários, por exemplo, podem dedicar um dia de trabalho para desenvolver um projeto próprio. Foi assim que nasceu o Gmail.

As novas ideias são rapidamente testadas pelos próprios empregados da empresa. Os produtos ou serviços são lançados mesmo que não estejam 100% prontos e vão se aperfeiçoando com os insights dos próprios usuários. Se não derem certo, a empresa não gasta energia e simplesmente os mata. Estima-se que quase 40% dos produtos do Google fracassaram, como foi o caso da rede social Orkut, que tanto sucesso fez no Brasil. Aqui, o Google conta com 700 funcionários e um centro de desenvolvimento em Belo Horizonte, com 100 engenheiros.

Ao mesmo tempo que encanta, o Google também assusta. Por estender os seus tentáculos para todos os lados da sociedade digital, a empresa assumiu um poder que só pode ser ameaçado pelo Facebook, de Mark Zuckerberg. Em algumas áreas, no entanto, ele reina sozinho. Seu sistema operacional Android, por exemplo, domina o mercado de smartphones, com presença em oito em cada 10 aparelhos. Em buscas, é quase um monopólio, sem concorrentes à altura – o Bing, da Microsoft, nunca vingou.

Isso faz com que muitas empresas reclamem que a gigante de internet privilegie seus produtos em detrimento dos concorrentes nos resultados das buscas. O Google é investigado em várias partes do mundo por autoridades antitruste, como na Europa. No Brasil, corre um processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), impetrado pelo Buscapé. Essas polêmicas não barraram até agora o avanço do Google, que tomou o lugar de IBM, Microsoft e Apple no Olimpo da inovação. Mas até quando ele ficará lá?

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E agora, Cook?

Para a Apple, a perda do título de empresa mais valiosa do mundo começou a ser desenhada em 2015. Mas ganhou ares de tragédia anunciada no fim de janeiro, quando a empresa liderada por Tim Cook anunciou os resultados do seu primeiro trimestre fiscal. Apesar da receita e do lucro líquido recorde no período, outro indicador confirmou as preocupações de Wall Street. E ressaltou o principal dilema da Apple: reduzir a dependência do iPhone, que responde por mais de dois terços de sua receita.

Com alta de 0,4%, as vendas do iPhone tiveram seu pior desempenho desde o seu lançamento, em 2007. A Apple atribuiu a estagnação a fatores como a desaceleração da economia chinesa e alta do dólar em países emergentes. Esse cenário levou a empresa a projetar para o segundo trimestre sua primeira queda de faturamento em treze anos. Para Rob Enderle, analista da consultoria americana de tecnologia Enderle, nem tudo, no entanto, pode ser colocado na conta do cenário econômico.

Desde a morte de Steve Jobs, diz o analista, a Apple vêm perdendo a aura de inovação que sempre caracterizou a marca. E a empresa não tem sido capaz de abrir novas e consistentes fontes de receitas. “A situação é muito parecida com a época em que Jobs foi obrigado a deixar a companhia, em 1985”, afirma. “Cook não está disposto a fazer grandes apostas. E se decidir se arriscar, como Jobs faria, provavelmente vai falhar, pois não é um cara de produto.”

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O número da besta

Uma caixa postal de número 666 (considerado o número da besta) é o único endereço do Google no ensolarado paraíso caribenho das Ilhas Bermudas. Mas ela recebe cerca de 8 bilhões de libras esterlinas (US$ 11,6 bilhões) de lucros por ano da gigante da internet e está por trás de uma polêmica enorme no Reino Unido. O Google concordou em pagar 130 milhões de libras esterlinas (US$ 190 milhões) em impostos passados ao governo.

Mas, por meio de uma estratégia legal, porém controversa, usa brechas da lei para reduzir seus impostos. Não é uma prática exclusiva da empresa. Apple, Facebook e Amazon também são acusadas de pagar menos impostos. A estratégia funciona através da transferência de recursos para uma série de subsidiárias, localizadas em regiões que cobram menos impostos. No caso do Google, ele deslocou sua subsidiária de Europa, Oriente Médio e África para a Irlanda, em 2008, por conta das baixas taxações nos lucros.

Um anúncio feito na Inglaterra, por exemplo, é cobrado na Irlanda. Depois, o dinheiro vai para outra empresa na Holanda até chegar ao seu destino final: as Bermudas. A seu favor, o Google diz que a operação no Caribe não afeta os impostos que paga no Reino Unido e que não infringe nenhuma lei. De fato. Mas para uma empresa cujo um dos mantras é don´t be evil, que pode ser traduzido como “não seja mau”, não parece uma prática bondosa.