As lembranças de quem viveu o ano de 2001, no Brasil, são um tanto desbotadas. Naquele período, o País enfrentou o mais severo racionamento de energia de sua história, quando as empresas e os consumidores foram obrigados a reduzir o consumo de eletricidade para que a demanda não superasse a oferta disponível na época. A falta de interligação das linhas de transmissão do sistema nacional e a ausência de chuvas em 2000 prejudicaram a geração das hidrelétricas, obrigando os brasileiros a racionar energia. Até os postes de iluminação pública eram desligados, fazendo com que as vias urbanas assumissem um tom acinzentado ao cair da noite. 

 

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Dentro das casas, os cidadãos apagavam a maior parte das luzes, encurtavam o banho de chuveiro e reduziam o uso de aparelhos eletrônicos, para cumprir as metas impostas pelo governo para superar aquela crise, que só terminaria em fevereiro de 2002. Numa espécie de “estresse pós-traumático”, alguns setores reavivaram, na semana passada, o fantasma de um novo apagão, e a necessidade de racionamento de energia. As chuvas mais esparsas do ano passado diminuíram o nível dos reservatórios, que ficaram em patamares próximos aos de 2001 (leia quadro ao final da reportagem). Em regiões, como o Sudeste, onde está concentrada a maior parte das indústrias do País, as reservas de água estão, inclusive, abaixo do nível daquele ano, praticamente no piso do nível considerado seguro, de 28%. 

 

Num desencontro de versões, nem sempre bem-intencionadas, chegaram a ser reavivados os termos racionamento e apagão nos jornais, rádios e televisão, como se os velhos problemas brasileiros estivessem voltando à baila. Mais do que isso, chegou a crescer o temor de que esse cenário sombrio viesse a fazer o setor produtivo rever planos de investimento neste ano, que precisa, a todo custo, de um “pibão”. Na verdade, foi muito barulho por nada. “Não há o menor risco de racionamento”, disse à DINHEIRO o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. “Nem agora nem no futuro” (veja entrevista ao final da reportagem). Lobão ganhou o coro dos próprios empresários, que garantiram, ao longo da semana, que não devem mudar uma vírgula em seus projetos. 

 

“Nós não trabalhamos com a possibilidade de faltar energia”, disse à DINHEIRO Luiz Moan, vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, na segunda-feira 7. “Estamos confiantes na promessa do governo de reduzir o custo da energia neste ano, apesar do acionamento das térmicas.” Diferentemente de 2001, o governo tem hoje um arsenal de usinas movidas a gás, óleo e carvão, para serem acionadas em períodos de emergência, que podem garantir 14 mil megawatts extras. Hoje o sistema de geração brasileiro fornece 122 mil MW, e outros 8,5 mil MW entrarão no sistema até o fim do ano. 

 

O presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores (Abrace), Paulo Pedrosa, que representa indústrias eletrointensivas, como Alcoa, Gerdau e Vale, também garantiu que não há o menor sinal de que o quadro atual possa alterar planos de investimentos de seus associados. “Os ânimos ficam um pouco exaltados com o assunto, mas não vemos a situação como catastrófica”, diz Pedrosa. “Não há indícios de que possa se repetir hoje uma crise de racionamento”, afirma. “É uma premissa do setor elétrico conviver com situações como a atual.” Nem todos, porém, encararam a situação com tranquilidade. “Se tivéssemos tido um crescimento muito forte no ano passado, estaríamos agora com um problema de racionamento”, diz Cristiano Prado, gerente de competitividade da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. 

 

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As indústrias eletrointensivas não temem a repetição do racionamento de 2001

 

“Isso nos dá uma sensação de insegurança.” Outro problema do atual momento é o custo da energia das térmicas. O megawatt/hora (MWh) superou os R$ 550 nos últimos dias. Em janeiro do ano passado, esse custo não ultrapassava os R$ 13. As preocupações, entretanto, são minimizadas pelo próprio Pedrosa, da Abrace. “Essa variação de preço afeta apenas as compras de energia para o curto prazo, que representam entre 5% e 15% do insumo adquirido pelas indústrias”, diz Pedrosa, que estima um impacto de alta entre 1% e 2% para as empresas em função dessa solução emergencial. “Mas se quiséssemos risco zero teríamos custos infinitos.” Para ter um sistema 100% seguro, de acordo com os especialistas, seria necessária uma estrutura imensa de usinas para serem acionadas em caso de emergência. 

 

O governo, entretanto, reforça que não há motivos para alarde. “As chuvas já começaram a cair e, aos poucos, os reservatórios serão recompostos”, diz Lobão. O executivo de uma geradora lembra que o País viveu um susto semelhante em 2008. “Daí veio tanta água que quase ‘morremos’ afogados”, ironiza. A expectativa do governo é de dobrar a geração de energia elétrica nos próximos 15 anos, além de ampliar, cada vez mais, a geração de energias limpas, como eólicas e de biomassa, que complementam a matriz energética. “Os atrasos na construção de hidrelétricas não comprometem a segurança do País”, afirmou o ministro, acrescentando que, se necessário, serão despachadas mais térmicas. 

 

Das 68 instaladas, 56 estão em pleno funcionamento. Há dúvidas, no entanto, sobre qual será o custo dessa energia adicional. O Encargo de Serviços do Sistema (ESS) – cobrado nesses casos – será repassado ao consumidor somente no próximo ano, um aumento, em média, de 2%. Por ora, o ministro garantiu que o desconto de 20% na conta de luz, a partir do mês que vem, está mantido. Seja como for, o debate acalorado – que aqueceu o mercado de compra e venda de ações das elétricas – deixou claro que o Brasil não vive velhos problemas, mas, sim, novos desafios. 

 

O consumo de energia, por exemplo, se descolou do crescimento do PIB – até novembro ele subiu 3,6%, em comparação a 2011, enquanto a atividade econômica deve ter crescido não mais que 1%. Além disso, o Brasil assumiu compromissos ambientais que fizeram o País reduzir o tamanho dos reservatórios das hidrelétricas, o que diminui o estoque hídrico. “A sociedade precisa decidir sobre a retomada de hidrelétricas com reservatórios”, diz José Mascarenhas, presidente do Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria. O quadro atual deve aumentar a pressão sobre o governo para acelerar os leilões do setor, atrasados também pela burocracia ambiental. 

 

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“Não há risco de racionamento hoje e não haverá no futuro”

 

Por Denize Bacoccina

 

O empresário que está investindo quer saber se há garantia de que não faltará energia nos próximos três ou quatro anos. Temos em construção 42 mil MW para os próximos quatro anos. Hoje a nossa geração é de 122 mil MW e outros 8,5 mil MW entrarão no sistema, até o fim do ano. Não há risco hoje e não haverá risco para o futuro.

 

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Edison Lobão, ministro de Minas e Energia

 

Qual é o potencial de aumento de energia térmica?

Temos ainda várias térmicas desligadas. Acabamos de desligar Angra 2, muito importante, para manutenção, por algumas semanas. Se houvesse risco de falta de energia, ela não seria desligada. 

 

Nove turbinas da usina de Santo Antônio, em Rondônia, já estão funcionando. Essa energia já está interligada ao sistema?

Santo Antônio já está fornecendo energia para o Estado de Rondônia e, em breve, entrará também em operação a usina de Jirau. Dentro de dois meses, as duas estarão ligadas ao sistema nacional.

 

A energia das térmicas é mais cara. O Tesouro pode compensar esse custo?

As térmicas são usadas em todo o mundo. Elas são a segurança do sistema. De outra maneira, teríamos que construir muito mais hidrelétricas para momentos de pouca chuva. É muito mais barato uma reserva em térmicas.