A febre começou quando o economista americano Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008, escreveu uma resenha para o jornal americano The New York Times. Publicado no dia 25 de abril, o texto classifica O Capital no Século 21, do economista francês Thomas Piketty, como “o mais importante livro de economia do ano, talvez da década”. No período de pouco mais de um mês que se seguiu ao artigo de Krugman, um dos mais influentes economistas da atualidade, com suas colunas publicadas em jornais de todo o mundo, muita coisa aconteceu.

O livro de Piketty passou a liderar a lista dos mais vendidos do jornal nova-iorquino, teve sua base de dados criticada pelo jornal Financial Times e foi defendido pela revista The Economist, ambas publicações britânicas. Piketty refutou as acusações do FT e se manteve firme na defesa de seu trabalho. Mas o que ele traz de tão revolucionário, como definiu Krugman? Para o ex-ministro Delfim Netto, trata-se de “uma extraordinária pesquisa histórica organizada em torno de sólidos conhecimentos econômicos”.

No livro, Piketty analisa um amplo banco de dados sobre renda e conclui que a desigualdade nos Estados Unidos e na Europa regressou aos níveis do início do século 20. O motivo, diz o economista francês, é que, no topo, a riqueza não é derivada do trabalho, mas herdada, o que favorece a concentração. Para corrigir a perpetuação desse processo, ele propõe a criação de um imposto mundial sobre patrimônio, de 2%, além de uma alíquota de imposto de renda de 80% para quem está no alto da pirâmide. “Os poucos que estão no topo tendem a se apropriar de uma grande parcela da riqueza nacional, à custa da classe média e baixa”, diz.

“Isso já aconteceu no passado e pode voltar a acontecer no futuro.” Aos 43 anos, Piketty é professor da Escola de Economia de Paris e discípulo do economista britânico Anthony Atkinson, precursor dos estudos sobre distribuição de renda. Juntos, coordenam um projeto sobre o tema, The World Top Incomes Database. Já acumulam estatísticas sobre 22 países, alguns deles com dados dos últimos três séculos –, mas o estudo do Brasil ainda está em elaboração. O Capital no Século 21 já havia sido publicado em francês no ano passado. Mas foi a edição em inglês, neste ano, que tornou Piketty uma celebridade.

Uma espécie de Karl Marx redivivo, jovem e sem barba. Em viagem aos Estados Unidos, em abril, ele se encontrou com o secretário do Tesouro americano, Jack Lew, e fez palestras ao Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, no Fundo Monetário Internacional e na Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, um dos maiores estudiosos do tema é o economista Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e atualmente ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Para ele, a forte reação ao livro é um termômetro da importância que se dá, hoje em dia, aos debates sobre desigualdade.

“É uma discussão que já estava acontecendo e agora ganhou corpo”, afirma. Neri concorda com a dificuldade em conseguir dados sobre o Brasil – a equipe de Piketty reclamou que a Receita Federal não liberou informações sobre imposto de renda –, mas diz que os dados disponíveis mostram que o País vive um movimento inverso, com a redução da desigualdade. “O aumento do valor dos imóveis, que representa 50% da riqueza dos brasileiros, ajudou a diminuir essas diferenças.”

No entanto, ele reconhece que, embora tenha melhorado, a situação brasileira ainda é pior do que a da média mundial. Por sua vez, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, diz que há muitos estudos no Brasil sobre os pobres, mas lamenta a falta de pesquisas analisando os que estão no topo da pirâmide. “Precisamos conhecer melhor e refletir sobre os muito ricos”, afirma. O mérito de Piketty é colocar o tema, antes estudado apenas por alguns especialistas em pobreza, no centro do debate econômico.