Nas últimas 24 horas, dezenas de milhares de pessoas em 36 países e 125 cidades ao redor do mundo alugaram um carro de um serviço que pode ser comparado ao de um táxi ou de uma locadora de veículos. Tudo foi feito online ou por meio de um aplicativo de celular. Mas o veículo pertence a uma pessoa comum como você em vez de uma cooperativa de taxistas ou de uma empresa como as americanas Hertz e Avis ou a brasileira Localiza, gigantes do setor de locação.

Quem faz o meio de campo nessa transação é a Uber, uma companhia iniciante dos Estado Unidos, que recebeu um aporte de US$ 1,2 bilhão, na sexta-feira 6 de junho, de um grupo de investidores de peso, que inclui a BlackRock e o Google Ventures. Com esse dinheiro, a Uber passou a ser a mais valiosa startup do mundo, avaliada em US$ 18,2 bilhões. Sua capitalização é maior do que a da própria Hertz (US$ 12 bilhões) ou da arquirrival Avis (US$ 6 bilhões).

A Uber, ao lado da também americana Airbnb, que aluga quartos, casas e apartamentos ao redor do mundo, pode ser considerada o melhor exemplo da nova e exuberante economia colaborativa (em inglês, sharing economy). São intermediárias entre pessoas físicas, geralmente desconhecidas entre si, que contratam de tudo: de um lugar para hospedar-se ou carros para locomover-se durante uma viagem de lazer ou de negócios até uma pessoa para dar uma volta com o seu animal doméstico. Com essa lógica simples, as empresas que fazem parte da economia colaborativa devem movimentar US$ 110 bilhões por ano, segundo estimativa da consultoria britânica Shaping Tomorrow.

E a tendência é crescer mais e mais, ao ponto de mexer com os negócios de todo mundo. “Os setores de mobilidade, turismo e finanças são os primeiros a sentir os efeitos dessa tendência”, afirmou à DINHEIRO o catalão Albert Cañigueral, fundador do portal ConsumoColaborativo.com, referência no assunto em língua espanhola. “Educação, saúde e seguros parecem ser os próximos na lista.” A economia colaborativa está também mudando a forma como as pessoas interagem. Afinal, confiança passa a ser um valor que também precisa ser compartilhado. Qual o risco de alugar um quarto na residência de um desconhecido?

Por que deixar seu cachorro dar uma volta com alguém que você nunca viu? Ou pegar carona com um motorista estranho? A solução para resolver essa questão está na internet. Essas startups contam com um sistema de reputação baseado em resenhas feitas pelos próprios usuários. O objetivo é criar um ambiente de cooperação sem espaço para fraudes e trapaças. Em outras palavras, baseado numa espécie de fio de bigode digital, em que valem a palavra empenhada e a parceria, no qual os acordos firmados são cumpridos, como nos tempos de nossos avós, e os eventuais desvios são rapidamente corrigidos. Um exemplo de como a confiança é importante nesse novo modelo de negócios aconteceu com o DescolaAí, de São Paulo.

A startup começou há dois anos apostando no aluguel de produtos. Mas “pivotou”, jargão usado para dizer que falhou e precisou mudar sua estratégia. “Ainda não era o momento para o aluguel”, diz Christian Cooke, 41 anos, sócio-fundador do DescolaAí. Em vez de alugar, a companhia priorizou as trocas de produtos. “É uma questão cultural, as pessoas ainda estão amadurecendo a ideia”, afirma Cooke. O aluguel, porém, não foi esquecido e deve voltar numa plataforma fechada da empresa para ser usada em empresas e condomínios. Nesse momento, o principal argumento que vem atraindo uma legião de clientes a essa nova forma de consumo vem do bolso.

“A economia colaborativa atraiu as pessoas primeiro por uma necessidade de otimizar recursos”, afirma Victor Reimann, 25 anos, um dos sócios da desenvolvedora e incubadora de projetos de economia colaborativa Engage, cuja sede fica em Porto Alegre. “Agora começa a surgir uma conscientização social e sustentável”, diz ele, um dos criadores de sites de financiamento coletivo (crowdfunding) como Impulso e Catarse, o mais popular do Brasil. Foi por intermédio do crowdfunding que muita gente teve seu primeiro contato com a economia colaborativa. Por essa modalidade, as pessoas desenvolvem projetos e pedem doações em troca de prêmios.

Quanto maior a doação, melhor a recompensa. A escritora gaúcha Clara Averbuck, por exemplo, precisava de R$ 35 mil para publicar seu próximo livro, Toureando o Diabo. Quanto maior a doação, melhor as recompensas, cujo ápice foi um conjunto premium com cinco livros da autora, ilustrações, pôsteres, história inédita, entre outros mimos a quem pagasse R$ 600. Resultado: o projeto arrecadou R$ 44 mil. “Fiz crowdfunding por discordar do percentual de 10% que as editoras pagam aos autores”, diz Clara. Se ela não tivesse atingido o objetivo em 60 dias, o dinheiro seria devolvido aos doadores.

Assim como livros, é possível pedir financiamento coletivo para inúmeras coisas – desde filmes até o capital inicial de empresas. Como quase tudo na economia colaborativa, é preciso acreditar na proposta, pois as recompensas e o produto final podem ser frustrantes. “Os doadores sabem que não estão fazendo uma compra na Amazon, mas sim ajudando a criar algo novo”, disse à DINHEIRO Justin Kazmark, porta-voz do Kickstarter, site americano de crowdfunding, que intermediou doações de US$ 1,1 bilhão desde 2008, quando foi fundado por Perry Chen, Yancey Strickler e Charles Adler.

DA CRISE À COLABORAÇÃO A grande propulsora da economia colaborativa foi a crise financeira global de 2008 – ainda que algumas iniciativas tenham surgido antes. “A recessão global fez as pessoas tomarem consciência de que um consumo colaborativo para diminuir o custo é bom para todos”, diz Yuri Faber, 28 anos, CEO e fundador do Zaznu (“partiu” em hebraico), empresa brasileira que criou um aplicativo de compartilhamento de veículos. Com o Zaznu, qualquer carro pode virar, na prática, um táxi, embora a corrida seja chamada de “carona” e o pagamento de “doação”.

O sistema, inspirado nos americanos Lyft e Uber, é polêmico por onde passa. Em várias partes do mundo, os taxistas organizaram-se para combater esse concorrente. Um tribunal de Bruxelas prometeu multar motoristas que pegarem passageiros por meio do aplicativo. Em Berlim, a Justiça baniu alguns serviços do Uber. A prefeitura de Melbourne, na Austrália, começou a multar motoristas que recebem dinheiro para transportar passageiros intermediados pelo aplicativo. Embora tenha sido lançado há pouco mais de quatro meses, o Zaznu já sente a reação dos negócios tradicionais ao seu modelo de negócios.

Vídeos e textos publicados na internet criticam o “Uber” brasileiro, que atualmente opera no Rio de Janeiro, onde nasceu, e outras cinco capitais brasileiras. “A gente não quer tomar o espaço do táxi”, afirma Faber. Quem faz cadastro no site do Zaznu, porém, recebe um e-mail com a frase “nossas tarifas são 20% mais baratas que um táxi, no horário comercial, e 35% mais baratas nos demais horários”. Mas a reação dos taxistas não é a única ameaça ao Zaznu. Faber terá de lidar com um de seus inspiradores. No final de maio, o americano Uber desembarcou no mercado carioca.

A companhia americana, que faturou centenas de milhões de dólares no ano passado (o número correto não é informado), cresce rapidamente. De acordo com uma entrevista de seu fundador e CEO, Travis Kalanick, a receita tem ao menos dobrado a cada seis meses. “Crescemos mais rapidamente neste ano do que no ano passado”, diz Kalanick. Mas, se a economia colaborativa ameaça os táxis dentro das cidades, os ônibus de viagens intermunicipais não estão imunes a essa nova onda.

A plataforma Tripda, que tem como um dos sócios o fundo alemão Rocket Internet, que conta com participações em empresas como Easy Taxi e 21 Diamonds no Brasil, visa unir pessoas que vão viajar para o mesmo destino a fim de dividir os custos. Nas três primeiras semanas de operação, em maio, a startup teve mais de duas mil ofertas de carona para 500 rotas. “Quando comecei a pesquisar sobre economia compartilhada, me encantei”, diz Giuliana Reis, 24 anos, fundadora da empresa. “Não é preciso ter tudo o tempo todo, dá para alugar um pedacinho de suas coisas tranquilamente.”

Essa lógica, que fascinou Giuliana, tem como principal referência o Airbnb, que oferece hospedagem nas casas dos usuários. A empresa, fundada em 2008, tem valor estimado em US$ 10 bilhões e faturamento de US$ 250 milhões. O que garante esse valor são seus números superlativos. Conta com mais de 600 mil ofertas de hospedagem de 194 países, sendo 31 mil delas no Brasil (duas vezes mais do que no ano passado). Aproveitando-se da oferta hoteleira precária do País, o Airbnb espera que seus usuários recebam 120 mil visitantes estrangeiros durante a Copa. Para Christian Gessner, diretor para o Brasil, o Airbnb tira partido das características da população para crescer.

“Vemos que os anfitriões brasileiros estão sempre entre os mais simpáticos do mundo e há um grande potencial empreendedor aqui”, diz Gessner. O casal Paula Queiroz e Henrique Paludetto, 28 e 29 anos respectivamente, é um exemplo de empreendimento baseado no Airbnb. Eles começaram recebendo hóspedes em seu apartamento em janeiro de 2013. “A ideia deu tão certo que investimos no aluguel de uma casa de quatro quartos, onde estamos morando, e criamos a guest house Lobo Urban Stay”, afirma Paula, que diz ter arrecadado US$ 11 mil e ter outros US$ 9 mil de reservas futuras fechadas.

O casal abriu uma empresa, mas isso é exceção. A maioria dos serviços é prestada por pessoas físicas, o que abre margem para a ilegalidade. “Não posso dar entrevista, pois não declaro o dinheiro que ganho do Airbnb”, disse à DINHEIRO um usuário há algumas semanas, enquanto participava de um jantar de confraternização entre anfitriões do site. Consultada pela reportagem, a Receita Federal disse que os ganhos estão sujeitos às regras normais de rendimentos de pessoa física e devem ser declarados no Imposto de Renda.

QUEM CUIDA DE SEU PET? Se muitos consideram complicado hospedar-se na casa de um desconhecido, outros morrem de medo de deixar seu cão ou gato aos cuidados de estranhos. “As pessoas tratam os bichinhos de estimação como um filho-bebê, indefeso e que não sabe se expressar”, diz Monique Corrêa, 33 anos, criadora do PetRoomie, do Rio, o Airbnb dos pets, que arruma casas para deixar os pets enquanto os donos viajam. Lançado em novembro do ano passado, Monique relata que ela e seus dois sócios estão tentando inicialmente driblar essa desconfiança para depois focar no ganho de escala.

Potencial há, pois é estimado que o Brasil tenha 37,1 milhões de cães e 21,3 milhões de gatos, a segunda maior população do mundo. No ano passado, o faturamento do setor foi de R$ 15,4 bilhões no Bra­sil, crescimento de 7,3% em relação a 2012. Participante desse mercado e ciente da barreira da confiança, a GoWalk, aplicativo carioca que ajuda a encontrar passeadores de cachorro, faz um rígido controle dos prestadores de serviço. “Fazemos entrevistas, verificamos redes sociais e ficha criminal de todos os candidatos”, afirma o fundador da empresa, o carioca Luiz Henrique Monteiro Siqueira de Araújo, de apenas 19 anos.

O dono do cão também pode acompanhar via GPS o trabalho do passeador em tempo real. A startup conseguiu dois mil passeadores desde a sua estreia, há três meses. A GoWalk pretende desenvolver também coleiras com GPS e camisetas com sensores vitais para os pets – produtos que, mais uma vez, visam tranquilizar os usuários. Há 20 anos, quando o comércio eletrônico surgiu, a segurança era uma preocupação dos consumidores para adotá-lo. Mas depois das primeiras compras as pessoas sentiam-se confiantes para explorar a modalidade online.

O americano eBay, por sua vez, começou como um site de leilões que vendia produtos de consumidores para consumidores. Mais tarde, transformou-se num enorme marketplace povoado por grandes empresas e marcas importantes. Airbnb e Uber, assim como seus pares nessa nova onda, devem percorrer um caminho semelhante. Animado por uma primeira experiência positiva, o consumidor deve sentir-se encorajado para testar novos serviços. Nunca é demais lembrar: em vez de combater, os taxistas e as redes hoteleiras devem enxergar as oportunidades. É hora de compartilhar.

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