22/07/2022 - 0:10
Não há como ignorar o tamanho do desastre social que vai se consolidando especialmente nas camadas mais pobres da população. No momento, quase quatro em cada cinco brasileiros encontram-se endividados, com um percentual recorde que chegou a 77,7% da população, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência (Peic) da Confederação Nacional do Comércio (CNC). O número é dez vezes mais do que o registrado em março passado e o maior jamais verificado nos últimos 12 anos. Essa contabilidade de devedores dá um sinal claro sobre a incapacidade de consumo de boa parte da população e preconiza tempos difíceis para todas as áreas da produção — quadro ainda agravado pelo ritmo inflacionário incessante. Os números apontam para um patamar de inadimplência cada vez superior. Com as taxas de juros em níveis proibitivos, encarecendo o crédito, muitos acabam não tendo condições de honrar os seus compromissos e a proporção de famílias com dívidas ou contas em atraso vai se espalhando rapidamente e de maneira uniforme por todo o País. É apenas um dos ângulos do drama que acomete os brasileiros. Sem dúvida, ele alcança o limite agudo dentre aqueles que não possuem sequer o que comer — 33 milhões apresentando algum grau de insegurança alimentar. Em Brasília, técnicos já avaliam que o Auxílio Brasil será realmente insuficiente para reverter o cenário ou mesmo abrandá-lo. A fragilidade do brasileiro é inegável, em que pese o populismo fiscal temporário para maquiar a realidade. Os desarranjos internos levaram o Brasil a figurar no ranking dentre os piores locais do mundo em termos de restrições orçamentárias da população. Quem aponta é o levantamento da Nielsen Media Research, realizado com 100 países, sinalizando que, por aqui, mais de 64% das pessoas estão permanentemente na insolvência financeira, contra uma média global da ordem de 46%. O IBGE ainda revela que o rendimento médio mensal dos brasileiros atualmente é menor, descontada a inflação, do que de quando Bolsonaro assumiu — da ordem de R$ 2.613 ante os R$ 2.823 no início de 2019. Decerto, não ocorreu por parte do governo uma preocupação estrutural com a questão, muito menos esforço na direção de um plano de longo prazo para conter os seus efeitos. As escolhas, como apontam especialistas, foram sempre no sentido eleitoral e a expectativa atual, com o baixo crescimento misturado à inflação, é de um legado pesado para 2023. Por enquanto, o orçamento secreto vai pavimentando a ilusória sensação de conforto para alguns com o tratoraço de medidas que devem baixar preços de combustíveis, de luz, de transportes e aumentar a renda de parte dos necessitados até dezembro próximo. Na prática, o governo está gastando 4% do PIB (ou cerca de R$ 310 bilhões no total) para buscar uma reeleição. Nada semelhante foi feito antes em termos de uso do dinheiro público para tal fim. As medidas também vão no bojo de uma coletânea de golpes regimentais, driblando leis, sem qualquer tipo de amparo ou lastro financeiro. O ministro do STF Gilmar Mendes está criando uma comissão especial para discutir os incentivos pelo lado do corte do ICMS. Mas, até uma conclusão definitiva, o resultado das urnas provavelmente já será conhecido. No momento, se assiste a um esforço concentrado do governo para trazer mais e mais agrados que se revertam em apoios. No Ministério da Economia, a ideia agora é a de isentar de tributos os investimentos na renda fixa, aprofundando os estudos para um quase pacote de bondades dirigido ao mercado de capitais, já a partir do início do segundo semestre. Ninguém ainda fala em como ficarão as contas do Estado para 2023 após essa avalanche de ações pontuais que, naturalmente, geram um custo monumental e não resolvem o problema de fundo da pobreza incessante.
Carlos José Marques
Diretor editorial