20/04/2023 - 4:10
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, fez na segunda-feira (17) sua grande estreia no governo Lula III. Autora da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, ela já havia enviado o texto para o Congresso na sexta-feira (14), e apresentou ao público suas expectativas para o Brasil. Se tudo der certo (leia-se Arcabouço aprovado), os ministérios teriam R$ 196,4 bilhões para usar fora das despesas obrigatórias, quase oito vezes o que sobraria com o Teto (R$ 24,6 bilhões). Tudo ótimo no planejamento, mas ainda longe da prática. Para atingir as premissas da LDO — inflação de 3,5% em 2024, alta do PIB em 2,3% e zerar o resultado primário ano que vem — a nova regra fiscal já deveria estar aprovada, e a tributária na boca do gol.
E nenhuma das duas está onde deveria. Isso significa uma letargia econômica que começa a invadir o segundo trimestre e acende sinais de alerta por todos os lados. Essa morosidade ficou evidente no último Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do Banco Central, considerado a prévia do PIB. Em janeiro, o indicador recuou 0,04% em relação a dezembro (o mercado havia projetado alta de 0,21%).
Na prática isso significa que há menos disposição do capital privado do que era esperado e o governo ainda não pode, sob risco de cometer crime de responsabilidade, ajudar. “Os recursos apresentados por Simone partem de indicadores otimistas e se apoiam em recursos que só existem virtualmente”, afirmou Raul Monteiro da Costa, ex-conselheiro do Banco Central e secretário especial de Gestão e Orçamento do ministério do Planejamento do governo Michel Temer. A própria Simone, durante apresentação da proposta, afirmou que sem aprovação do Arcabouço Fiscal seria inviável sustentar até as despesas obrigatórias. “É preciso que se crie um novo marco, com novas diretrizes que sejam condizentes com a realidade do Brasil”, disse a ministra. Segundo ela, a LDO traz de forma didática e transparente o caminho necessário para que o Brasil avance economicamente e seja mais justo socialmente.
REFORMA TRIBUTÁRIA Outro ponto de atenção na LDO é a questão dos incentivos fiscais (subsídios, isenções e benefícios tributários). Segundo o texto apresentado, no ano que vem seriam destinados R$ 486,1 bilhões com esse fim. O valor, no entanto, é muito alto e incompatível com a perspectiva do Planejamento de elevar a arrecadação em 8% (valor que já é superestimado porque a média de crescimento histórica no Brasil é 4,4%). A solução, então, seria a aprovação da Reforma Tributária. Segundo o coordenador do Grupo de Trabalho do tema, Reginaldo Lopes (PT-MG), com a unificação dos impostos seria possível derrubar os subsídios de R$ 486,1 bilhões para R$ 178,7 bilhões em 2024.
Na LDO de 2024, a renúncia relativa ao Cofins é de R$ 116,3 bilhões, a maior de todas. Na sequência vem a agricultura (R$ 57 bilhões). Simples Nacional e Zona Franca de Manaus (com R$ 36,2 bilhões e R$ 35,2 bilhões) devem ser os únicos subsídios mantidos integralmente. A Emenda Constitucional 109, já em vigor, prevê a redução dos incentivos fiscais para 2% do PIB. Pela atual LDO, porém, a renúncia fere a lei e deve atingir 4,23% do PIB. Só fica dentro da legalidade com o Arcabouço Fiscal aprovado como está.
PARTICIPAÇÃO & TECNOLOGIA Para tentar aproximar os gastos da sociedade civil, Simone Tebet quer instituir o Orçamento Participativo, prática que atravessa governos petistas em cidades e estados, mas nunca engatou no governo federal. O Plano Plurianual Participativo (PPA Participativo) envolve consultar a população e setores específicos para escolher demandas. Segundo assessores da ministra, na quinta-feira (20), o presidente Lula deve receber o desenho incial do projeto. Se sair do papel, a ministra vai ganhar posição de destaque dentro da cúpula do governo.
Países como Alemanha, Austrália, Canadá, Inglaterra e Nova Zelândia têm processos similares. Segundo Michael J. Piore, professor de Política Econômica e Orçamento Público do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em maior ou menor escala, os governos entenderam que é impossível ter como bússola apenas a classe política. “É preciso ouvir a população, cientistas, educadores e toda a sociedade civil organizada”, disse. “E com as novas tecnologias isso não é apenas possível, é altamente viável.” Ele não descarta, por exemplo, o uso de algorítimos para mapear problemas comuns a um número maior de pessoas. A opinião é partilhada por Pedro Marin, coordenador do Programa Planejamento e Orçamento Público da Fundação Tide Setúbal. Para ele, a forma como o Brasil organiza o gasto público não é tão efetiva. “Quem olha esse gasto? Quem avalia a viabilidade? Não duvido que o deputado saiba da sua região, mas é necessário uma analise também mais sob a ótica da gestão e do retorno.” Premissas de quem sabe que ponderar, medir e planejar (ainda que surjam imprevistos) é o caminho menos tortuoso para se chegar ao destino final.