Se os eleitores brasileiros pudessem ser comparados aos personagens de um elegante e portentoso jantar, seriam mais ou menos assim: os perdulários anfitriões (o governo), os deslumbrados convidados (os mais ricos e a elite política) e os empregados que estão ali para servir, não aproveitar (o trabalhador comum, assalariado e pagador de impostos). Todos estão no mesmo lugar, sentem os mesmos perfumes e ouvem as mesmas músicas. Mas não têm as mesmas experiências. A alegria de alguns não necessariamente é a felicidade de todos.

A situação exemplifica o que deve ocorrer com o baile político e econômico do País neste ano e em 2023. Os benefícios embarcados na PEC Eleitoral, como o Voucher Caminhoneiro, a elevação do valor do Auxílio Brasil e a definição de tetos para alíquotas do ICMS sobre os combustíveis, entre outras medidas a fórceps em véspera de tentativa de reeleição, devem aliviar o peso dos juros e da inflação sobre o orçamento das famílias, abrindo espaço para outros gastos, mas não se apresentam como a solução para as enrascadas fiscais em que o País está atolado e nem na homogeneidade no usufruto das benesses na sociedade.

Com R$ 41,2 bilhões a mais em circulação, muitos dos problemas estruturais serão mascarados. O preço dos alimentos, que tem achatado o consumo e o poder de compra dos mais pobres, não deve cair, segundo o economista Carlos Alfredo Guedes, gerente do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “As exportações vão continuar altas, impedindo a queda dos preços no mercado interno”, afirmou. Ou seja, os trabalhadores e as categorias profissionais que receberão o auxílio adicional neste ano podem até estar com um pouco mais de dinheiro no bolso, mas ainda continuarão pagando caro pelos itens básicos. E o Banco Central sabe que a inflação vai demorar para deixar de ser um problema. No último relatório de inflação, o BC considera uma alta de preços de 8,8% para 2022; de 4% para 2023 e de 2,7% para 2024.

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Por outro lado, a Selic acima de 13% (contra 2% no começo de 2021) encarece o crédito. Para o economista Ricardo Macedo, professor do Ibmec, não há indícios que uma eventual melhora do PIB vai reduzir a desigualdade. “Quem tem baixa qualificação e voltar ao mercado de trabalho, deve ir para a informalidade”, disse. “Essa faixa da população não tem mecanismos de proteção da inflação, enquanto os mais ricos sabem como ter ganhos reais e multiplicar a renda com aplicações financeiras.”

O Banco Central também sabe do tamanho da bomba que será jogada no colo do próximo governo e alerta que a sustentabilidade fiscal está voltando a ser um desafio relevante. “O próximo governo terá de definir sobre a continuidade dos auxílios que serão implementados no segundo semestre deste ano, além do arcabouço fiscal que será válido à frente, em uma economia emergente com dívida pública alta e juros elevados”, afirmou o BC, em recente relatório.

REVISÃO Diante de resultados melhores tanto de atividade quanto fiscais ao longo do primeiro semestre e com as novas medidas de estímulo anunciadas pelo governo nas últimas semanas, instituições financeiras revisaram levemente as expectativas para o crescimento do PIB este ano. O Itaú Unibanco elevou a projeção de 1,6% para 2%. A previsão para 2023 foi mantida em 0,2%. Na semana passada, a XP também elevou de 1,6% para 2,2% a projeção para 2022. A Santander Asset Management Brasil elevou de 1,1% para 1,5% em 2022, mas manteve a previsão para 2023 em 0,5%. Na Carta Mensal de julho, a instituição afirma que o efeito dos juros elevados sobre a atividade deverá ser sentido com intensidade nos próximos trimestres, “quando antecipamos uma relevante desaceleração”.

2% é expectativa de alta no pib este ano com os estímulos do governo, mas sem continuidade, taxa ano que vem ficará perto de 0%

Nesse mesmo sentindo, os economistas do Bradesco destacaram que o quadro fiscal do País ficou mais incerto nas últimas semanas, diante do avanço de pautas que ampliam desonerações e gastos do governo, o que reduz a chance de superávit primário em 2022. Ainda assim, o banco elevou a projeção para o PIB deste ano de 1,5% para 1,8%, mas reduziu a do PIB de 2023 de 0,3% para zero.

Na avaliação do Goldman Sachs, algumas medidas de estímulo fiscais adotadas neste ano já estão programadas para terminar até o começo do próximo — o que dá um prazo de validade para a farra eleitoral. “É previsto um cenário de inflação mais alta, já que algumas das desonerações adotadas devem ser revertidas, além do cenário mais adverso no exterior.” Em outras palavras, o que essas instituições todas dizem é a mesma coisa. Seja mais cedo ou mais tarde, o País vai colher na economia o que plantou na política. E na fila do PIB, quem mais precisa deve ser o último a se recuperar.