A Philips sempre teve seu nome ligado à inovação e à qualidade quando o assunto é imagem e som. Inventora das fitas cassete e criadora do videocassete, a companhia holandesa esteve à frente do desenvolvimento do CD e do DVD. No mercado de televisores o reconhecimento era o mesmo. No início dos anos 2000, a marca chegou a ter 10% do mercado mundial de tevês, mas viu sua participação, uma década depois, diminuir para menos de 4%, atropelada pela concorrência das marcas coreanas. Tornou-se consenso que a Philips não conseguiria concorrer com Samsung e LG. Resultado: pela primeira vez na história, o prejuízo superou a casa do € 1 bilhão em 2011.

Nesse mesmo ano, Frans van Houten assumiu a cadeira de CEO mundial da companhia com a missão de reinventar o modelo de negócio e, literalmente, tirar a Philips do buraco. “Vivemos um momento muito delicado e precisamos elaborar uma solução estrutural para isso”, disse Houten, ao assumir o cargo. A primeira medida do novo CEO foi ousada. A Philips abandonou a fabricação de tevês, responsável por mais da metade de suas receitas, vendida para a TPV, de Hong Kong, que ficou ainda com o direito de manter a marca por seis anos. A divisão de áudio e vídeo também está à venda.

A opção estratégica de Houten foi concentrar-se em mercados que poderiam trazer maior rentabilidade, especialmente equipamentos médicos, iluminação e eletroportáteis, como liquidificadores e barbeadores, representados no Brasil pelas marcas Philips e Walita. O tiro foi certeiro. Mesmo sem sua antiga vaca leiteira, em 2013 a companhia fechou seu balanço com uma receita de US$ 32,3 bilhões, repetindo o resultado do ano anterior. Mas as semelhanças param por aí. Enquanto o Ebitda (lucros antes de impostos, juros e depreciação) de 2012 registrava US$ 1,5 bilhão, no ano seguinte mais que dobrou , alcançando os US$ 3,3 bilhões.

A última linha do balanço voltou ao azul, com um lucro de US$ 1,5 bilhão no ano passado. Nada mal para quem havia registrado, dois anos antes, em 2011, prejuízo de US$ 1,9 bilhão. “Foi uma decisão de muita coragem a saída da Philips de seu principal negócio”, afirma Henk de Jong, presidente da Philips na América Latina. Desde o início do processo de reestruturação dos negócios da Philips, as ações da companhia subiram 80% na bolsa de Amsterdã. Aparentemente, Houten conseguiu não só recolocá-la na rota do crescimento, mas ainda a transformou de uma empresa predominantemente de B2C, voltada para o consumidor, para uma B2B, cujos clientes principais são empresas ou governo, ao priorizar a produção de sistemas de iluminação e de equipamentos médicos.

Com foco nesses mercados, a Philips tem conseguido fugir do que se tornou commodity, como o caso do mercado de televisores. “Poucos têm a tecnologia e esta é a vantagem competitiva da Philips”, afirma Gabriel Walmory Silveira, consultor da Frost & Sullivan. No mercado de lâmpadas, por exemplo, a companhia, que fechou sua fábrica de incandescentes em Mauá, no ABC paulista, detém a maioria das patentes relacionadas à tecnologia LED. Em eletroportáteis, o aparelho Airfrayer, que frita alimentos sem o uso de óleo, é sucesso de vendas em todo o mundo. Em equipamentos médicos, principal divisão da Philips na atualidade, a empresa concorre com Siemens, GE e Toshiba e está entre as que mais crescem, segundo Silveira.

Atualmente, 7% do faturamento da companhia é investido em inovação. Para De Jong, o Brasil tem um papel fundamental nessa transformação, já que dois centros de inovação estão no País e investimentos foram feitos nos últimos anos nas cinco fábricas brasileiras. Na área de equipamentos médicos, dois terços de tudo que é vendido pela Philips ao mercado brasileiro são produzidos no País. Segundo a Associação Brasileira de Equipamentos Médicos (Abimo), esse segmento movimentou US$ 584 milhões em 2012, cresce a 8% ao ano e a Philips detém 25% desse mercado, perdendo apenas para a GE.

No Brasil, a holandesa ainda aposta no mercado de software na área de saúde. Contudo, o ano de 2014 mostrou que a Philips precisará de mais ajustes. O Ebitda apresentou queda de 22% no primeiro trimestre do ano na comparação com o mesmo período de 2013. Os vilões foram o câmbio e a queda da demanda na Rússia e na China. Porém, esses fatores foram encarados como pedras encontradas pelo árduo caminho que a Philips escolheu. “É como uma maratona”, afirma Jong. “Para conseguir chegar lá, muito trabalho precisa ser feito”.