17/05/2013 - 21:00
Uma cena curiosa chamava a atenção no hotel Royal Tulip, na zona sul do Rio de Janeiro, na última terça-feira 14. Homens engravatados, senhores orientais, negros, caucasianos e perfumadas mulheres de salto alto roíam unhas e chacoalhavam os joelhos sentados em poltronas no salão de eventos do hotel. A cada 20 minutos, um grupo se abraçava como se estivesse comemorando um gol da Seleção na Copa do Mundo. Quem não celebrava aguardava sua vez. Tudo isso até poderia descrever os bastidores de uma importante partida de futebol, mas era a 11ª Rodada de Licitação de áreas para exploração de petróleo e gás, promovida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Plataforma em alto-mar: rodada atraiu lances de R$ 2,8 bilhões, novo recorde das concessões da ANP
De olho nos monitores que anunciavam as propostas vencedoras, os “fanáticos torcedores” eram os representantes das maiores companhias petrolíferas do mundo. Todos queriam garantir seu tento na disputa de áreas de exploração no Norte e no Nordeste do País, em terra e no mar, bem distantes das reservas de óleo e gás mais conhecidas, como as bacias de Campos e de Santos, do Sudeste. Um dos executivos mais eufóricos era Luiz Eduardo Guimarães Carneiro, presidente da OGX, companhia do empresário Eike Batista. A petroleira carioca, que registrou um prejuízo de R$ 805 milhões no primeiro trimestre, tentou comprar quase tudo no leilão. Ao final, acabou desembolsando R$ 468 milhões por 13 blocos, com ágio de 13.505% em um deles. O apetite se justifica.
No mercado de petróleo, a companhia tem colecionado uma série de notícias ruins nos últimos meses – desde o início do ano, a empresa havia perdido 63% do seu valor de mercado. “Agora é o momento de correr riscos”, diz Guimarães Carneiro. “Estou muito feliz com o resultado do leilão, e isso é o que importa.” Carneiro não era o único. Do lado do governo, a empolgação com o sucesso do evento era notável. Contrariando os pessimistas de plantão, o leilão, primeiro depois de cinco longos anos sem novas concessões, teve lances apresentados por 39 empresas de 12 países. Dessas, 30 arremataram 142 blocos e pagaram R$ 2,8 bilhões em bônus de assinatura, muito acima dos R$ 2 bilhões previstos inicialmente pela ANP.
Com esse resultado, foi batido o recorde anterior de R$ 2,1 bilhões, registrado em 2007, na 9ª Rodada de concessões. Para desenvolver as novas áreas e aumentar a produção brasileira de petróleo e gás, as empresas vão investir R$ 6,9 bilhões. “Isso é espantoso, é grandioso”, definiu a diretora-geral da ANP, Magda Chambriard. E é apenas uma pequena parcela de investimentos de R$ 405 bilhões que o setor de óleo e gás deve receber de 2013 a 2016, de acordo com cálculo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É uma dinheirama que deverá colocar definitivamente o País no exclusivo clube dos grandes produtores mundiais, uma espécie de Arábia Saudita da América do Sul, geradora de petrodólares.
Corrida do petróleo atrai executivos de multinacionais brasileiras
e globais ao rio de janeiro. Eles comemoraram cada lance como torcedores de futebol
A procura seria ainda maior, na avaliação de especialistas, se o leilão tivesse sido anunciado com mais antecedência. “Vários grupos não tiveram tempo hábil para formar consórcio e captar recursos para participar da rodada”, diz Marco Tavares, presidente da consultoria Gas Energy. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, engrossou o coro dos otimistas. “Foi o melhor leilão de todos os tempos”, afirmou à DINHEIRO. Para ele, o leilão vai ajudar o Brasil a retomar a autossuficiência na produção de petróleo dentro de dois anos, além de estimular a cadeia de fornecedores da indústria de óleo e gás, devido ao elevado percentual de conteúdo local da rodada.
O leilão da semana passada foi, também, o primeiro de um total de três certames previstos para este ano, contando com a rodada com foco em gás não convencional, em outubro, e a do pré-sal, em novembro. Maior empresa do mercado brasileiro e a quinta no ranking mundial, a Petrobras reforçou suas áreas de exploração. Abocanhou 34 lotes, a um custo de R$ 537,9 milhões, ou 15% das áreas ofertadas. Uma participação relativamente pequena para quem responde por 95% da produção nacional de petróleo. O foco das licitações eram as novas fronteiras de exploração, com vários blocos em terra. Isso levou a Petrobras a entrar em consórcio com outras empresas, com participações de, no máximo, 30%.
Guimarães Carneiro, da OGX: ”Agora é o momento de correr riscos”, diz o principal
executivo da petroleira de Eike Batista
“Fomos bastante seletivos na escolha”, afirmou a presidenta da companhia, Graça Foster, no dia do leilão, quando participava de uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), no Senado, em Brasília. “Estamos trabalhando em blocos que realmente nos interessam, dentro da lógica exploratória.” A empresa optou por se concentrar nas áreas com maior potencial de produção, nas bacias de Foz do Amazonas, Espírito Santo e Barreirinhas, guardando fôlego para mergulhar nas águas ultraprofundas do leilão do pré-sal em novembro, no qual terá participação mínima de 30% em todas as áreas.
É nesse tipo de prospecção que a companhia brasileira tem maior expertise e desperta grande interesse de investidores. Na segunda-feira 13, a Petrobras captou US$ 11 bilhões com a emissão de títulos de dívida no Exterior, a segunda maior operação desse tipo neste ano, atrás apenas da gigante Apple, que conseguiu US$ 17 bilhões no início do mês. A operação, quinta maior da história em dólares, foi mais um voto de confiança para a companhia brasileira, avaliou Graça. “Ninguém empresta dinheiro a quem não gera receita”, afirmou. Uma resposta aos que temem que a estatal não tenha capacidade de investimento devido aos prejuízos causados pela importação de combustível acima do preço de mercado.
Thore Kristiansen, da Statoil: “O cenário do petróleo no País
nos dá tranquilidade para continuar investindo”
CRÍTICOS EM SILÊNCIO A 11ª Rodada de concessões teve o mérito, ainda, de silenciar os críticos que apontavam a perda de capacidade do País de atrair novos investimentos, por ter aposentado o posto de “queridinho” de outrora. Dos 30 grupos vencedores do leilão, 18 são companhias estrangeiras e 12, nacionais. Entre as novidades estão seis empresas que estrearam no mercado brasileiro, como a Ouro Preto Óleo e Gás S.A., de Rodolfo Landim, empresário que já foi executivo da Petrobras e da OGX. A Petra, dos empreendedores Roberto Viana Batista e Philip Yang, fundada em 2008, consolidou-se como a principal operadora terrestre do País. No quadro geral, foi a sétima colocada quando se considera o valor pago (R$ 111,5 milhões) e a segunda em número de áreas arrematadas, com 28 blocos.
A maioria dos poços está no nordeste da Bahia, próximos a áreas onde a empresa já explora gás, na Bacia do São Francisco. “O Brasil voltou a ser referência exploratória”, afirmou Ana Bizzotto, diretora-corporativa da companhia. A Queiroz Galvão Exploração e Produção (QGEP) surpreendeu o mercado ao aplicar R$ 94,9 milhões em oito blocos nas bacias de Foz do Amazonas, Ceará, Espírito Santo e Pernambuco-Bahia, junto com outras empresas, como OGX e Petrobras. “Este é um marco para nós, que nos posiciona para um crescimento sustentável no longo prazo”, diz Lincoln Guardado, diretor-geral da QGEP. Além do crescimento de novas empresas nacionais, o leilão também marcou o retorno ou ampliação, no mercado brasileiro, de nomes tradicionais do setor.
É o caso da ExxonMobil, maior petroleira do mundo, que em abril do ano passado devolvera o único bloco que operava no País. Ela arrematou dois em águas profundas, nos quais será operadora: um no Ceará e outro no Espírito Santo, por R$ 63,9 milhões. “Estamos satisfeitos por voltar ao setor de exploração e produção no Brasil e também ansiosos por aumentar a nossa presença no longo prazo”, informou a empresa, por meio de nota. Outras grandes multinacionais reforçaram sua presença por aqui. A francesa Total Group, presidida por Denis Palluati, que mantinha atuação discreta, com três poços nas bacias de Campos e Santos, acrescentou mais dez blocos à sua carteira, sendo seis como operadora.
A britânica BG Group arrematou dez lotes. A norueguesa Statoil conseguiu seis. “O cenário do petróleo no Brasil é estável há alguns anos, o que nos dá tranquilidade para continuar produzindo no País, gerando investimento e empregos”, diz o presidente da empresa, Thore Kristiansen. A 11ª rodada da ANP também lançou um novo olhar sobre as áreas de concessão de petróleo. A disputa, mesmo em áreas remotas como a Foz do Amazonas, surpreendeu o mercado, que enxergava dificuldades logísticas e riscos ambientais na região. “O resultado do leilão é muito positivo, porque realmente precisamos conhecer mais essas novas fronteiras exploratórias”, diz Alfredo Renault, superintendente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip).
Edison Lobão, ministro de Minas e Energia: “Foi o melhor leilão
de todos os tempos. Em dois anos, teremos a autossuficiência”
A cadeia de fornecedores do setor é outra que projeta, desde já, futuros negócios milionários. A proposta das empresas vencedoras, de contratar mais de 60% de conteúdo nacional para a fase de exploração, e de 76% para a fase de produção, ficou acima do exigido pela ANP. “O País tem muitos fornecedores nessa área e o mercado vai se desenvolver bastante”, diz o ministro Lobão. Pelos cálculos da Onip, a demanda de bens e serviços deve ficar em torno de US$ 400 bilhões nesta década. Para o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), a rodada atual não poderia ter vindo em melhor hora, justamente no momento em que diversos projetos destinados a atender as demandas da Petrobras e seus parceiros começam a ficar prontos e a lista de encomendas começa a diminuir.
Um dia antes da rodada recorde, petrobras capta US$ 11 bilhões de investidores
internacionais, na segunda maior emissão de títulos no ano
Embora seja uma excelente notícia para os fornecedores de equipamento e serviços, a média elevada de conteúdo local também tem seu lado negativo. A pressão pelas empresas do setor pode encarecer os projetos. De acordo com estudo do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Engenharia (Coppe), o custo médio das plataformas de exploração construídas no Brasil é 35% superior ao de seus concorrentes estrangeiros, como Coreia do Sul e China. Já os serviços contratados pela indústria de óleo e gás chegam a custar 140% mais do que a média internacional. “Parte disso é porque há também uma curva de aprendizado da nossa indústria, enquanto outra parte se deve a compromissos ambientais e trabalhistas mais elevados”, lembra Glícia, da Firjan.
A demora de cinco anos sem oferta de novos blocos também teve suas consequências para o mercado. “Os investimentos das primeiras rodadas do pré-sal devem atingir um pico de até US$ 50 bilhões em 2016”, estima José de Sá, sócio da consultoria Bain & Company, especializada em infraestrutura. O volume cai nos anos seguintes e volta a subir para US$ 30 bilhões por ano a partir de 2020, com a entrega dos equipamentos que serão encomendados pelos vencedores da 11ª rodada. Mesmo com os eventuais gargalos, ficou evidente que sobra apetite pelo mercado brasileiro de petróleo. “Depois dos Estados Unidos, que são o filé mignon do setor com a descoberta de gás não convencional, o Brasil é o segundo colocado em termos de investimentos”, ressalta Alexandre Szklo, pesquisador do Coppe UFRJ. Os nossos sheiks do petróleo, de Graça Foster a Eike Batista, ainda terão muita riqueza para tirar das profundezas do solo nacional.