Um especialista americano em petróleo foi contratado por três estatais chinesas, a Sinopec, a CNOOC e a Petrochina, para dar aulas sobre o setor aos seus executivos. A cada aula em uma das três clientes, o professor estranhava a presença de não mais que meia dúzia de alunos. Ele decidiu, então, dirigir-se ao RH de uma das contratantes e perguntar se não valeria a pena reunir as turmas das três empresas. Afinal de contas, todas tinham o governo chinês como sócio majoritário. “Eu sou caro, por que não reduzir seu gasto, se a aula tem o mesmo conteúdo para os três grupos?”, questionou. Teve como resposta três sonoros “não”. O trio de empresas compete entre si e cada uma delas esconde a sete chaves sua estratégia. 

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Em busca do ouro negro: funcionário da chinesa CNOOC,

que pode estrear no Brasil com o leilão do Campo de Libras

 

 

Portanto, não faria sentido juntar os alunos sob um mesmo teto. Embora tenham nascido juntas, em 1982, quando o governo chinês pôs fim ao controle direto sobre o setor e o repartiu entre as três, cada empresa se especializou em uma área diferente. Enquanto a Sinopec, segunda maior petroleira da China, fortaleceu a atividade petroquímica e de refino, a CNOOC, terceira no país, focou na exploração de petróleo em alto-mar, e a Petrochina, ao longo da costa marítima (offshore). A CNOOC, porém, também passou a competir na seara da Petrochina, aumentando a rixa entre as companhias. Nona companhia no ranking mundial de petróleo, a Petrochina é líder em território chinês. 

 

 

 

As três investem no processo de internacionalização, que passa por aquisições e acordos locais na Ásia, Europa, África e, mais recentemente, na América do Sul, para garantir o suprimento do mercado interno (leia quadro abaixo). O leilão do Campo de Libra, na Bacia de Santos, marcado para o próximo dia 21, revela que ao menos duas dessas estatais chinesas ensaiam uma entrada no Brasil, para expandir sua atuação na América Latina. A Sinopec já está presente no País desde 2004. Seis anos depois, se associou à espanhola Repsol. Não se sabe ao certo se o time oriental será capaz de superar suas diferenças para se unir num eventual consórcio para as reservas de Libra.

 

 

 

Mas é fato consumado que não serão as únicas petroleiras asiáticas na disputa. A indiana ONGC Videsh, a malaia Petronas e a japonesa Mitsui também estão habilitadas a concorrer. Ou seja, das 11 empresas inscritas para o leilão, incluída a própria Petrobras, sócia obrigatória do vencedor, seis vieram do outro lado do mundo. A maioria delas está de olho na possibilidade de comprar petróleo para atender à demanda crescente em seus países de origem. “Elas estão desesperadas pela matéria-prima para acompanhar o crescimento demográfico de seus países”, afirma Jean Paul Prates, da consultoria Expetro, que vê no Campo de Libra o espaço ideal para um casamento entre o Brasil e as petroleiras asiáticas. 

 

 

 

“Elas vão pagar por uma matéria-prima assegurada, ou seja, reserva que já foi confirmada e só precisa ser extraída.” Para Prates, o acesso aos 12 bilhões de barris de Libra é o mesmo que oferecer uma Ferrari, com o piloto Michael Schumacher como motorista, a quem está precisando de um carro para se locomover. “Schumacher, no caso, é a Petrobras, que domina a tecnologia da extração em águas profundas.” A China produz, atualmente, quatro milhões de barris de petróleo por dia, mas importa 6,4 milhões. Em agosto, um relatório da consultoria especializada em energia Wood Mackenzie apontou que, até 2020, os chineses importarão 70% da matéria-prima necessária ao consumo interno.

 

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Casamento duradouro em libra: o vencedor será sócio da Petrobras por 35 anos,

o que aumenta a responsabilidade da companhia presidida por Graça Foster

 

Isso equivale a US$ 500 bilhões por ano e vai levar os chineses ao papel de maior importador do mundo, superando os Estados Unidos. A estratégia americana nos últimos anos é investir em gás de xisto como fonte de energia, o que explicaria a reticência das empresas do país em participar do leilão de Libra. Essa ausência gerou dúvidas em relação ao sucesso do certame. “O estilo das empresas americanas é esperar para ver como se define o mercado, para depois entrar”, diz Edmilson Moutinho, especialista em economia da energia e presidente da comissão de pós-graduação em energia da Universidade de São Paulo.

 

 

 

Para Moutinho, apesar de todos os ruídos em torno da Petrobras, que enfrenta dificuldades de concretizar suas metas de produção e investimento, ela está pronta para fazer o papel de “Schumacher” na corrida pelo petróleo extraído do pré-sal, o primeiro seguindo o novo regime de partilha, que reserva boa parte do óleo extraído ao governo brasileiro. “Depois de dez anos de prática de concessão, sem que fosse privilegiada, a Petrobras não escondeu sua competência nem suas incompetências”, afirma Moutinho. Na sua opinião, até mesmo o intervencionismo estatal não seria preocupante para a maioria dos concorrentes do leilão do dia 21, pois eles têm os governos locais como acionistas.

 

 

 

Em junho passado, a Petrobras firmou uma carta de intenções com a chinesa Sinopec de formar uma joint venture para desenvolver a Refinaria Premium 1, no Maranhão. O projeto pode se estender a outra refinaria no Ceará, segundo uma fonte próxima às companhias revelou à DINHEIRO. No leilão de Libra, em todo caso, a Sinopec marchará junto com a Repsol. A dúvida é saber se o trio de estatais chinesas será obrigado a atuar em conjunto. Apesar de rivais em seu país, Sinopec e Petrochina já se uniram em um consórcio, em 2005, para arrematar ativos da petroleira Encana, do Equador. Em 2010, a Sinopec e a CNOOC também teriam ensaiado uma oferta por uma fatia da OGX. Outro fator pode estimular essa parceria.

 

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Consumo em alta: até 2020, a China vai importar 70% da matéria-prima para atender à

explosão de vendas de automóveis. Na foto ao lado, trânsito de veículos em Beijing

 

Uma regra no edital da Agência Nacional de Petróleo (ANP) estabelecia, a priori, que candidatas com o mesmo acionista majoritário devem se unir em um único consórcio. A Repsol Sinopec aguarda mais informações da ANP para tomar uma decisão. A empresa sino-espanhola, que iniciou em janeiro deste ano a produção no megacampo de Sapinhoá, no pré-sal da Bacia de Santos, também não descarta participar da 12ª rodada de concessão de petróleo convencional no mês que vem. Como ela, outras concorrentes em Libra já atuam no Brasil direta ou indiretamente. A indiana ONGC Videsh, por exemplo, é sócia em blocos de exploração na Bacia de Campos, em parceria com a Petrobras, com a anglo-holandesa Shell e com a colombiana Ecopetrol, ambas inscritas no leilão. 

 

 

 

Já a japonesa Mitsui está no Brasil desde 1938, presente em diversos segmentos, de mineração a alimentação, e por meio da Mitsui Gás e Energia, que detém participação em sete distribuidoras de gás natural. “Não se pode menosprezar o apetite da Mitsui, uma vez que o Japão enfrenta uma crônica falta de reserva e gás”, diz Prates, da Expetro. 

Tanto para o Japão como para os demais competidores, o Brasil parece ser uma escolha mais tranquila como fornecedor da matéria-prima, em vez dos países do Oriente Médio ou da Venezuela. Todas as candidatas estão em busca de um parceiro para um casamento de 35 anos, como prevê a concessão de Libra, o que coloca uma grande responsabilidade na gestão da Petrobras. 

 

 

 

Moutinho, da USP, lembra que o pré-sal é muito mais desafiador para o País do que qualquer projeto executado até hoje no setor. “Precisamos de mais capacidade de gestão, além de tecnologia”, diz Moutinho. Segundo a ANP, Libra vai exigir investimentos superiores a US$ 200 bilhões. Se bem-sucedido, o Brasil tem tudo para capitalizar o tesouro da Bacia de Campos, que vai garantir 75% dos royalties para a educação e o restante para a saúde.

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Fim do pesadelo da Chevron

 

 

Os executivos da Chevron do Brasil respiraram aliviados na semana passada, quando a Justiça homologou o acordo que encerrou as duas ações públicas impetradas contra a empresa pelo Ministério Público Federal por dano ambiental. A multa prevista chegava a R$ 40 bilhões. Com o acordo, a companhia terá de pagar R$ 95 milhões, dinheiro que será utilizado a título de compensações ambientais na região atingida pelo vazamento de óleo, que ocorreu em novembro de 2011. Na ocasião, uma de suas plataformas provocou um vazamento de 500 mil litros de óleo, no Campo de Frade. À época, houve suspeitas de que a empresa estaria tentando prospectar a camada do pré-sal.

 

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A empresa paralisou a exploração na área atingida entre março de 2012 e abril deste ano. Mas a página foi virada. “As afiliadas da Chevron estão no Brasil há quase 100 anos, e pretendemos continuar nossa parceria com o País”, disse a presidente da Chevron, Eunice de Carvalho. Apesar do compromisso, a empresa ficou de fora do leilão de Libra, assim como outras grandes do setor, caso da Exxon e das britânicas British Gas e British Petroleum.