10/01/2014 - 21:00
O gaúcho José Galló, principal executivo da Lojas Renner, de Porto Alegre, uma das maiores redes varejistas de vestuário do País, não está entusiasmado quando o assunto são as perspectivas econômicas para 2014. “Acredito que a economia deve se comportar de maneira semelhante ao que ocorreu em 2013, ou seja, um ritmo lento”, diz Galló. No entanto, para ele, esse cenário cinzento só começa a existir do lado de fora das 250 unidades da rede, espalhadas por 26 Estados (a única exceção é Roraima). Das portas para dentro, os planos de expansão prosseguem a todo vapor.
“Temos muito espaço para crescer”, diz. Por isso, a empresa está investindo R$ 200 milhões em mais dois centros de distribuição com 50 mil metros quadrados cada, com alta tecnologia. Um foi inaugurado no Rio de Janeiro, em setembro; o outro, em Santa Catarina, ainda em obras, deve começar a operar ainda neste ano. Galló garante que os prognósticos de um crescimento fraco da economia não o preocupam. Neste ano, as expectativas do mercado financeiro são de que o Produto Interno Bruto cresça 1,95%, como informa a mais recente pesquisa Focus, do Banco Central. Isso não assusta o executivo.
“Não perco muito tempo avaliando o crescimento da economia ou se a inflação será de 5,5% ou de 5,8%”, diz Galló. “Se não houver uma catástrofe como a de 2008, não vamos mudar nada e nossas metas continuam valendo.” Com alterações pontuais, essa é a mentalidade dos empresários e executivos neste início de 2014, segundo uma pesquisa conduzida por DINHEIRO em parceria com a empresa de recrutamento americana Robert Half. Todos os anos, desde 2011, a consultoria entrevista centenas de responsáveis por decisões de investimento sobre suas previsões para a economia e para as empresas que lideram.
O levantamento deste ano, no qual foram ouvidos 233 executivos, mostra uma dicotomia inédita entre as perspectivas macro e as microeconômicas. “Notamos que 63% dos entrevistados disseram estar pessimistas com o crescimento da economia para este ano”, afirma Fernando Mantovani, diretor de operações da Robert Half no Brasil. “É o pior cenário desde que começamos a realizar esse levantamento.” A boa notícia é que, paradoxalmente, a exemplo de Galló, 67,5% dos entrevistados disseram estar otimistas ou muito otimistas com o desempenho esperado para suas empresas.
“A grande maioria declarou que, mesmo esperando um crescimento fraco, vai manter os planos de crescimento e investimento, de olho no desenvolvimento do mercado no longo prazo”, diz Mantovani. Miopia? Patriotismo? Não, pragmatismo. “Apesar dos solavancos, o Brasil ainda oferece muitas oportunidades”, diz Mantovani. Um bom exemplo é o de Fábio Schvartsman, diretor-geral da Klabin. A tradicional fabricante de papel e embalagens, controlada pelas famílias Klabin, Lafer e Piva, atravessou um terreno acidentado em 2013 e amargou um prejuízo de R$ 184 milhões no segundo trimestre, tendo voltado ao azul no trimestre seguinte.
Mesmo assim, a companhia não tirou o pé do acelerador no projeto de uma fábrica de celulose no Paraná, destinada a produzir 1,5 milhão de toneladas por ano a partir de 2016, na qual está investindo R$ 5,8 bilhões. Ao comemorar a migração das ações para o nível 2 de governança corporativa na Bolsa, na quinta-feira 9, Schvartsman disse esperar um crescimento de dois dígitos nas vendas de 2014. “O câmbio em alta favorece nossas exportações, e o mercado interno está aquecido”, diz ele. Sem preocupações com a economia, então? “Há questões preocupantes, mas elas não atingem diretamente a empresa, pois atendemos tanto o mercado interno quando o externo”, diz ele.
“Isso permite que enfrentemos os cenários adversos.” O resultado da pesquisa mostra que a animação dos empresários tem os pés firmemente plantados no chão. Basta perguntar ao israelense Amos Genish, principal executivo da empresa de telecomunicações GVT. Apesar de um mercado difícil para a telefonia, setor que se ressente de margens cada vez mais estreitas, Genish diz acreditar que o pior já passou. “Passamos de uma fase de euforia, em 2011, para um período de muito pessimismo nos últimos dois anos”, diz ele. “Agora, em 2014, trabalhamos com prognósticos mais realistas.”
Fernando Mantovani, CEO da Robert Half: ”As empresas vão manter
os planos de investimento, de olho no crescimento de longo prazo.”
Segundo ele, a receita da empresa, que foi de R$ 4,3 bilhões em 2012, deverá crescer para R$ 5 bilhões em 2013. “Vamos ingressar em 12 novas praças e prosseguir avançando no mercado residencial da cidade de São Paulo.” Entre os motivos para o otimismo está a percepção de que o mercado brasileiro continua saudável, embora esse consumo esteja em locais menos óbvios. “O executivo está consciente de que é preciso buscar novos nichos e novas praças para crescer”, diz Mantovani. Essa é a estratégia da incorporadora mineira MRV Engenharia. Segundo o presidente Rubens Menin, em 2013 as construtoras brasileiras entregaram cerca de 350 mil residências ao público.
“O Brasil tem um potencial para produzir mais de um milhão de unidades por ano, há espaço para crescer, independentemente da política ou da economia”, diz ele. Para isso, um dos principais focos da MRV será expandir regionalmente suas atividades, hoje concentradas no Sudeste. As metas são avançar no Nordeste, em uma faixa que vai do Espírito Santo até o Maranhão. “Há uma saturação de imóveis de luxo em Santos e de empreendimentos corporativos na avenida Faria Lima, em São Paulo, mas esses são problemas isolados, e o setor está longe do seu limite”, diz. “O grande mercado está na venda para a classe média, e faltam projetos para essa fatia da população.” Segundo Mantovani, o ritmo das atividades deverá permanecer aquecido em áreas já bastante conhecidas, como infraestrutura e agronegócio, mas isso vale igualmente para segmentos das mais variadas áreas de atividade.
Um deles é o automotivo. “Nossa fábrica em Resende, no Rio de Janeiro, vai começar a operar, o que elevará nossa capacidade de produção para 200 mil veículos e 200 mil motores por ano,” diz François Dossa, presidente da Nissan do Brasil. “Vamos crescer no País, mesmo que nossa previsão seja de estabilidade do mercado em relação a 2013”, diz ele. A exemplo do que acontece com o comércio de vestuário, em que atua a Lojas Renner, outro segmento promissor é o varejo de eletroeletrônicos, a despeito de uma possível retração no crédito e aumento dos juros. Mesmo a Copa do Mundo, que trará interrupções no trabalho e poderá provocar o retorno dos protestos às ruas, não assusta.
De acordo com a pesquisa, 50,3% dos entrevistados dizem estar otimistas com a competição. Sílvio Stagni, vice-presidente da Samsung no Brasil responsável pela área de eletrônicos de consumo, avalia que o evento esportivo vai turbinar o faturamento. “As pessoas gostam de se equipar, e a Copa deverá multiplicar nossas vendas de televisões e celulares”, diz ele, sem revelar números. A maior preocupação real é com relação à indefinição provocada pela eleição: 55,6% acreditam que o pleito terá efeitos negativos. Mesmo assim, diz Mantovani, será uma preocupação de curto prazo. “As eleições ocorrem a cada dois anos, e as empresas as vêem muito mais como uma dificuldade passageira do que um fator impeditivo para os negócios”, afirma.
Colaboraram: Ana Paula Machado, André Jankavski, Carlos Eduardo Valim, Keila Cândido, Luciele Velluto e Luiz Gustavo Pacete