17/06/2016 - 20:00
Após o Tribunal de Contas da União (TCU) identificar, pelo segundo ano, irregularidades cometidas pelo governo federal nas contas públicas, a presidente afastada Dilma Rousseff tem três opções a escolher para justificar seus erros: a sabedoria popular (“errar é humano, insistir no erro é burrice”), a frase do dramaturgo russo Anton Tchekhov (“errar é humano, mais humano ainda é atribuir o erro aos outros”) ou a definição do político americano Hubert Humphrey (“errar é humano, culpar outra pessoa é política”). Em parecer preliminar divulgado na semana passada, o ministro do TCU, José Múcio Monteiro, apontou 19 inconsistências na gestão fiscal em 2015. Outros cinco pontos foram questionados pelo Ministério Público Federal, totalizando 24 ilegalidades. O número é maior do que o encontrado pelo ministro Augusto Nardes, no ano passado, que listou 15 problemas, como a violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a existência de distorções envolvendo R$ 106 bilhões na execução orçamentária do governo. Desse total, R$ 40 bilhões eram de pedaladas fiscais, ou seja, o atraso proposital do repasse de dinheiro para bancos públicos para melhorar artificialmente as contas federais. “Muitas das irregularidades já haviam sido apuradas nas contas de 2014”, afirmou Múcio. “A população vem fazendo sua parte, cortando despesas. Por outro lado, o governo não seguiu esse padrão.”
A reincidência dos crimes fiscais, antecipada pela revista ISTOÉ, em outubro de 2015, assusta. Ainda mais porque os valores envolvidos são muito superiores aos de 2014. A soma dos problemas no ano passado pode ter superado os R$ 260 bilhões. O TCU ainda considera os dados preliminares, pois a presidente Dilma tem até 15 de julho para apresentar sua defesa, o que pode revelar alguma inconsistência na apuração.
Mesmo assim, o relator do processo lista falhas graves, como a abertura de crédito extraordinário por meio de medidas provisórias sem os requisitos constitucionais, a manutenção do saldo de dívidas de R$ 28,3 bilhões da União com bancos públicos; a realização de novas operações de crédito de R$ 13,7 bilhões junto às instituições financeiras; a abertura de créditos suplementares de R$ 1,8 bilhão, por meio de decretos presidenciais, incompatíveis com a meta fiscal estabelecida na lei orçamentária anual, sem autorização do Legislativo; e insuficiência do contingenciamento de despesas, de R$ 58 bilhões. Há novas ilegalidades, como a retenção de R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Aviação Civil, pela Infraero, empresa estatal que acumula um endividamento elevado, e um aumento de capital de quase R$ 1 bilhão realizada pelo Banco da Amazônia. “A rejeição mostra a irresponsabilidade do governo com a transparência e com a gestão”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. “Esse é mais um elemento para minar a credibilidade da presidente Dilma no processo de impeachment.”
As pedaladas fiscais são o principal argumento para o impeachment de Dilma Rousseff. Se havia dúvidas sobre a validade dos crimes cometidos no primeiro mandato para a continuidade do processo de impedimento dela, o TCU apresenta evidências de que o governo continuou desrespeitando a LRF. As comparações com as gestões anteriores também são frágeis. Tanto o governo de Fernando Henrique Cardoso como o de Lula deram suas pedaladas (veja gráfico). Porém, o impacto delas na dívida pública era de 0,03% e de 0,11% do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente. Com Dilma, as pedaladas chegaram a 1% do PIB. Em 2002, o Tesouro devia R$ 950 milhões aos bancos públicos, dívida que chegou a quase R$ 60 bilhões no final de 2015. “O TCU reforçou e deu mais força ao impeachment”, diz Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria. “A regra da pedalada, criada em 2012 por Nelson Barbosa, foi um ato administrativo oportunista, que consolidou as ideias da Nova Matriz Econômica.”
Caso o tribunal do TCU siga a recomendação do relator Múcio, após a apresentação da defesa de Dilma, será a primeira vez que um presidente da República receberá a recomendação de rejeição das contas por dois anos consecutivos. O malabarismo contábil será aprovado ou rejeitado pelo Congresso Nacional. As decisões no legislativo nunca são rápidas e devem acontecer entre setembro e outubro.