Imagine um lugar onde comprar à vista é mais caro do que comprar a prazo. Isso ocorre em países que representam 25% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Japão, Suíça, Suécia e Dinamarca praticam juros nominais negativos. Agora, esse fenômeno pode se espalhar por toda a Comunidade Europeia. No fim de janeiro, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE) defendeu que o banco reduza seus juros, já próximos de zero. Com isso, Draghi ampliou a especulação que o BCE poderá praticar taxas nominais negativas em breve. Ele não está sozinho.

Janet Yellen, presidente do Federal Reserve, o banco central americano, disse ao Congresso na terça-feira 10 que as taxas dos Estados Unidos podem demorar para subir. Na quinta-feira 11, o banco central da Suécia reduziu os juros, que já estavam abaixo de zero, para uma taxas nominais negativas de 0,5%. As declarações de Draghi e de Yellen dispararam uma onda de vendas de ações de bancos europeus e americanos, que atingiram suas menores cotações em meses. Um fenômeno parecido ocorreu aqui. 

Nos primeiros pregões após o carnaval, o índice de ações de bancos na Bovespa caiu 2,5%, em sintonia com as baixas na Europa e nos Estados Unidos. E há mais preocupações: esperam-se novos sacolejos na segunda-feira 15, quando as bolsas na China reabrirem, após vários dias fechadas devido ao ano novo chinês. É fácil entender o porquê dos solavancos. O principal negócio dos bancos é captar dinheiro e emprestá-lo, lucrando com a diferença entre os juros pagos aos poupadores e cobrados dos tomadores.

Com taxas negativas, há menos incentivo para as pessoas deixarem dinheiro nos bancos, e as margens de lucro do crédito também encolhem. A intenção das autoridades monetárias do Japão, da Europa e dos Estados Unidos ao manter as taxas próximas de zero ou mesmo negativas é desestimular a poupança e incentivar o consumo e os empréstimos. Na prática, porém, essa política não tem funcionado, pelo menos na Europa, cuja economia teima em permanecer crescendo pouco. Ela também está comprimindo as margens de lucro dos bancos, com resultados devastadores sobre suas ações.

Mais do que isso, a perspectiva de juros negativos na Zona do Euro por um bom tempo vem ameaçando a solidez de instituições financeiras consideradas imunes à crise. O caso mais emblemático é o do alemão Deutsche Bank. Fundado em 1870, o banco foi uma peça crucial para financiar o desenvolvimento da indústria germânica. Aos 146 anos, ele atravessou duas guerras mundiais e superou a crise de 2008 sem precisar de socorro governamental. No entanto, suas ações recuaram 36,3% desde o início do ano.

Além de anunciar um prejuízo de US$ 7,4 bilhões em 2015 devido, principalmente, a multas por ter manipulado o mercado, o banco enfrenta o temor dos investidores de que não será capaz de honrar dívidas de US$ 5 bilhões que vencem nos próximos meses. A tensão chegou a tal ponto que o britânico John Cryan, co-CEO do Deutsche, teve de enviar um e-mail aos 100 mil funcionários, afirmando que o banco é “sólido como uma rocha”, algo impensável para uma instituição desse porte.

Mesmo o americano Goldman Sachs, teoricamente menos afetado pelas taxas baixas internacionais, viu seus papéis sofrer: em 2016, a queda acumulada de suas ações foi de 17,7%, pelas mesmas razões. Um estudo do Bank of America Merrill Lynch que analisou os resultados já divulgados descobriu que os lucros das instituições financeiras dos Estados Unidos recuaram 4,2% no quarto trimestre de 2015 em relação ao mesmo período do ano passado. Na média, a redução dos ganhos das empresas americanas foi de 2,3% e, se a amostra excluir as empresas petrolíferas, que têm sofrido com a queda das cotações do óleo, o lucro melhora 1,4%.

A crise, porém, é mais notável do outro lado do Atlântico. Os bancos europeus vêm sendo alvo de fortes especulações dos investidores. Quase uma década de crescimento baixo e desemprego em alta piorou a qualidade das carteiras de crédito. Um cálculo da empresa de administração de recursos britânica Heartwood avalia que 5,6% dos empréstimos bancários europeus são incobráveis. Para comparar, a média brasileira está ao redor de 3,2%. Há casos especialmente graves, como o dos bancos italianos, que poderão ter de lançar como perda 16,7% do que emprestaram.

A consequência é que muitas instituições financeiras estão tendo de recalcular para baixo o valor de suas atividades. Foi o que ocorreu com o Credit Suisse, cujas ações recuaram 37,8% neste ano. Ele divulgou um prejuízo de US$ 5,75 bilhões no quarto trimestre de 2015, o pior resultado em sete anos. A causa foi uma reavaliação dos negócios da divisão de banco de investimento, que levaram a uma baixa contábil de US$ 3,7 bilhões.

“Será difícil que os lucros retornem aos níveis anteriores no curto prazo”, diz o gestor de fundos americano David Samra, especializado em ações de instituições financeiras e que investe uma parcela significativa dos US$ 4 bilhões que administra em ações do Credit Suisse. Samra disse ao jornal britânico The Guardian que seu fundo está comprando ações do Credit Suisse porque o banco é sólido e está barato. Mas ele mesmo adverte que os números vão demorar a exibir a exuberância quase irracional do começo da década.