Poucos sobrenomes estão tão identificados com a internet brasileira quanto o de Mandic. Afinal, o empresário Aleksandar Mandic, 59 anos, empreendeu em praticamente todas as fases da web no País. Em 1990, criou uma BBS, espécie de sistema de comunicação da pré-história da rede mundial de computadores, que se transformou em um provedor de internet batizado com seu sobrenome. Sete anos depois, o provedor foi vendido para os argentinos do El Sitio por aproximadamente R$ 40 milhões. Logo depois, Mandic participou também, como executivo, da criação do portal iG, nos tempos heroicos da internet gratuita. 

 

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Aleksandar Mandic, criador do Mandic Magic

O QUE FAZ: busca redes de Wi-Fi nas proximidades e compartilha as senhas

ONDE ESTÁ A MÁGICA: além de contar com o sobrenome do pai da internet

brasileira, o aplicativo já tem quase três milhões de usuários

 

Nos anos 2000, fundou o Mandic Mail, um serviço de e-mail que evoluiu para a oferta de produtos de computação em nuvem. Mais uma vez, Mandic não errou a mão. Ele vendeu a operação para o fundo de investimento americano Riverwood Capital por R$ 100 milhões, em março de 2012. Perto dos 60 anos, seria a hora de Mandic aposentar-se e curtir a vida distante da agitação dos escritórios e das reuniões de negócios. Mas não. Longe de conformar-se com a condição de um dos dinossauros da chamada supervia da informação, Mandic está tirando o seu terceiro coelho da cartola: um aplicativo para smartphone. 

 

Desde o ano passado, o empresário, que nasceu em São Paulo, mas tem a nacionalidade sérvia de seus pais, aposta nos apps, como são chamados os programas para celulares. Ele criou o Mandic Magic, um aplicativo que é uma rede social de senhas Wi-Fi. “A ideia surgiu de uma necessidade minha”, diz Mandic. “Percebi que muitas tarefas dos celulares demandam redes sem fio Wi-Fi, pois o 3G e o 4G não dão conta.” O Mandic Magic funciona de uma forma simples: o aplicativo informa as senhas das conexões à internet próximas ao local onde se encontra o usuário. 

 

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Lançado no começo de 2013, o app já conta com três milhões de usuários registrados e está traduzido em seis idiomas. “Sou uma multinacional, mas sem escritório e sem cafezinho”, afirma Mandic, que ainda não cobra nada pelo aplicativo. “Não estou preocupado com isso agora. Primeiro o serviço tem de ser bem feito.” Mandic pode ser considerado o avô de uma nova geração de empresários que estão investindo em aplicativos para celulares e tablets, a nova mina de ouro da internet. Em 2013, os apps geraram receitas globais de US$ 26 bilhões, segundo a consultoria americana Gartner, especializada em tecnologia. 

 

Os usuários baixaram para seus smartphones 102 bilhões de aplicativos. Mais de 90% desses downloads foram gratuitos. Mesmo assim, o dinheiro que a internet móvel deve movimentar vai triplicar daqui a quatro anos, chegando a US$ 77 bilhões, prevê a Gartner. Fazer com que esse número gigantesco de downloads transforme-se em dinheiro desafia a nova geração de empreendedores. O exemplo do WhatsApp, comprado pelo Facebook, ilustra a dimensão do problema. A empresa fundada por Jan Koum e Brian Acton conta com 450 milhões de usuários. Não há dúvida de que se trata de um ativo e tanto, principalmente para companhias de internet. 

 

Mas o mercado estima que o WhatsApp fature apenas US$ 20 milhões por ano. Por esse motivo, a regra que tem prevalecido no mercado de apps é colocar, em um primeiro momento, o crescimento do número de usuários antes dos cifrões. E trabalhar para ver a oportunidade se transformar num negócio lucrativo. Um caso emblemático é o dos táxis. A cidade de São Paulo, por exemplo, conta com ao menos oito opções diferentes de aplicativos. Uma das empresas que se saíram melhor foi a 99Taxis. O segredo? Não cobrar nada, enquanto os concorrentes pediam uma tarifa de cerca de R$ 3 dos taxistas por corrida. 

 

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Resultado: pelo menos 40 mil taxistas deram preferência para o 99Taxis. “A estratégia deu certo”, diz Paulo Veras, CEO e fundador da 99Taxis. “Agora todo mundo virou gratuito, mas já não faz mais diferença.” Esse modelo, no entanto, não é para sempre. A companhia já começa a ganhar dinheiro com serviços corporativos, assim como sua principal rival, a Easy Taxi, que recebeu investimento do grupo alemão Rocket Internet, famoso por clonar experiências de internet bem-sucedidas.

 

PRIMEIRO NO CELULAR O eletrizante mundo dos aplicativos criou uma tendência batizada de “mobile first” (que pode ser traduzida como primeiro no celular). Isso significa colocar o smartphone à frente da estratégia. Caso contrário, a empresa corre o risco de ficar de fora do jogo. É um cenário que desafia as empresas estabelecidas da internet, como é o caso do comparador de preço brasileiro Buscapé. “Se fôssemos criados hoje, teríamos de ter nascido no celular”, afirma Rodrigo Borer, presidente do Buscapé, que já tem 20% de suas buscas feitas em aplicativos ou no site adaptado para celulares. 

 

“Não ganhamos ainda dinheiro com os aplicativos, mas se não investirmos agora, não existirá amanhã.” A passagem da era dos PCs para a dos apps também desafia empresas como a Kekanto, rede social de recomendações de lugares e serviços. Fundada em 2010, a maior parte de seus serviços ainda é baseada no computador. Mas a audiência começa a migrar do PC para o celular. “No ano passado, dos 100 milhões de acessos, 30% vinham de aparelhos móveis”, afirma Fernando Okumura, CEO e fundador da empresa. “Neste ano, já deve ser a metade.” 

 

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Para estimular essa migração, a Kekanto vem fechando parcerias, desde o fim do ano passado, com outros aplicativos. Com a Hello Food, por exemplo, oferece serviços de entrega. No Restorando, integrou seu app ao sistema de reserva de restaurantes. Como o mercado de apps recém-engatinha, as empresas ainda batem cabeça. Diversos aplicativos são lançados e depois abandonados, pois não produzem os resultados esperados. Outros são adaptados para novos cenários, como os apps MeuCarrinho, que tem o Buscapé como acionista, e o BoaLista, da carioca DotLegend. Ambos surgiram como comparadores de preços de produtos de supermercado. 

 

Não demorou muito para perceberem que seria difícil prosperar com esse modelo. “Você tem de atingir entre cinco milhões e dez milhões de usuários para o serviço ficar atraente, e os varejistas são resistentes em aderir a essa modalidade”, diz Fábio Freitas, CEO da DotLegend. A empresa agora foca suas energias no Belezuca, programa que concede créditos virtuais que podem ser trocados por produtos para usuários que frequentam determinadas lojas. O MeuCarrinho também alterou a estratégia e passou a ser uma ferramenta de lista de compras. 

 

“Agora acertamos, temos mais de um milhão de downloads do nosso aplicativo”, diz André Nazareth, CEO do MeuCarrinho. A internet, quando ganhou uma face comercial nos anos 1990, mudou para sempre o mundo dos negócios. Em seu início, muitos duvidavam da capacidade das empresas virtuais de ganhar dinheiro. Hoje, a história se repete e essas pequenas empresas que desenvolvem aplicativos para celulares e tablets ainda patinam no modelo de negócio. O que ninguém duvida é de sua capacidade de criar, em um curto espaço de tempo, companhias rentáveis e milionárias. Não é mesmo, Mandic?

 

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