08/08/2014 - 20:00
O dia estava nublado, com chuva, e a temperatura não passava dos nove graus Celsius quando o A350, o mais novo avião da fabricante franco-alemã Airbus, pousou em uma pista adjacente ao aeroporto de Santiago, no Chile, na quarta-feira 6. Em um espaço improvisado, montado dentro de uma base da Força Aérea do país andino, executivos das companhias Lan, TAM e Azul, da fabricante de turbinas Rolls-Royce e outros vips se aglomeravam em torno dos três aquecedores, colocados no lado de fora da sala de eventos, para assistir ao pouso.
Era a primeira vez que a aeronave, ainda em fase de testes, tocava o solo latino-americano. À medida que o sol subia, o tempo foi melhorando e a imponente Cordilheira dos Andes, com seus picos cobertos de neve, apareceu por trás das nuvens. As atenções, no entanto, estavam voltadas para o A350. “É uma bela aeronave”, dizia, com orgulho, Rafael Alonso, presidente da Airbus na América Latina. O evento tinha como objetivo apresentar aos brasileiros aquela que deve ser, a partir de 2015, a principal aeronave usada pelas companhias aéreas do País em voos internacionais.
Para a Airbus, foi um momento decisivo, já que a TAM, líder de mercado no Brasil, estava ali para confirmar a compra de 27 aviões do modelo, em um contrato avaliado em US$ 7 bilhões, considerando-se o preço de tabela do A350 (cerca de US$ 260 milhões). Lançado em 2006 e, inicialmente, rejeitado pelos clientes, o A350 é um projeto de altíssimo risco. Com ele, a gigante franco-alemã, que disputa cabeça a cabeça com a americana Boeing o mercado de aviação comercial, estimado em US$ 100 bilhões, entra em um novo segmento: o de aviões com capacidade entre 250 e 450 passageiros.
Além disso, ele traz inovações importantes, como uma fuselagem composta, na maior parte, por fibras não metálicas. A Airbus estima que esse segmento deva gerar uma demanda total de 6,8 mil aeronaves nos próximos 20 anos. Em valores, isso se traduz em um total de US$ 2 trilhões. Na América Latina, é esperado um mercado de, mais ou menos, 450 aviões desse porte. Sua rival saiu na frente nesse setor, com o 787 Dreamliner, lançado em 2004, que está em operação desde 2011. Recentes problemas enfrentados pela aeronave americana, incluindo baterias que pegavam fogo, e a promessa de entregar um avião com custo operacional 7% mais em conta, dão esperanças aos europeus de desbancar a concorrência.
Além da TAM, o grupo Synergy, controlador da Avianca, fez um pedido de dez jatos A350, e a Azul, que em breve dará início a seus voos internacionais, vai incorporar cinco aeronaves à sua frota, por meio de leasing. No mundo, a Airbus já contabiliza 742 pedidos de 38 clientes. O desempenho do A350 é bom, em comparação ao do 787. Ao final de 2013, o jato europeu acumulava pedidos maiores, em valores, do que o seu rival americano, no mesmo estágio do projeto.
Trata-se de uma excelente notícia para a empresa. Quando a Boeing lançou o Dreamliner, em 2004, a Airbus contra-atacou com uma versão renovada do seu A330, também batizada de A350 – o que ainda gera certa confusão no mercado. O plano foi completamente rejeitado pelas companhias aéreas. “Os clientes nos falaram que gostariam de um avião novo”, diz Alonso. “Então começamos um projeto do zero.” Com a retomada do setor de aviação após a crise de 2008, as empresas estão apostando em aviões maiores, tendência mundial que, segundo Alonso, é refletida também no Brasil.
CONFORTO Por volta das 16 horas, os convidados começaram a embarcar. Em pouco tempo, o A350 levantou voo com destino ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Confortavelmente sentado em uma das poltronas da classe executiva, o presidente da Rolls-Royce na América do Sul, Francisco Itzaina, chamava a atenção para o baixo nível de ruído do motor, fornecido pela sua empresa. “É possível conversar sem dificuldades”, disse. Os comissários de bordo, todos da TAM, elogiaram o tamanho dos corredores. Mas são as tecnologias empregadas em sua fabricação que mais chamam a atenção.
O avião é o primeiro a ser fabricado, majoritariamente, em material composto, semelhante à fibra de carbono, e não em metal. A fuselagem e o trem de pouso, além de alguns componentes internos, são feitos de 53% desse material e 14% de titânio. A inovação deve garantir, segundo a fabricante, pelo menos uma década livre de manutenção. Especialistas em aviação ouvidos pela DINHEIRO elogiaram o avião. “É uma aeronave leve, com muita tecnologia”, afirmou um funcionário da Tam, que não quis se identificar.
Por outro lado, há dúvidas quanto à sua manutenção. Como detectar e consertar trincas e rachaduras na fuselagem são duas das principais dúvidas dos técnicos. A fabricante adotou um programa de testes sem precedentes, com duração de um ano e meio, para evitar surpresas desagradáveis, como as que aconteceram com as baterias do 787, da Boeing, ou com o A380, maior avião de passageiros do mundo, lançado pela Airbus em 2005 e que, por falhas no projeto, teve de passar por recalls e gerou um prejuízo de US$ 6 bilhões. Tudo é testado minuciosamente. Para a Airbus, garantir que suas aeronaves permaneçam voando, e não no hangar, é o caminho para o sucesso.
Frota dividida
Compra dos Airbus A350 pela TAM, feita antes da fusão com a Lan, pode criar custos maiores à companhia
Acompanhia aérea brasileira TAM será a quarta empresa do mundo a receber os novos Airbus A350. As primeiras aeronaves deverão ser entregues no fim do próximo ano. Elas vão substituir os 13 modelos A330, operados atualmente em voos para a Europa e os Estados Unidos, que serão devolvidos à fabricante. Considerando o preço de catálogo dos aviões, o valor do contrato é de, pelo menos, US$ 7 bilhões. O pedido firme dos A350 foi feito em 2008. Antes, portanto, da fusão da companhia brasileira com a chilena Lan, em 2010, que resultou na criação da Latam.
Os chilenos, no entanto, possuem uma frota composta, majoritariamente, de aeronaves da americana Boeing. Essa situação gerou rumores de que a TAM trocaria de fornecedor. Padronizar a frota traz diversas economias de manutenção. Para Roberto Alvo, vice-presidente de assuntos corporativos da Latam, porém, manter a frota dividida não será um problema para a companhia. “A partir de uma determinada escala, a padronização faz pouca diferença”, disse Alvo à DINHEIRO. Quando perguntado se faria a compra dos Airbus hoje, o executivo desconversou. “É uma boa pergunta, mas não tenho a resposta”, afirmou.