Contas bloqueadas, sigilo bancário quebrado, redes sociais suspensas e obrigação de prestar depoimento à Justiça — além, é claro, do desgaste de suas imagens pessoais e do boicote às empresas e marcas que comandam. Esse foi o saldo, até a quinta-feira (25), do vazamento de conversas de oito empresários que apoiam publicamente o presidente Jair Bolsonaro (PL) e têm se empenhado de todas as formas para manter o atual governo no poder. Responsáveis pela gestão de companhias cujo faturamento superou R$ 28 bilhões em 2021, eles faziam parte do grupo de WhatsApp Empresários & Política, criado pelo economista e militante declarado da direita Daniel Fuks. O grupo chegou a aglutinar cerca de 250 bolsonaristas, mas sofreu uma debandada depois de se tornar o pivô de um episódio envolvendo declarações pouco republicanas. Na terça-feira (23), oito desses empresários se tornaram alvo de mandados de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) em cumprimento a ordem do ministro Alexandre de Moraes, peça-chave do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A acusação é de que o grupo estaria defendendo uma ruptura democrática em caso de vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa eleitoral à presidência em outubro.

Os mandados foram cumpridos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Ceará. Os alvos: Luciano Hang (dono na rede de lojas Havan), Afrânio Barreira (dos restaurantes Coco Bambu), José Isaac Peres (grupo Multiplan, de shopping centers), Luiz André Tissot (Sierra Móveis), Marco Aurélio Raymundo (Mormaii), Meyer Joseph Nigri (Tecnisa), Ivan Wrobel (W3 Engenharia) e José Koury (Barra World Shopping). Barreira, Tissot, Raymundo e Koury são acusados de defender ou apoiar posicionamentos favoráveis a um golpe de Estado. Os demais terão de explicar os ataques verbalizados contra instituições como o STF e o TSE. A Constituição Federal define que isso é crime.

Pelas atribuições que cabem a Moraes, ele deverá encaminhar à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedidos para que os oito citados sejam incluídos no inquérito das milícias digitais, que investiga atuação criminosa contra a democracia e o Estado de Direito. Até o momento, três petições semelhantes estão sob a relatoria do ministro. Uma do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), outra dos deputados petistas Gleisi Hoffmann (PR), Alencar Santana (SP) e Reginaldo Lopes (MG), e uma terceira da Coalizão em Defesa do Sistema Eleitoral, composta por 200 entidades da sociedade civil em um movimento de resistência democrática. As petições apontam indícios de que o grupo tenha cometido uma série de delitos, incluindo apologia ao crime e crime de responsabilidade.

O conteúdo das mensagens foi publicado em reportagem do site Metrópoles e envolve outros empresários, como Vitor Odisio, CEO da Thavi Construction, e Carlos Molina, dono da auditoria Polaris, não atingidos pela operação da PF.

ALEXANDRE DE MORAES Autor dos mandados de busca e apreensão, o ministro do STF teria agido para impedir o financiamento de atos golpistas no 7 de setembro. (Crédito:Mateus Bonomi)

Pelo rumo natural do processo, quando o caso chegar à PGR caberá ao procurador-geral, Augusto Aras, analisar as alegações da oposição e decidir pela abertura ou não de investigação. Segundo o site Jota, citando fontes da PF, do MPF e do STF, nos celulares dos empresários apreendidos pelos agentes haveria trocas de mensagens com o próprio Aras. Tanto por parte dos empresários quanto de analistas, há um entendimento de que Moraes teria agido para coibir o financiamento do grupo a manifestações golpistas e de apoio a Bolsonaro agendadas para o di 7 de Setembro.

Alguns empresários preferiram não se posicionar sobre o tema, casos de José Isaac Peres e Luiz André Tissot. Outros se pronunciaram negando qualquer incitação a um golpe de Estado. Foi o que disse, por meio de nota, Meyer Nigri, fundador da Tecnisa, amigo e fiador da ascensão de Aras ao cargo na PGR e tido como responsável pela indicação de ministros que passaram pelo atual governo (Ricardo Salles, do Meio Ambiente; Nelson Teich, da Saúde; e Fábio Wajngarten, da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência). “A Tecnisa é uma empresa apartidária, que defende os valores democráticos e cujos posicionamentos institucionais se restringem à sua atuação empresarial”, afirmou Nigri. Afrânio Barreira, do Coco Bambu, seguiu a mesma linha. “Estou absolutamente tranquilo, pois não posso ser acusado por participar de um grupo de WhatsApp”, afirmou. “Confio na Justiça e vamos provar que sempre fui totalmente favorável à democracia. Nunca defendi, verbalizei, pensei ou escrevi a favor de qualquer movimento antidemocrático ou de ‘golpe’.” A rede de restaurantes comandada por ele faturou R$ 1 bilhão no ano passado.

A defesa de Ivan Wrobel, da W3 Engenharia, informou que seu cliente tem “histórico de vida completamente ligado à liberdade”. A W3 é uma construtora especializada em imóveis de alto padrão no Rio de Janeiro. Já Marco Aurélio Raymundo, proprietário da marca de surfwear Mormaii, afirmou ao portal Metrópoles que não vai apoiar atos “ilegítimos, ilegais ou violentos”.

PreviousNext

Dono do Barra World Shopping & Park, o empresário José Koury declarou inicialmente não apoiar um golpe. “Vivemos numa democracia e posso manifestar a minha opinião com toda a liberdade. Não disse que defendo um golpe de Estado, e sim que talvez eu preferiria isso a uma volta do PT. Para mim, a volta do PT será um retrocesso enorme para a economia do País”, disse o empreário, que atua também no mercado imobiliário do Rio de Janeiro.

Em nota enviada à DINHEIRO, Koury aliviou o tom e afirmou que o ministro Alexandre de Moraes tomou a decisão que lhe pareceu correta, após receber denúncias e tomar conhecimento das matérias publicadas na imprensa, segundo ele, de maneira fora de contexto. O empresário afirmou que o grupo Empresários & Política tem participantes de diversas ideologias políticas. “Pensar em organizar uma ‘conspiração’ em um grupo de WhatsApp com cerca de 200 pessoas com tendências políticas de esquerda, direita e até mesmo do centro, onde a maioria nem se conhece, me parece uma teoria meio fantasiosa.” Segundo o empresário, ele conhece pessoalmente apenas duas ou três pessoas do grupo. “Sempre fui defensor da democracia e da liberdade de expressão e de pensamento. Aquele que for eleito, seja de que partido for, terá o nosso apoio integral.”

ATIVISTA POLÍTICO Apoiador irrestrito de Bolsonaro, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, afirmou estar com a consciência tranquila e negou ter falado em golpe ou atacado instituições como o STF na rede social. “Desde que me tornei ativista político, prego a democracia e a liberdade de expressão, para que tenhamos um País mais justo e mais livre para todos os brasileiros”, disse o catarinense. “Que eu saiba no Brasil ainda não existe crime de pensamento de opinião. Em minhas mensagens em um grupo fechado de WhatsApp está claro que eu nunca, em momento algum, falei sobre golpe ou sobre o STF.”
Hang é companheiro assíduo do presidente da República nas motociatas pelo Brasil e, apesar de o Código de Trânsito Brasileiro determinar o uso de capacete na condução de motocicletas pelas vias públicas do País, raramente cumpre a lei. O empresário também recebeu críticas por seu comportamento durante a pandemia. Sempre se mostrou contrário às restrições de circulação e ao isolamento social instituído durante a crise sanitária. E isso ficou evidente no ano passado. A Havan, que comercializa eletrodomésticos, brinquedos e decoração, chegou a incluir arroz e feijão no portfólio de produtos para tentar driblar a fiscalização e receber autorização para funcionar como empresa de atividade essencial, mas acabou impedida pela Justiça. O coronavírus já matou 682 mil pessoas desde o advento ao País, em março de 2020. Uma das vítimas da Covid-19 foi a mãe de Luciano Hang.

AMIGOS ACIMA DA LEI Luciano Hang, de carona com o presidente Bolsonaro em motociata. Ele se disse perseguido por seu ativismo político e teme o impacto nos negócios. Mas não se importa em respeitar as leis de trânsito. (Crédito:Divulgação)

A operação deflagrada pela PF irritou Bolsonaro. Em evento de campanha na mineira Betim na quarta-feira (24), o presidente revelou ter contato com dois empresários envolvidos na polêmica, além de fazer menção aos signatários da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, elaborada por juristas em defesa da democracia. “Somos ainda um País livre eu pergunto a vocês: ‘o que aconteceu no tocante aos empresários agora?’ Esses oito empresários. Dois eu tenho contato com eles, o Luciano Hang e o Meyer Nigri”, afirmou. “Cadê a turminha da carta pela democracia? A gente sabe que em época de campanha continuam lobos em pele de cordeiro. Acreditar que eles são democratas e nós não somos? Cadê a turminha da carta pela democracia?”

Em evento na capital paulista na terça-feira (23), mesmo dia das ações da Polícia Federal autorizadas pelo STF, o presidente também almoçou com empresários em um encontro restrito. Dois deles conversaram com a reportagem da DINHEIRO em condição de anonimato. Ambos afirmaram que havia um clima de solidariedade com os empresários que foram alvo dos mandados. Ainda assim, a desconfiança em relação às reais intenções do grupo ainda é grande. “Havia um constrangimento geral entre os convidados, como se um elefante estivesse na sala”, disse um dos empresários. Sobre o assunto, Bolsonaro falou pouco na ocasião, e se limitou a chamar de perseguição. “Imagine se o STF resolvesse pegar o celular de todo mundo que me xinga na internet?”

PENA DE RECLUSÃO A ação de Moraes, no entanto, tem como base jurídica algo que vai além da opinião, mas ataca e a ameaça a democracia. O advogado constitucionalista Alessandro Mindriz, professor da Universidade de Brasília (UnB) explica a diferença. “A liberdade de expressão termina quando sua opinião fere o direito do outro.” No caso da democracia, os empresários teriam ferido o artigo 359-L, que versa sobre “Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.” Nesses casos, a pena prevista é de reclusão de até oito anos, além de outras medidas de correção social.

BOICOTE Imagem usada em redes sociais contra empresas que estariam financiando o golpe. Para especialista em marcas, o efeito na reputação tende a ser pequeno.

Para Gustavo Melchiades, consultor político que atuou na campanha do ex-governador João Doria em 2018, há dificuldade em alinhar as posturas esperadas nos ambientes público e o privado. “É preciso tomar muito cuidado porque há interesses conflitantes.” A solução, na opinião do especialista, é que os empresários tentem se manter isentos, principalmente em momentos em que a política toma rumos emocionais. “Quando a política é regida por emoções e não razões, quanto menos se demonstrar apreço ou desgosto, melhor.”

Apesar de os empresários citados nas conversas representarem bandeiras de prestígio no País, como Coco Bambu e Havan, o especialista em valor de marcas Eduardo Tomiya, da consultoria TM20, não vê prejuízo direto aos negócios que eles representam. Diante da polarização dos processos eleitorais nos últimos anos, o CEO da consultoria TM20 branding afirmou que possíveis perdas com clientes avessos ao bolsonarismo serão compensadas por consumidores que seguem a ideologia desses empresários. Sem entrar no mérito do conteúdo envolvido nas trocas de mensagens, Tomiya vê um movimento normal do empresariado em tomar posição por candidato ou por partido. Uma forma, segundo ele, que os empresários enxergam de ajudar a sociedade e influenciar os cidadãos a pensar como eles. “Se as pessoas gostam ou não, pouco importa, mas estão colocando isso em prática. E as marcas vão de carona. É um reflexo dessa filosofia.” O especialista acredita que o movimento ganhou força à época do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, quando houve uma polarização entre simpatizantes do PT e de partidos contrários. “A tendência é que os empresários tomem posições, até por terem suas crenças. Eles acreditam no que pregam”, disse ele, atento à polarização exacerbada. “E vai ser cada vez pior. A polarização vai aumentar, e a intolerância também.”

PreviousNext

Durante o processo de impeachment da petista, a rede de comida árabe Habib’s, do empresário Alberto Saraiva, colocou no ar uma campanha que anunciava ‘caiu!’, apoiada por imagens de manifestantes nas ruas. Apesar de aparentar um posicionamento político da empresa, era o anúncio da queda do preço da esfiha, carro-chefe. Em outra ocasião, o Ragazzo, que pertence ao grupo, lançou a coxinha de mortadela, uma provocação aos “coxinhas”, apoiadores do impeachment, e aos ‘mortadelas’, contrários.

E se a opinião de membros da elite brasileira parece ser apoiada em inclinações ideológica, seus efeitos práticos são políticos. E a ação de Alexandre de Moraes talvez seja uma oportunidade excelente de ver seus efeitos de práticos. Ao jogar luz em empresários com potenciais tendências golpistas, ele marca sua posição: não há espaço para ruptura democrática e nem fôlego para se levar à diante um projeto de golpe.

Na parte do fôlego, a expectativa é esvaziar recursos direcionados a atos antidemocráticos no próximo dia 7 de Setembro. A medida é uma reação ao que ocorreu na mesma data no ano passado, quando importantes empresários do agronegócio enviaram caminhoneiros à Praça dos Três Poderes para pressionar o STF. A situação democrática foi contornada por Alexandre de Moraes e os envolvidos nesse ato estão sendo investigados em segredo de Justiça.

APOIO ARRISCADO Manifestantes pró-Bolsonaro receberam financiamento de empresas no 7 de Setembro de 2021. Preocupação agora é que atos se intensifiquem as vésperas das eleições e levem a ruptura institucional. (Crédito:Edu Andrade)

Ainda que o financiamento para atos pareça minimamente controlado, o remendo na ruptura democrática pode ser mais difícil. Isso porque é verdadeira a frase de Bertoldt Brecht que diz que “A cadela do fascismo está sempre no cio”. Ao menor sinal de espaço, as pessoas sem comprometimento democrático tendem a se multiplicar. E para comprovar é só lembrar do que aconteceu em agosto de 2017, em Charlottesville, em Virgínia, nos Estados Unidos, quando um grupo aparentemente pequeno de pessoas da extrema-direita resolveu se manifestar. E foram de tudo. Neofascistas, neonazistas, membros da Ku Klux Klan, supremacistas brancos e eugenistas. Nesse sentido, ideia de Moraes é tentar evitar que o combate à ruptura democrática precise ser feito nas ruas, até porque não há certezas sobre como as Forças Armadas agirão. Essa também seria a primeira mensagem dura do presidente do TSE para os que pensam em recriar a trágica cena da invasão do Capitólio, em janeiro de 2021, às vésperas da posse de Joe Biden.

E de fato essa é a mensagem que chegou. Principalmente aquela que acerta no bolso. Ser parte de uma elite endinheirada facilita caminhos, e ter ao seu lado uma elite endinheira facilita governos. E essa história é repetida desde a ditadura militar quando empresas (jornais, indústrias e varejistas) apoiaram o golpe e precisaram fazer uma retratação histórica décadas mais tarde. E, desta vez, pode ser um comunicado com tom de farsa.