06/12/2013 - 21:00
Quando as luzes do templo Kiyomizu, na cidade de Kyoto, se acendem, um patrimônio da humanidade revela-se em seu esplendor. Elas refletem, em um imponente portal de madeira cuidadosamente encaixada sem o uso de pregos, um dos monumentos mais bem preservados da tradição e da história japonesa. A construção, de 1.200 anos, é um marco de uma era do país dos samurais. Kyoto, a capital das capitais, guarda ainda hoje a aura de poder dos 115 imperadores que lá viveram até 1869, quando a corte foi transferida para Tóquio.
Templo Kiyomizu, em Kyoto: iluminação com lâmpadas LED de última geração gerou economia
de mais de 80% no consumo de energia e transformou o monumento
em cartão-postal da companhia
Do alto de uma colina, no final de uma trilha de residências típicas transformada em rota do comércio turístico, o imponente Kiyomizu se destaca com facilidade, mesmo numa cidade com cerca de 2.300 templos e que reúne nada menos que 20% dos sítios históricos nipônicos, tão ricos que fizeram com que a região fosse a única poupada dos bombardeios aliados na Segunda Guerra Mundial. Quando o sol se põe e o templo se ilumina, uma luz aponta o futuro para outra tradição japonesa: a Panasonic, maior corporação empresarial. Escolhido pela companhia para ser um dos cartões-postais de sua nova estratégia, o Kiyomizu brilha graças à instalação de lâmpadas com tecnologia LED de última geração.
O presente da Panasonic vem carregado de símbolos. A história quase centenária da corporação foi iniciada, em 1918, com a fabricação de lâmpadas fluorescentes pelo seu fundador, Konosuke Matsushita, um ícone do capitalismo japonês. E o nome de Kyoto, além de remeter às raízes do império japonês, está definitivamente atrelado à luta pela preservação do planeta – lá foi redigido, em 1997, o protocolo que estabeleceu as metas de redução de emissão de gases que provocam o efeito estufa. Sob um dos portais do Kiyomizu, a reflexão de um monge une os dois conceitos e sintetiza a mensagem corporativa.
“As pessoas vêm aqui em busca de luz. Saberão aqui que o budismo e a iluminação evoluíram com os anos”, disse à DINHEIRO. Ele conta que, desde que as eficientes lâmpadas LED da Panasonic substituíram as antigas convencionais, há um ano, o consumo de energia do templo caiu vertiginosamente. Antes, apenas os holofotes da sua porta principal consumiam 1.000 quilowatts diários. Agora, são 180, uma economia de mais de 80%. “E economizou trabalho também”, brinca o monge. “Antes, trocar lâmpadas era um dos nossos principais trabalhos. Agora, as LEDs duram pelo menos quatro vezes mais.” Na simbologia da Panasonic, esta é a maneira mais simples de dar seu recado ao mundo.
“Não somos apenas uma empresa de eletrônicos, como muitos pensam. Nossa ambição é ser a empresa verde número 1 do mundo”, resume Satoshi Takeyasu, diretor da divisão de comunicação de marca da Panasonic Corporation. A estratégia verde que impulsiona o grupo em direção ao futuro também é uma tentativa de mudar as cores nas linhas finais do balanço da Panasonic, tingidas de vermelho nos últimos anos. Desde que assumiu o comando da corporação, em junho de 2012, o presidente mundial Kazuhiro Tsuga usou o mote da responsabilidade ambiental como ferramenta para implantar uma profunda reorganização na estrutura da companhia e recuperar a rentabilidade perdida nos últimos anos.
Reagrupou o amplo leque de negócios, antes dividido em quase 90 unidades, incorporando-as a um sistema baseado em quatro grandes divisões: eletrodomésticos e eletroportáteis, construção, sistemas automotivos e B2B (que reúne tudo o que é vendido para outras empresas, como sistemas para aviação, por exemplo). Os primeiros resultados começaram a surgir. Em menos de um ano, o prejuízo caiu quase pela metade – de US$ 1,08 bilhão, em dezembro de 2012, para US$ 577 milhões em setembro passado. Tsuga cortou dividendos e anunciou que as mudanças continuam. “Vamos eliminar negócios não lucrativos assim que for possível”, afirmou a analistas.
Tsuga, presidente mundial, e o projeto de smart city: hora de apostar em negócios rentáveis, como as soluções ecológicas
Ele disse manter especial atenção a setores com grande impacto no resultado da empresa, como tevês, semicondutores e celulares, que terão estratégias próprias, incluindo parcerias, transferências para parceiros e até a venda. No início de outubro, um jornal japonês chegou a noticiar a venda da divisão de tevês plasma, informação rapidamente negada pela empresa. Na nova Panasonic, a solução verde é mais do que uma jogada de marketing. A área denominada pela empresa de EcoSolutions, que permeia vários de seus negócios, já está entre as mais rentáveis e é a de maior crescimento dentro do grupo.
A meta é a de que venha a gerar receitas de US$ 20 bilhões em 2018, ano do centenário da companhia. As emblemáticas lâmpadas LED, por exemplo, hoje já representam 50% das vendas no mercado japonês. E elas são apenas uma pequena luz no mosaico de negócios verdes da Panasonic. Num rápido roteiro elaborado para jornalistas estrangeiros por diferentes áreas da companhia no Japão, pode-se ver como as peças se encaixam nessa estratégia. Em Tóquio, no showroom da divisão que produz sistemas de gestão de energia, lâmpadas LED especiais com sensores de movimento permitem criar dispositivos que captam a presença de pessoas e, a partir dessa informação, acendem e apagam luzes e ar-condicionado.
Também a área de eletrodomésticos se utiliza desses sensores para fabricar produtos mais eficientes: na linha Econavi, eles estão embutidos nos equipamentos. Assim, com as luzes apagadas à noite, uma geladeira pode “entender” que os moradores de uma casa foram dormir e acionar o modo de economia de energia. Com o tempo, ela “aprende” e “memoriza” o estilo de vida local. No lado de dentro, LEDs identificam a presença ou não de alimentos e, automaticamente, regulam o funcionamento do aparelho para cada necessidade. A economia média de energia chega a 47%. Para qualquer consumidor do mundo, seria um apelo e tanto.
No Japão – país de território reduzido, poucos recursos naturais, sujeito a terremotos e tufões e com uma crise na geração de energia nuclear –, é ainda mais relevante. A uma hora de carro de Osaka, segunda maior cidade nipônica, soluções para todas essas questões estão reunidas em um empreendimento que é a cara da nova Panasonic. Estamos sobre uma ilha artificial em Sioshiya, resultado de um aterro feito com entulho. Ali, em um estande de vendas, a PanaHome, empresa de construção do grupo, oferece modernas casas em um condomínio. Já há moradores e outras casas sendo construídas, todas com o mesmo padrão.
A primeira coisa que se nota são os painéis para captação de energia solar sobre os telhados. Olhando mais de perto, vê-se que todo o resto – paredes com materiais termoeficientes, equipamentos eletrônicos inteligentes conectados a um gerenciador de energia, instalações para coleta e reúso de água da chuva e até móveis com pegada ecológica – é produzido pelas empresas do grupo, seguindo o mesmo conceito. A proposta do local é a autossuficiência. Cada casa deve ser capaz de produzir toda a energia que consumirá. Os moradores monitoram a geração e o consumo em cada cômodo e em cada aparelho através de um aplicativo instalado na tevê (Panasonic, é claro), uma espécie de videogame da energia.
Murakami, presidente no Brasil: foco na reconstrução
da área de eletrônicos de consumo
Na mesma área do condomínio, um terreno está sendo preparado para receber edifícios residenciais com o mesmo conceito e a marca PanaHome. As “smart cities” são um negócio em franca expansão na companhia, mas se pode comprar também unidades individuais para serem erguidas em qualquer terreno no país. Os componentes, separadamente, começam a ser exportados. A tecnologia de painéis solares da companhia, por exemplo, já é comercializada em regiões com grande insolação, como a América Central e o Caribe.
Para o Brasil, ainda deve demorar algum tempo. Como o País ainda não possui uma política clara de incentivos para a energia solar, os japoneses não consideram viável uma aposta maior no segmento. Isso deve ocorrer apenas a partir de 2016, com a Olimpíada do Rio de Janeiro. Fornecedora oficial do evento na área de vídeo, a empresa deve aproveitar os Jogos como vitrine para algumas de suas tecnologias, entre elas a energia solar. Uma das ideias seria fornecer painéis para geração de energia em estádios.
EFEITO NEYMAR Antes disso, a nova Panasonic começa a desembarcar por aqui através dos eletrodomésticos mais eficientes. A estratégia local da companhia visa a aumentar a sua penetração dentro dos lares brasileiros, seja através de seus produtos mais conhecidos (como tevês e eletrônicos), seja através da linha branca, principal foco nos últimos anos. “O estágio atual é de reconstrução de nossa área de eletrônicos de consumo”, afirma Hirotaka Murakami, presidente da Panasonic. Em 2012, a empresa, que já possuía uma fábrica em Manaus, inaugurou outra em Extrema, na divisa entre Minas Gerais e São Paulo.
Com 160 mil metros quadrados, é uma fábrica ecológica, ressalta, certificada pela regulamentação que proíbe uso de produtos químicos nocivos. Ali, começou a produzir geladeiras e, no ano que vem, passa a fabricar também máquinas de lavar. “A eficiência energética dos produtos é nosso principal diferencial”, diz. Também para 2014, a expectativa é de um salto nas vendas de tevês. A Panasonic tem um trunfo: Neymar, garoto-propaganda mundial da marca, que já impulsionou os resultados este ano. De abril a setembro, enquanto o mercado brasileiro de tevê cresceu 4%, a Panasonic avançou 15% na comparação com o mesmo período de 2012. Com a Copa do Mundo pela frente, a estratégia verde ainda pode esperar para chegar.
Diretamente de Osaka (Japão)