22/11/2013 - 21:00
Um presidente com superpoderes, capaz de antecipar o Natal para novembro e enxergar sinais do além para manter o culto a seu antecessor, o falecido Hugo Chávez. Uma presidenta que transformou os dados econômicos em um faz de conta. Parece roteiro de comédia, mas não é. As trapalhadas dos governantes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Argentina, Cristina Kirchner, no entanto, já deixaram de causar gargalhadas e passam a levantar dúvidas sobre quais serão os próximos passos dos nossos vizinhos. E, ao que parece, não há uma luz no fim do túnel.
Alinhados: Maduro, da Venezuela, e Cristina, da Argentina, são expoentes
da cartilha do intervencionismo na economia
Economistas e analistas são unânimes em afirmar que um investidor busca, independentemente do cenário econômico, possibilidade de uma remuneração adequada ao seu capital e a certeza de repatriação dos lucros, o que só é possível com regras claras e estáveis. Vai ser difícil esperar que esse quadro ideal vingue na Argentina. O novo ministro da Economia, Axel Kicillof, já afirmou que as expressões “segurança jurídica” e “clima de negócios” são “horríveis”. Desde quarta-feira 20, ele é o homem forte de Cristina e uma de suas primeiras medidas deve ser a mudança nos preços da energia.
Gôndola vazia: Venezuela atravessa uma grave crise de desabastecimento, que tem dificultado
até a compra de produtos essenciais
Afirmou ainda que o congelamento de preços deve continuar para aumentar a produtividade da economia. Esse controle não é novo. Vem do antigo braço direito da presidenta, o ex-secretário de Comércio Interior Guillermo Moreno, o mesmo que liderou a manipulação dos índices econômicos do País. Enquanto a inflação oficial aponta para uma elevação em torno de 10%, levantamentos independentes registram 25%. Nessa mudança de conselheiros econômicos, pode ficar ainda mais difícil a vida das empresas exportadoras brasileiras. O sócio-diretor da consultoria Arko Advice, Thiago Aragão, explica que Kicillof defende um maior intervencionismo do governo na economia.
“Ele pode impor mais dificuldades ao comércio bilateral”, diz. As barreiras têm crescido de acordo com o déficit da balança comercial argentina com o Brasil. Mas medidas protecionistas nem sempre são bem interpretadas. Segundo o responsável pela área de mercados emergentes da Nomura Securities, Tony Volpon, o atual cenário econômico é desafiador para a América Latina, com a retirada dos estímulos monetários por parte dos Estados Unidos e sem expectativa de aumento no preço das commodities. A maior dificuldade será para os países que adotam medidas intervencionistas e imprevisíveis.
Novo homem forte: o ministro da Economia, Axel Kicillof, consolida-se como o braço direito
de Cristina Kirchner, já que Guillermo Moreno (à esq.) deixou o governo
“Há países cujos governos não conseguem reconhecer que há uma nova situação”, diz Volpon. Outra situação preocupante é a da Venezuela. O país passa por uma grave crise de desabastecimento, que dificulta até a compra de produtos básicos. Certo de que há uma sabotagem articulada pelos “agentes do imperialismo”, Maduro tem adotado medidas polêmicas, como a limitação do lucro das empresas. Na semana passada, conseguiu a aprovação da Lei Habilitante, que lhe garante o direito de governar por decreto por 12 meses. Tanto intervencionismo tem limitado a atração de investimentos.
Com mais de metade de seu PIB proveniente da extração de petróleo, o País pouco desenvolveu a sua indústria, dependendo das importações. No entanto, ao adotar um forte controle de divisas, as empresas estrangeiras temem vender para a Venezuela, por conta dos atrasos no pagamento e das mudanças nas regras. “Hoje é praticamente nula a possibilidade de ouvir empresas que avaliem possibilidades de investimento no país”, diz Leopoldo Pimienta, analista para a América Latina da corretora mexicana GBM. E todo esse malabarismo tem sido em vão. As prateleiras dos supermercados estão vazias e a inflação, a mais em alta da América Latina, bate nos 50% no ano. Esse filme, os brasileiros já viram. Insistir nessas medidas é trapalhada na certa.