O dia seguinte ao referendo histórico que levará a saída do Reino Unido da União Europeia trouxe aos britânicos os sentimentos de dúvida e vazio. Como seria a vida econômica da região sem a relação facilitada com os vizinhos? Já com os ânimos mais calmos depois do susto causado pelo Brexit, o mundo passou a assistir o desenrolar dos processos de negociações para compreender como será o inesperado divórcio entre o país e o bloco. Enquanto isso, o setor produtivo brasileiro começava a fazer as contas para saber o quanto poderia lucrar com esse pesadelo diplomático. E, ao que tudo indica, as trocas comerciais podem ser incrementadas. Atualmente, o Reino Unido ocupa a 12ª posição na balança comercial brasileira, somando US$ 100 milhões de janeiro a maio deste ano. Além disso, a economia inglesa é uma das mais abertas do mundo. “É sempre mais fácil negociar só com um país do que com um bloco”, diz Thomaz Zanotto, diretor do Departamento de Comércio Exterior da Fiesp. “Exatamente pelo fato de ser menos protecionista que outros países da União Europeia, pode ser vantajoso ao Brasil.”

Onde estão as oportunidades para as empresas brasileiras? Em uma sondagem preliminar realizada pela MacroSector Consultores sobre os impactos do Brexit para as trocas comerciais, o Brasil poderá abrir a porta para produtos em que tem tradição, como açúcar e beterraba. Antes, as restrições do bloco europeu, principalmente em países como França e Hungria, dificultavam a vida dos produtores brasileiros. Além disso, o setor de couros e calçados, processamento de carnes e, eventualmente, produtos têxteis, poderão ter mais chances com os ingleses no longo prazo. “Trata-se de um mercado de 70 milhões de pessoas que precisará ser abastecido”, diz Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector. “Alimentos que antes não entravam no mercado europeu poderão ser objetos de acordos comerciais com chances de sucesso.”

A possibilidade de uma maior cooperação comercial entre os países membros do Mercosul e do Reino Unido dependerá das definições que a cúpula da União Europeia apresentará no decorrer dos próximos dois anos. As apostas dos que apoiavam o Brexit, como o ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, de que o acesso ao mercado único da União Europeia seria mantido, caíram por água baixo. Na primeira reunião do bloco regional sem o Reino Unido como membro, realizada no dia 28 de junho, em Bruxelas, a chanceler alemã Angela Merkel afirmou ser impensável a Grã Bretanha manter os benefícios de um mercado comum sem se comprometer com os acordos de livre circulação de cidadãos em seu território. “Deve haver e haverá uma diferença palpável entre ser e não ser parte da família europeia”, disse Merkel. “Quem deseja sair, não pode esperar que as obrigações desapareçam e que se mantenham os privilégios”, disse a líder antes da reunião.

Com o futuro ainda incerto e sem planos de longo prazo, os britânicos passaram a se empenhar para acalmar o mercado e conter os atuais danos à economia. Estudos preliminares prevêem o encolhimento do PIB entre 0,1% e 3,9% no Reino Unido, em 2017. Nos próximos três anos, poderá haver um corte de até 22% nos investimentos, numa redução de cerca de 21,1 bilhões de libras (R$ 105 bilhões). Além disso, desde o resultado do Brexit no dia 24 de junho, a libra esterlina sofreu uma queda de 4%, atingindo o seu menor patamar desde setembro de 1985. No mês passado, a desvalorização chegou a 10% frente ao dólar.

Os desdobramentos do resultado também trouxeram nuvens carregadas sobre os bancos britânicos. Fora do bloco, as instituições correm o risco de perder acesso ao mercado europeu. O temor em relação a sua lucratividade fez as ações do Barclays e do Royal Bank of Scotland caírem 17% e 15%, respectivamente. “O setor financeiro, sem dúvida, será um dos mais atingidos se o Reino Unido deixar o mercado comum europeu”, diz Thomas Sampson, professor do departamento de economia da London School of Economics. “O Reino Unido perderá os direitos de passaporte de muitos bancos, que mudarão suas atividades para países membros daUE.”

Enquanto isso, a saga para a busca de um substituto do primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, que renunciou imediatamente após o resultado do referendo, se intensifica. Marcada para outubro, a corrida parlamentar sofreu uma reviravolta na última quinta-feira 30. Em um anúncio inesperado, Boris Johnson, figura-chave do Brexit e considerado favorito à sucessão do premiê, revelou que não participará da disputa do cargo. A saída deu espaço ao seu aliado Michael Gove, ministro da Justiça, que deverá enfrentar a protegida de Cameron, Theresa May, atual secretária do Interior. Para especialistas, independente de quem assuma, a tarefa será única: tentar solucionar, o mais rápido possível, os acordos econômicos entre o bloco e o país, para deixar claro como serão os próximos processos de cooperação fora do continente europeu.