06/05/2016 - 20:00
A votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados, gerou uma onda de indignação no Brasil – não pelo resultado, diga-se. Pela televisão e pela internet, milhões de brasileiros foram apresentados, pela primeira vez, aos seus representantes na Câmara Baixa. Muitos dos nobres parlamentares tropeçaram no português. Outros tantos fizeram defesas grotescas de seus votos, invocando Deus e a família. Deputados investigados por corrupção defendiam suas posições citando os gigantescos desvios da Petrobras. Até um notório torturador foi homenageado. “Que Deus tenha misericórdia desta Nação”, implorou Eduardo Cunha, réu da Lava Jato e afastado pelo STF de seu mandato, que comandou a sessão que marcou o primeiro passo para o impedimento definitivo de Dilma.
Ao que tudo indica, os brasileiros não gostaram do que viram e ouviram. “Show de horrores” e “Eles não me representam” foram alguns dos comentários que se espalharam pelas redes sociais. Não é fácil, é verdade, olhar-se no espelho. Muitas vezes, aquela imagem refletida não parece com a que temos mentalmente de nós mesmos. Mas, infelizmente, as nossas rugas, normalmente, são muito maiores do que imaginamos. O espetáculo da Câmara dos Deputados, por pior que tenha sido para alguns, é um reflexo da sociedade brasileira. Os políticos que votaram ou não pelo impedimento de Dilma são nossos legítimos representantes e, de certa maneira, um retrato quase fiel de nossos desafios: um povo apedeuta, religioso e conservador nos costumes.
Vamos aos fatos. Muito reclamaram do português dos deputados. Mas não custa lembrar que a nossa taxa de analfabetismo é de 8,3% das pessoas com 15 anos ou mais, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São mais de 13 milhões de brasileiros que ainda não sabem ler ou escrever. Esse dado não leva em conta os analfabetos funcionais, aqueles que conseguem escrever seus nomes e frases simples, mas são incapazes de interpretar um texto com um pouco mais de complexidade.
Os votos em nome de Deus são um claro indicativo de quanto somos um povo religioso. Cerca de 166 milhões dos brasileiros se declaram cristãos, pertencentes às religiões católicas ou evangélicas. Estes últimos são o que mais crescem, representando já mais de 20% da população brasileira, segundo o IBGE. Nada mais natural, então, de que o Todo-Poderoso seja citado pelos nobres parlamentares e que, entre os representantes do povo, muitos deles sejam ligados a bancadas religiosas, como o próprio Cunha. Até a lembrança de um torturador, como o coronel Brilhante Ustra, para mim algo inominável, recebe acolhida numa parcela muito conservadora da população, saudosa dos tempos sombrios em que o pau de arara e os choques elétricos corriam soltos nos porões da ditadura.
Nossos parlamentares não são intelectuais de alto nível, nem pessoas eruditas. Mas o Brasil carece de talentos, de erudição e de tantas outras coisas. Até nossa classe dominante é “ruim, ranzinza, medíocre e cobiçosa, que não deixa o País ir para frente”, como definiu, certa vez, o antropólogo, escritor e político Darcy Ribeiro, o criador da Universidade de Brasília. É fácil olhar para a Câmara dos Deputados e apontar o dedo para a obtusidade de maioria de seus membros. Difícil é olharmos no espelho e reconhecer que a trajetória rumo a uma sociedade menos desigual, mais educada e desenvolvida culturalmente é longa e está muito distante de acontecer.