Criado em 1929 pelo cartunista Hergé, o personagem Tintim é um dos símbolos de Bruxelas. Na terça-feira, 22, uma imagem do famoso repórter dos quadrinhos, em lágrimas, ganhou as redes sociais. Mais que uma nova aventura, o viral retratava a solidariedade de internautas em todo o mundo. Horas antes, a capital belga, sede da União Europeia, foi palco do mais novo e triste capítulo dos ataques terroristas que assolam o continente europeu.

Naquela manhã, por volta de 8h, duas explosões atingiram o aeroporto de Zaventem. Em seguida, uma nova bomba explodiu na estação de metrô de Malbeek. A tragédia deixou 34 mortos e 260 feridos. Horas depois, o Estado Islâmico reivindicou a autoria dos atentados e afirmou, em comunicado, que os países que combatem os extremistas têm “dias obscuros pela frente”. “O irônico é que, depois de uma semana cinzenta, era a primeira manhã de sol em Bruxelas”, diz o jornalista brasileiro Ricardo Viveiros, que estava na cidade e testemunhou a barbárie de perto. “Foi assustador: pessoas feridas, populares prestando-lhes solidariedade, ambulâncias, carros de bombeiros, viaturas da Polícia e do Exército, pessoas correndo assustadas, lojas fechando suas portas.Enfim, horror”, afirmou.

Os atentados despertaram a reação imediata de líderes globais. “Toda a Europa foi atingida”, afirmou François Hollande, presidente da França. “Será uma longa guerra.” O americano Barack Obama disse que todos devem estar juntos “na luta contra o flagelo do terrorismo” e ressaltou que não hesitará em usar as Forças Armadas nesse contexto. Segundo especialistas consultados pela DINHEIRO, o acirramento do choque entre as grandes potências e os grupos extremistas traz riscos diversos, mas uma causa comum: a  histórica postura bélica dos países ocidentais, e, mais recentemente,  sua interferência na Síria. “Tudo o que está acontecendo tem origem no ato do governo americano invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein”, afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. “A repetição da política que alimentou o nascimento dessas ameaças só aquece esse caldeirão”, diz Tomáz Paoliello, professor de relações internacionais da PUC-SP. Argemiro Procópio Filho, especialista da Universidade de Brasília, reforça: “Criar monstros para combater monstruosidades é muito perigoso.”

Os ataques destacaram outro componente que desafia a “guerra ao terror”: a rápida articulação dos terroristas, além do fato de o Estado Islâmico ser um “inimigo sem face”. “Os atentados mostraram que essas redes contam com uma atuação descentralizada, com células que não dependem necessariamente de um comando central”, diz Paoliello. Ele cita o caso de Osama Bin Laden, morto em uma operação militar, em 2011. “Cortar uma cabeça não significa necessariamente o fim dessas organizações.”

O recrudescimento do discurso xenófobo e das políticas restritivas de imigração são outros prováveis desdobramentos, o que promete tornar ainda mais crítica a situação dos refugiados do mundo árabe. O pré-candidato à Casa Branca Donald Trump voltou a defender o fechamento de fronteiras e propostas como a tortura por afogamento para extrair informações de terroristas. “Os ataques mostram que o livre movimento pelas fronteiras é uma ameaça para a nossa segurança” disse Mike Hookem, porta-voz do partido britânico Ukip. Presidente do Instituto Ovos Brasil, Ricardo Santin estava em Bruxelas no dia dos ataques e presenciou essas propostas ganharem força. “Como o Estado Islâmico é abstrato, muitas pessoas por lá estavam buscando personificar a culpa em alguém, em especial, nos mulçumanos”, diz.

Carlos Gustavo Poggio Teixeira, professor de Relações Internacionais da FAAP, ressalta que o momento abre espaço para impactos na já lenta recuperação econômica. “A crise de 2008 trouxe uma narrativa de desintegração na União Europeia e esse contexto pode fragmentar ainda mais o continente”, diz. Uma alternativa contra o extremismo é o combate no plano ideológico. “Mas as democracias não costumam ter muita paciência para lidar com questões estruturais.”

A saída para lidar com esse cenário, segundo Rubens Barbosa, deve passar necessariamente pela resolução dos conflitos na Síria. “A escalada do terrorismo só vai arrefecer com a eliminação da sua causa”, afirma. “Políticas para enfrentar o extremismo precisam contemplar a dificuldade de várias pessoas, provenientes do mundo árabe, se integrarem em suas sociedades de destino”, diz Cristine Zanella, doutora em Relações Internacionais, que morou em Gent, cidade a 30 minutos de Bruxelas, até julho de 2015. Para Argemiro Procópio Filho, as discussões que estão sendo conduzidas em Genebra, a respeito da questão síria, indicam uma luz no fim do túnel. “A inclusão de atores até pouco tempo marginalizados nesse debate, como a Rússia, é positiva”, diz. “O terrorismo não é um desafio restrito à Europa ou ao mundo árabe. Ele é global.”  

A morte da insana guerra fria