Um parque temático onde não há lugar para crianças, nem diversão para quem quer que seja. Essa é, resumidamente, a melhor definição de Dismaland, o mais recente projeto do artista plástico britânico Banksy. A instalação artística, aberta ao público desde o final de agosto, no balneário de Weston Super Mare, nas proximidades da cidade de Bristol, na Inglaterra, reúne obras de mais de 50 autores, como Damian Hirst. Em sua maioria, os trabalhos criticam de forma profunda e direta o capitalismo, o consumismo e o autoritarismo das forças de segurança, em uma clara paródia da Disneylândia. Os frequentadores da “Deprelândia”, que permanecerá aberta até o fim de setembro, poderão vivenciar experiências desagradáveis, protagonizadas por uma equipe de funcionários treinados para parecer mal educados, nervosos e despreparados. Uma das várias provocativas representações artísticas mostra uma Cinderela desacordada, após se envolver em um acidente com sua carruagem em formato de abóbora, enquanto uma legião de paparazzi registra o acontecimento. Qualquer semelhança com a trágica morte da princesa Diana não é mera coincidência. No laguinho artificial com os tradicionais barquinhos de controle remoto, em vez de simpáticos rebocadores, há botes lotados de imigrantes ilegais, uma referência ao drama dos africanos que têm fugido para a Europa. A morte, em pessoa, está presente, pilotando um dos carrinhos de bate-bate. Na pescaria, os patinhos de borracha estão cobertos de petróleo. “Em essência, trata-se de um festival de arte, entretenimento e anarquismo iniciante, um lugar onde você pode adquirir sua contracultura diretamente no balcão, facilmente”, afirmou o polêmico Banksy ao jornal londrino The Guardian. “Acho que é possível defini-lo como um parque temático cujo grande tema é: parques temáticos deveriam ter temas melhores.” 

Polêmico, transgressor e, para um número cada vez maior de colecionadores e críticos de arte, brilhante, Banksy é a mais evidente manifestação de um fenômeno que vem gerando grandes transformações no mercado artístico: a arte de rua, em especial o grafite, está se tornando mainstream. A linguagem direta do artista britânico, aliada ao mistério em torno de sua real identidade – Banksy não revela seu nome e, muito menos, se deixa fotografar –, o ajudaram a angariar uma legião de admiradores. Seus primeiros trabalhos situavam-se na tênue fronteira que separa o grafite do vandalismo e da arte. Nascido em Bristol, Banksy costumava “enfeitar” muros e vagões de trens pelos subúrbios da cidade com seus desenhos em tinta spray, o que lhe rendeu diversos problemas com a polícia. De criminoso, ele passou a queridinho do mundo bilionário das artes. As mesmas pinturas que enfureciam as autoridades são avaliadas, hoje, na casa dos milhões de dólares. Em 2013, a obra Slave Labor (Bunting Boy) foi vendida por US$ 1,1 milhão pela galeria Sincura, de Londres. 

Banksy, ainda que seja o seu maior expoente, não está sozinho nessa ascensão da street art. “Os artistas de rua evoluíram para uma arte mais madura”, afirma Binho Ribeiro, um pioneiro do grafite no País e um dos mais renomados artistas brasileiros da atualidade, ao lado de grafiteiros como os irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como “Os Gêmeos” (eles assinam Osgemeos), e Francisco Rodrigues, que adota o pseudônimo Nunca, entre outros.  A força dessa forma de expressão, nascida nas metrópoles e utilizada, há décadas, como instrumento de protesto, chama atenção, inclusive, do mundo corporativo. Ribeiro é um dos grafiteiros que melhor circula entre o mundo das artes e o das empresas, tendo executado trabalhos encomendados por marcas como Johnnie Walker e Burn. No ano passado, na Copa do Mundo,  “Os Gêmeos” pintaram o avião da Seleção Brasileira para a Gol. 

Ao mesmo tempo, cidades como Buenos Aires, na Argentina, e Toronto, no Canadá, buscam fomentar o turismo aprovando leis que protegem os grafites de serem apagados sem motivo. Segundo o escritor e jornalista Feargus O’Sullivan, autor de diversos trabalhos sobre a “gentrificação” de espaços urbanos, a presença de trabalhos artísticos dão um “brilho superficial” a lugares em transformação, conferindo à vizinhança a maturação necessária para investimentos imobiliários focados em consumidores jovens e endinheirados. 

A essência transgressora do grafite, no entanto, permanece como o combustível para a maioria desses artistas alternativos. Às margens daquilo que acaba rompendo a barreira do vandalismo e invadindo o mundo das artes, há o grafite que continua sendo uma forma de protesto e uma expressão de um universo pouco compreendido pelas classes dominantes, tanto intelectuais, quanto financeiras. “Nem todo grafite é bonitinho”, afirma Ribeiro, para quem a transgressão é parte integrante desse tipo de arte. Nesse sentido, Dismaland funciona como uma representação perfeita e nada sutil dessa apropriação da rua pelo mainstream. “Eu senti como se estivesse participando de uma brincadeira, na qual todo mundo tinha de fingir que essa piada é melhor do que realmente é”, afirmou Jonathan Jones, crítico de arte do The Guardian. “Como uma sensação de mídia, funciona perfeitamente. Mas não é uma experiência, é apenas um falso parque temático de papelão. Não há diversão.” Tudo em Dismaland parece puro marketing, até o que não é. Logo depois de lançar o site do empreendimento, o sistema caiu, impossibilitando a aquisição das entradas. De cara, todos pensaram que se tratava de uma das provocações de Banksy. Um dia depois, sua equipe soltou um comunicado dizendo que, na verdade, era mesmo uma falha de software, que seria resolvida até o final da semana. Ou não.