Depois de séculos dependendo do humor dos bancos internacionais, o mercado de capitais brasileiro mudou de direção. Hoje, a bolsa brasileira desponta como uma fonte de recursos para empresas de fora, especialmente as latino-americanas. No início de fevereiro, a Pacific Rubiales, companhia de capital canadense que explora petróleo na Colômbia, lançou os Brazilian Deposit Receipts, os famosos BDRs, na BM&FBovespa. Negociados na bolsa, esses papéis representam ações de empresas não brasileiras. No caso da Pacific Rubiales, cada BDR equivale a uma unidade de seu capital. “Vemos o Brasil como um mercado em crescimento para captar recursos e acreditamos que há muitas oportunidades para empresas listadas na bolsa”, diz Ronald Pantin, principal executivo da companhia. 

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Sua meta é ter até 10% das ações da Rubiales negociadas por aqui, em um primeiro passo para familiarizar os investidores brasileiros com a empresa. A Pacific Rubiales não é o único caso. A subsidiária brasileira da mineradora britânica Ferrous Resources tem projetos ambiciosos para o País. Hoje produzindo 23 milhões de toneladas de minério em Minas Gerais, a companhia quer duplicar essa cifra até 2017. Para que o custo de transportar todo esse material não torne a operação inviável, a Ferrous pretende construir um mineroduto de 400 quilômetros de extensão e 80 metros de diâmetro. É uma obra de grandes proporções, que deve ligar a mina Viga, em Congonhas (MG), ao porto Presidente Kennedy, no litoral sul do Espírito Santo. 

 

O mineroduto passará por 22 municípios, sendo 17 mineiros, três fluminenses e dois capixabas. “Já compramos 97% dos terrenos”, diz o embaixador e ex-ministro Jório Dauster, presidente do conselho de administração da companhia. A megaobra está orçada em US$ 1,4 bilhão, uma cifra expressiva para qualquer empresa. Tradicionalmente, esses recursos seriam levantados com os bancos ingleses ou por meio de uma abertura de capital em Londres, projeto que foi engavetado durante a crise internacional de 2008. Agora, passado o susto, a bolsa paulista é vista como um manancial de dinheiro em potencial. “O mercado acionário brasileiro está vigoroso e é uma grande alternativa para reforçar o caixa”, diz Dauster. 

 

Há poucos anos seria improvável que uma empresa britânica considerasse a BM&FBovespa como uma concorrente da City, ou que uma companhia canadense preferisse o centro de São Paulo ao quarteirão financeiro de Toronto. No entanto, além da Ferrous e da Pacific Rubiales, várias corporações vêm testando o mercado brasileiro. No dia seguinte ao IPO da empresa canadense, começaram a circular os BDRs da incorporadora argentina TGLT, que tem a PDG Realty como principal acionista. Os BDRs são divididos em patrocinados e não patrocinados. Os primeiros se subdividem em três níveis. Os dois níveis superiores permitem que a empresa capte recursos novos. Os não patrocinados só têm um nível, que não permite a captação de recursos novos. 

 

Os bancos têm sido os grandes indutores desse processo. No início de fevereiro, o Citibank criou um BDR não patrocinado (lançado pelo banco, e não pela companhia que emitiu as ações) com papéis de 50 empresas americanas, elevando para 75 o número de companhias estrangeiras listadas na BM&FBovespa. São nomes globais como Walmart, Coca-Cola, Google e Microsoft. “Essas companhias ainda não enxergam o Brasil como sua principal fonte de captação de recursos, mas elas não se negam a ter seu nome vinculado à bolsa daqui”, diz Márcio Veronesi, diretor de serviços qualificados ao mercado de capitais do Citibank. O objetivo estratégico do banco é facilitar o trânsito das grandes empresas globais para todos os mercados financeiros. 

 

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Jório Dauster, da Ferrous: a bolsa brasileira é alternativa para reforçar o caixa.

 

Vai levar algum tempo para o Brasil se tornar um celeiro global de capital, mas estamos gerando demanda para isso”, diz Veronesi. Em janeiro, a movimentação diária desses papéis na BM&FBovespa foi de R$ 369,3 milhões e a maior fatia veio dos títulos nã patrocinados (leia quadro). “O volume de negócios com os BDRs, patrocinados ou não, ainda é pequeno em comparação com o tamanho do mercado, mas esses títulos têm sido analisados por fundos de pensão e sua importância tende a crescer com o tempo”, afirma Júlio Ziegelmann, diretor de renda variável da BM&FBovespa. No que depender dos bancos, a cifra deve crescer depressa. Nos próximos meses, Bradesco e Deutsche Bank devem apresentar ao mercado outros dois lotes de dez certificados. 

 

Don George Linford, superintendente de custódia internacional do Itaú Unibanco, afirma que outras companhias estão de olho no País e devem chegar nos próximos meses para conseguir dinheiro dos investidores brasileiros. “Estamos fechando acordo com quatro ou cinco empresas latinas para o lançamento de BDRs ainda no primeiro semestre e, no fim do ano passado, algumas asiáticas também vieram conhecer o mercado”, afirma, sem revelar nomes. Listar seus BDRs na bolsa é o primeiro passo das empresas para abrir um canal de comunicação com o mercado. Adelmo Lima Filho, gerente responsável por essa atividade no BDR do Itaú Unibanco, explica que, após listarem esses papéis, as companhias contratam formadores de mercado e, posteriormente, fazem ofertas voltadas para o público superqualificado, os investidores com mais de R$ 1 milhão. 

 

Nada impede as pessoas físicas de participar. “É preciso fazer um pedido específico às corretoras, mas os investidores não costumam fazer isso”, afirma. “As empresas esperam o mercado conhecê-las para depois fazer a abertura de capital.” Na América Latina, o único mercado com produtos semelhantes aos BDRs é o México, mas o Brasil oferece vantagens como o crescimento da economia, a estabilidade das regras e juros cada vez mais baixos, que estimulam a diversificação dos investimentos. “O dinheiro tem cada vez menos pátria e as condições do País são boas para atrair investidores e quem precisa de dinheiro”, diz José Macedo, diretor da empresa de gestão de ativos portuguesa Selecta, que acaba de montar um escritório no Brasil. “É uma questão de tempo para São Paulo se tornar um centro financeiro de relevância mundial.”

 

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Colaborou: Fernando Teixeira