Em um mundo globalizado, dinheiro não conhece fronteiras e está sempre em busca de oportunidades lucrativas. No entanto, diante de projeções pessimistas para a inflação, o crescimento e as contas públicas feitas por nove entre dez analistas daqui e lá de fora, o Brasil tem sido ignorado pelo radar dos estrangeiros, certo? Errado. No primeiro semestre deste ano, os investimentos estrangeiros diretos (IED) somaram US$ 29,3 bilhões, o que permite ao Banco Central projetar que atinjam US$ 63 bilhões no ano.

O montante é semelhante ao registrado nos últimos anos, mas apresenta uma particularidade: o setor mais visado pelos gringos é o de serviços, enquanto a indústria vai sendo relegada a um segundo plano. Apesar da desaceleração econômica, as vendas no varejo crescem a um ritmo anual de 5%, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se de um desempenho auspicioso para investidores sediados em países que não ostentam os mesmos números.

É o caso da varejista online Dafiti, que em três anos recebeu R$ 660 milhões em financiamentos do fundo sueco Investment AB Kinnevik, do banco americano JP Morgan, e do fundo canadense OTPP. Neste ano, foi a vez do IFC, instituição do Banco Mundial voltada para o setor privado, que investiu € 15 milhões na operação. “O mercado de moda na América Latina é um dos mais atrativos do mundo”, diz Philipp Povel, sócio-fundador da Dafiti. “O Brasil pode estar passando por uma fase mais complicada, mas nós e nossos investidores pensamos no longo prazo.”

O objetivo é consolidar a posição da marca como líder no segmento de moda online – embora a empresa tenha sido multada recentemente pelo Procon-SP em R$ 344 mil, por causa do excesso de reclamações dos consumidores. Só neste ano, serão investidos R$ 30 milhões em tecnologia e outros R$ 15 milhões na ampliação do centro de distribuição, localizado em Jundiaí, no interior de São Paulo. A Dafiti integra o setor da economia brasileira que mais recebe investimentos do Exterior, o de comércio e serviços, enquanto a indústria perde participação.

De janeiro a junho deste ano, as empresas desse segmento receberam US$ 25,5 bilhões, 58,9% de todo o dinheiro forte que chegou ao País como empréstimo intercompanhias, aportes de capital ou compra de participação societária. No mesmo período do ano passado, essa participação era de 46,4% dos investimentos. As oportunidades nas concessões de infraestrutura e nos leilões da rede de internet móvel 4G também têm atraído o capital estrangeiro. No setor de telecomunicações, foram US$ 6,7 bilhões entre janeiro e junho deste ano, representando 15,4% de todo o capital estrangeiro para investimento produtivo que entrou no País, uma alta de 266% em relação ao mesmo período do ano passado.

A capitalização de R$ 7,96 bilhões da Oi em maio foi a principal responsável pelo resultado. Em 2013, mesmo endividada, a operadora de telefonia aplicou R$ 6,25 bilhões para expandir e melhorar a qualidade da rede móvel, 3G e 4G, e da rede fixa para serviços de banda larga e tevê paga. Os recursos da capitalização ajudaram a reduzir a dívida e a manter os investimentos, que somaram outros R$ 3,2 bilhões no primeiro semestre deste ano. “Continuamos a investir para reforçar nossa cobertura, reforçar 4G e investir em novos negócios, fazendo mais com menos”, disse Zeinal Bava, presidente da Oi, em teleconferência sobre os resultados da companhia, que teve um lucro líquido de apenas R$ 7 milhões no primeiro semestre de 2014.

Com a exceção de serviços, no entanto, a entrada líquida de recursos estrangeiros tem caído ligeiramente desde 2011, quando atingiu o pico de US$ 66,7 bilhões. A indústria, que tem sido a principal afetada, viu a sua participação cair de 34% no ano passado para 31% neste primeiro semestre, contabilizando um montante de US$ 13,5 bilhões. A perda de fôlego na expansão da indústria também pode ser verificada nos números do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O acumulado em 12 meses até abril mostra que os desembolsos do banco para o setor alcançaram a menor participação em dez anos, de 27%.

Enquanto isso, comércio e infraestrutura ficaram com as maiores parcelas, de 28% e 36%, respectivamente. Programas como o Inovar-Auto, que reduz o imposto para montadoras de veículos que investirem em produção e inovação no Brasil, e as boas perspectivas para o agronegócio têm sido dos poucos incentivos para o investimento na indústria. A alemã Basf, uma das principais empresas químicas do mundo, está investindo € 50 milhões em seu complexo químico de Guaratinguetá, no interior de São Paulo. De olho no crescimento da agricultura brasileira, a empresa quer ampliar a produção de defensivos.

“Vamos contribuir com esse crescimento aumentando a produtividade da agricultura brasileira”, diz Francisco Verza, vice-presidente da Unidade de Proteção de Cultivos da Basf. A mudança de perfil, com a redução da presença do setor industrial, preocupa especialistas, como o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luis Afonso Lima. “Investimento em serviços atende à demanda interna, mas não gera um dólar de exportação, aumentando nosso déficit em transações correntes no longo prazo”, afirma Lima.

Apesar de ainda receber um bom volume de recursos externos, o Brasil vem perdendo espaço na disputa pelo capital internacional. No ano passado, o País caiu uma posição no ranking mundial da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ficando em quinto lugar. Enquanto o fluxo de capital produtivo em todo o mundo cresceu 9%, somando US$ 1,45 trilhão, por aqui ele se desacelera, reduzindo a fatia brasileira de 4,9% do total, em 2012, para 4,4% no ano passado. Com isso, acende-se uma luz amarela na atração de de investimento, uma das raras áreas que ainda vêm resistindo ao pessimismo generalizado em relação ao País.

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