04/11/2016 - 20:00
O desempenho da economia de um país pode ser medido de várias maneiras, mas há um termômetro infalível para analisar o sobe-e-desce do PIB: as contratações de executivos. Até 2014, o Brasil vinha surfando na onda do crescimento e as empresas, empolgadas com os resultados, contrataram como nunca. Em 2015, com a reeleição de Dilma Rousseff e com o início da crise política, o cenário mudou. Profissionais do alto escalão passaram a engrossar as listas de desemprego. Agora, com a chegada de Michel Temer ao poder e com a aprovação parcial de medidas como a PEC do teto dos gastos, o mercado volta a reaquecer. É o que afirma Ademar Couto, sócio-diretor da inglesa Odgers Berndtson no Brasil, empresa que atende companhias como BTG Pactual, Cielo, Nestlé, Unilever, entre outras. “Há um ânimo geral no mercado e todos acreditam numa recuperação em 2018. Então, as empresas querem dar um pulo na frente, ter os melhores profissionais agora, porque está mais fácil contratar”, diz Couto. Aos 53 anos de idade, dos quais 14 anos dedicados ao recrutamento de executivos, ele é um dos 350 sócios da companhia no mundo, a líder de mercado no Reino Unido e a segunda maior da Europa, com 59 escritórios espalhados em 30 países. Couto falou à DINHEIRO sobre o reaquecimento do mercado, analisa a queda dos salários, diz que os executivos estão com medo de perder seus empregos e conta o que eles estão fazendo para se recolocar em postos de comando. Acompanhe:
Como foram esses últimos anos para o mercado de contratação de executivos de alto escalão?
Até 2014, o mercado veio muito aquecido. A gente vinha em um bom ritmo de contratações e as empresas procuravam executivos que tivessem um perfil voltado para o crescimento, para a aquisição de companhias, com habilidade para negociar, que fosse bom em vendas. Esse era o profissional que estava sendo muito valorizado nessa época. E, junto com a procura, os salários e os bônus também subiram. Antes, você tinha uma média de três a quatro salários bônus por ano. Com o aquecimento da economia, a média subiu para oito a dez salários bônus por ano. Mas em 2015, com a crise política, o cenário mudou completamente. O mercado financeiro, por exemplo, foi muito afetado. Diversos bancos estrangeiros saíram do País, Barclays, HSBC e City estão entre eles. Bancos de investimentos, que contavam com 15 a 20 pessoas, hoje operam com três pessoas. Isso aconteceu porque a economia deu uma freada, o número de IPOs diminuiu e houve uma queda de fusões e aquisições.
Se antes buscava-se um executivo com um perfil voltado para a expansão do negócio, qual é o tipo de profissional procurado hoje?
Hoje, o profissional buscado é o proativo. É o que tem a postura de dono, o cara que se preocupa com o todo, que olha a sala vazia com a luz acesa e apaga porque sabe que é desperdício, que afeta o resultado. É o que não tem medo de falar com o chefe, de trazer ideias, de se expor. Hoje, o mercado procura um profissional de controle, de gestão, que entende a força do compliance, da governança, que faça tudo dentro das normas e manuais elaborados pelas companhias. Por conta da operação Lava Jato, as empresas estão amedrontadas. O que está sendo valorizado é o profissional que seja ético, consistente, que não tenha nenhuma mancha na carreira, que não tenha pulado de emprego diversas vezes.
O senhor disse que o mercado busca quem não pula muito de emprego. Mas os profissionais das novas gerações pulam de emprego como se estivessem trocando de sapato. Como o senhor enxerga isso?
Na área de tecnologia, o mercado já está acostumado com isso. Mas, se você estiver avaliando uma posição para a indústria, para o mercado financeiro, aí tem dificuldade. E tenho visto isso de perto. Quando apresento um currículo de um profissional que pulou de emprego a cada ano, isso prejudica bastante o desempenho do candidato em uma avaliação.
Está difícil achar um jovem, na faixa dos 30 anos de idade, que apresente essa consistência?
Como headhunter, considero consistente alguém que tenha permanecido no mínimo três anos em uma empresa e fez uma mudança que seja justificada por um aumento de salário ou por uma melhora na carreira. Isso aconteceu nos últimos dois anos. Diante da situação atual do mercado de trabalho, de toda a dificuldade de achar emprego, com uma média de oito meses para se recolocar, as pessoas estão permanecendo mais em suas posições. Os profissionais não estão arriscando muito, estão buscando mais estabilidade para não correr riscos desnecessários. Os executivos ficaram mais medrosos.
O que os executivos buscam hoje?
Eles buscam formar reserva financeira, se preparar para o futuro, acumular capital. Dez anos atrás, não se pensava nisso, os executivos viviam o dia-a-dia. Hoje, eles tomaram consciência de que precisam se preparar porque viram que, diversos executivos, quando atingiram 50 anos ou mais, não encontravam emprego. Outra coisa que eles começaram a se preocupar mais é em sair da caixinha, construir uma rede de relacionamentos, estudar, se expor, trocar cartão. Antigamente, o executivo se preocupava mais com a sua sala. Além disso, os executivos começaram a ampliar seus leques de competências. Não adianta ser bom em uma coisa só. Eles também passaram a perceber a importância do marketing pessoal, de expor para o mercado as performances deles, de se promoverem por meio das redes sociais. Antes, eles fechavam um negócio e ninguém sabia. Agora, qualquer coisa que eles fazem, dizem nas redes.
O senhor monitora os perfis dos executivos nas redes sociais?
Sim, acompanho direto. Mas, logicamente, sabemos que a vida não é como no LinkedIn e no Facebook, onde apenas coisas boas são compartilhadas. O nosso trabalho é ir atrás do que não está no LinkedIn e no Facebook. O nosso trabalho é achar o que ninguém está vendo.
Já aconteceu de achar problemas em um executivo que não apresentava deficiência?
Aconteceu com um executivo do mercado financeiro. Ele era excelente, estava para ser contratado, tinha todas as qualificações. Mas, depois de uma pesquisa mais profunda, descobriu-se que ele tinha pendências no exterior que impediram a sua contratação por um grupo estrangeiro. A pendência era uma dívida de US$ 4 mil. Ele não havia pagado o aluguel do carro em uma viagem que tinha feito ao exterior. Uma dívida de US$ 4 mil o impediu de assumir uma posição de US$ 1 milhão por ano no Brasil.
Tem muita gente boa na rua?
Tem e, até o mês passado, tinha muito mais gente boa batendo na minha porta. Agora começou um reaquecimento. Há um ânimo geral do mercado e todos acreditam numa recuperação em 2018. Então, as empresas querem dar um pulo na frente, ter os melhores profissionais agora, porque está mais fácil contratar. Em termos de salário, hoje estão pela metade. No mercado financeiro, cheguei a recrutar um diretor que teria uma remuneração anual de US$ 3 milhões em um banco. Hoje, se eu conseguir US$ 1 milhão para esse mesmo profissional, na mesma posição, é muito.
Quais são os setores que estão demandando executivos?
Estou vendo crescimento nas áreas de agronegócio, de logística, de cobertura de riscos como jurídico, compliance, auditoria. O mercado financeiro também está começando a voltar e a indústria está dando sinais mais otimistas.
Há mercado para executivos brasileiros no exterior?
Sim, inclusive estamos recrutando aqui no Brasil para uma posição na Red Bull no exterior. O brasileiro tem características muito interessantes que o estrangeiro busca. Tem capacidade de se adaptar, tem uma visão mais estratégica, é um profissional ágil, acostumado com as mudanças da economia. O mundo não estava acostumado com as crises econômicas e eles acabaram percebendo que não tinham profissionais que sabiam lidar com isso. Portanto, o Brasil é um celeiro de profissionais.
O sucesso de empreendedores como Jorge Paulo Lemann no exterior ajudou os executivos brasileiros?
Sim, grande parte do reconhecimento dos nossos executivos se deve aos resultados alcançados por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Foram eles que começaram a globalização dos executivos do Brasil, quando passaram a mostrar que os executivos trazidos do Brasil “performavam melhor” e alavancavam o valor de mercado das grandes empresas.
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