Qual é o país mais seguro para se investir: Brasil ou Estados Unidos? Em tese, essa pergunta soa descabida diante do histórico de moratória da dívida brasileira no mercado internacional e a reputação dos americanos – seus títulos do Tesouro, os treasuries, são considerados o “risco zero” dos mercados financeiros. Na semana passada, porém, essa discussão ganhou corpo depois que o risco de calote, medido pelo credit default swap (espécie de seguro contra inadimplência), ficou menor para os papéis com prazo de um ano emitidos por Brasília do que para os de Washington. 

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Dilma Rousseff: economia em ordem, mas grandes desafios para que
o Brasil ganhe reconhecimento de Primeiro Mundo

A oitava economia do mundo, quem diria, superou a primeira no quesito confiança dos investidores. Faz sentido? Num primeiro momento, não importa. Boa notícia é para ser comemorada. Foi o que fez prontamente o ministro Guido Mantega, na quarta-feira 15, ao aproveitar uma entrevista coletiva no Palácio do Planalto – sobre o encontro da presidente Dilma Rousseff com os governadores – para faturar. “Não posso resistir a comentar que, pela primeira vez na história, o risco Brasil, do CDS, é menor que o risco Estados Unidos”, disse o titular da Fazenda. 

 

“Estamos muito felizes, porque isso mostra a solidez da economia brasileira e a confiança que nós temos dos mercados sobre nossa economia.” Segundo ele, a presidente ficou feliz com a novidade. Há, de fato, razões para comemorar (leia entrevista com Mantega aqui). Enquanto a economia brasileira cresce e atrai investimentos vultosos, a americana patina e não consegue deixar para trás de uma vez por todas a crise de 2008 e 2009. Sobram empregos no Brasil, faltam nos Estados Unidos. Grandes projetos, como a Copa do Mundo e a Olimpíada, estão promovendo uma enxurrada de dólares para cá. Mas isso não é suficiente para sustentar um cenário de longo prazo em que o risco do Brasil seja menor que o americano. 

 

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Barack Obama: pressão sobre Congresso para ampliar limite de gastos

públicos traz à tona o fantasma do calote da dívida

 

O fenômeno do CDS é efêmero. “É circunstancial”, lembrou Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco. “Nos títulos de longo prazo, eles ainda dão de goleada”, afirmou Barros. Os títulos de cinco anos do Brasil, muito mais negociados que os de um ano, pagam um prêmio contra calote duas vezes maior que o dos Estados Unidos – 114 pontos básicos (além dos juros dos treasuries) contra 50,6 pontos, segundo levantamento da agência Austin Rating. Nos de um ano, o placar chegou a 39 pontos contra 49 na semana passada. 

 

O economista William Cline, do Instituto de Economia Internacional, em Washington, disse à DINHEIRO que não é correta a conclusão de que os títulos brasileiros são mais seguros. “De qualquer modo que olharmos, vemos o Brasil pagando mais aos investidores do que os Estados Unidos”, afirmou. Considerando os bônus de dez anos, e descontando a inflação projetada pelo Fundo Monetário Internacional, Cline chega a um juro real de 8%, no caso brasileiro, e de 1,2%, nos Estados Unidos. 

 

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Há vagas: candidatos preenchem fichas para emprego no Brasil, onde há falta de mão de obra em alguns setores

 

E lembra que há bem pouco tempo, ainda em 2003, havia um receio no mercado internacional de que o Brasil poderia não honrar sua dívida. “Apesar do impressionante progresso do País nos últimos anos, duvido que alguém concordaria que a situação de crédito de vocês é melhor do que nos Estados Unidos”, afirma. Para o economista Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas Políticas, a comparação entre os títulos dos dois países não tem sentido. “A chance de detentores de bônus americanos terem um prejuízo por causa de um default, ou mesmo uma reestruturação de dívida, é perto de zero e não vejo por que alguém pagaria um seguro por isso. 

 

A situação do Brasil não é exatamente a mesma”, afirma. Feliz ou não em seu comentário, o fato é que o ministro da Fazenda tocou, na verdade, na ferida das contas públicas dos Estados Unidos, em discussão no Congresso neste momento, o que gerou a tal circunstância favorável para a comparação feita por Mantega. Com um endividamento de US$ 14,3 trilhões, equivalente ao tamanho do PIB americano, o presidente Barack Obama tentava, uma vez mais, na semana passada, convencer o Congresso a aprovar, até agosto, a ampliação do limite de gastos para garantir um impulso na economia americana, que se recupera a passos de formiga. 

 

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Há desemprego: americanos fazem fila por vaga em programa de emergência de emprego temporário do governo 

 

Na terça-feira 14, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, chegou a alertar que os Estados Unidos correm risco de calote. O próprio Obama falou a palavra maldita – coisa que só os presidentes de países avançados podem ousar: “Não quero ver os Estados Unidos declarando moratória de nossas obrigações”. Foi um choque. “Não pensei que viveria para assistir a isso”, disse à DINHEIRO o professor Thomas Trebat, diretor-executivo do Instituto de Estudos para a América Latina, da Universidade de Colúmbia. 

 

Trebat expressa desapontamento pela dificuldade de consenso em que se encontram o Executivo e o Legislativo. “Temos congressistas muito malpreparados, que pensam de modo simplório, e deixam que se estabeleça uma guerra de surdos e cegos”, afirma Trebat. Mas seriam os congressistas americanos, em especial os do Partido Republicano, capazes de deixar os Estados Unidos quebrarem? A resposta  do professor da Colúmbia é direta: “Definitivamente, sim.” Ele lembra que o mercado é implacável na leitura dos fatos, e antecipa riscos – como aconteceu na semana passada –, quando não tem clareza dos rumos que estão sendo tomados, principalmente pela maior economia do planeta. 

 

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Eis por que a queda do risco dos Estados Unidos não deveria ser motivo de comemoração no Brasil, mas de preocupação, avalia Roberto Padovani, economista do banco West LB. “A piora fiscal nos Estados Unidos aumenta o risco global, apesar do relativo descolamento dos países emergentes”, diz Padovani. Ele lembra que a situação fiscal brasileira é boa em comparação com outros países, mas que o País ainda tem uma dívida bruta em relação ao PIB de 56%, um sinal de que o país avançou menos do que deveria.

 

“Ainda que o Brasil tenha demonstrado avanços nos últimos 15 anos, a gestão fiscal não melhorou suficientemente para reduzir o endividamento e abrir espaço para a redução dos juros”, afirma. O economista-chefe da agência Austin Rating, Alex Agostini, concorda e lembra que o País ainda tem muitos desafios, antes de cantar vitória. “Há um excesso de otimismo por parte do governo e há, nessa atitude, um risco de chegar ao ano que vem com uma dinâmica mais negativa, justamente quando serão necessários mais investimentos, com os eventos que o País terá de realizar”, diz.

 

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O risco do calote

 

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José Viñals, diretor de Mercados Monetários e de Capitais do Fundo Monetário Internacional (FMI)

 

Por que o risco atribuído aos Estados Unidos no curto prazo ficou mais alto que o brasileiro?

O mercado refletiu as incertezas sobre a habilidade dos dois partidos políticos nos Estados Unidos, o Republicano e o Democrata, de chegar a um acordo sobre o teto do endividamento até dia 2 de agosto, que é quando acabam os recursos do orçamento. A probabilidade é pequena, mas isso pode acarretar problemas com a dívida americana. 

 

O que pode acontecer?

Os Estados Unidos nunca deram o calote. Mas há sempre um risco residual. Se não houver acordo para aumentar o teto de endividamento,  pode haver um “default técnico” na dívida soberana. Seria possível cortar gastos em outras áreas para servir a dívida. Mas existe o risco de um default. Esse é o cenário que todos querem evitar, porque estamos falando da taxa de juros que é livre de risco por excelência em todo o mundo. Esses são os títulos usados como colateral nos mercados monetários dos Estados Unidos, os maiores do mundo. Um problema com esses ativos, ainda que temporário, seria muito negativo para a estabilidade internacional. Isso é a última coisa da qual o mundo precisa hoje. 

 

Não é uma surpresa o Brasil, que já decretou moratória, ter um risco mais baixo que o americano? 

Isso diz muito sobre as políticas econômicas que os brasileiros vêm adotando. Muitas estavam na direção correta e foram fundamentais para proteger o Brasil durante a crise financeira.

 

por Tatiana Bautzer