14/11/2014 - 15:00
Há um grupo de consumidores brasileiros aficionados que é capaz de fazer de tudo para comprar seus objetos de desejo – mesmo que isso signifique romper barreiras geográficas e burocráticas na busca de um produto produzido no exterior. Ao menos 90 apreciadores da montadora de luxo Infiniti pertencem a esse grupo. Eles decidiram importar, de forma independente, os modelos japoneses para o País, já que não há revendedor local autorizado. E, tão cedo, não haverá. A Nissan, dona da marca, adiou os planos de abrir sua operação premium no País, como fora anunciado há dois anos.
Pelo cronograma original, duas lojas estariam funcionando já em 2014. Poderiam chegar a 12 unidades até 2016. Agora, não há mais previsão de estreia. O cancelamento pode ser explicado pela desaceleração do mercado interno e pela dificuldade de se adequar às regras tributárias. Mas, sobretudo, foi a disparada do dólar nos últimos meses que atrapalhou os planos. A intensidade da alta da moeda americana – passou de R$ 2,21 para R$ 2,59 em menos de quatro meses – surpreendeu empresas de diversos setores. Atropelou planos de importadores e, em vários casos, foi comemorada pelos exportadores.
O impacto foi brutal para as divisões de luxo de montadoras tradicionais, que iniciaram nos últimos anos projetos para se tornarem mais globais e, no esforço para avançar além de EUA, Europa e Japão, estavam de olho no Brasil. O País, então quarto mercado mundial e com um crescimento constante, era parada certa nessa estratégia. Além da Infiniti, a Honda havia anunciado em 2012 que traria sua marca premium, Acura, ao Brasil, a partir de 2015. Não vai mais. Segundo o vice-presidente da Honda, Roberto Akyiama, nem mesmo os planos mais conservadores indicavam o dólar no patamar atual.
“As variáveis mudaram significativamente”, afirma Akiyama. “Chegamos à conclusão de que os veículos importados, com as variáveis de tributação mais a variação cambial, alcançaram um patamar que inviabiliza o acesso.” O tom mudou também na General Motors. Nos últimos anos, ficava cada vez mais próxima a ideia de trazer a Cadillac ao Brasil, como evidenciavam as declarações de executivos em eventos da marca. Agora o assunto ficou de lado. Para o presidente da GM na América do Sul, Jaime Ardila, é prudente esperar um pouco antes de voltar ao tema.
Mesmo quem está em situação mais privilegiada, como a Citroën, que já vende os produtos da marca de luxo DS em suas lojas, cita a influência da moeda americana nos planos para tornar a divisão um negócio independente no Brasil, com concessionárias próprias. “Se tivesse que começar tudo do zero, certamente teríamos uma postura semelhante”, diz Francesco Abbruzzesi, diretor da DS no Brasil, referindo-se ao cancelamento das concorrentes. A marca prevê criar uma rede própria de distribuição em até cinco anos, e estima um potencial para abrir 12 lojas. Segundo Abbruzzesi, a valorização do dólar obrigou o grupo a estudar uma possível produção local dos modelos.
Mesmo que seja mantido o plano de importação, cenário mais provável, uma alta mais expressiva da moeda poderia atrasar a independência da divisão de luxo, já que a abertura de concessionárias próprias está atrelada ao aumento no volume de vendas. O dólar, que passou a acumular um avanço de 10% no ano depois de bater o maior patamar desde 2005, na quinta-feira 13, deve permanecer acima de R$ 2,50 nos próximos meses. Os cálculos de analistas variam, podendo alcançar até R$ 2,80, mas a média do mercado sugere que a moeda chegará ao final de 2015 a R$ 2,60. “A trajetória é de alta”, diz Silvio Campos, economista da Tendências.
“É um movimento que vem de fora, com a economia dos EUA melhorando e a perspectiva da alta de juros lá.” Para ele, o grau de intensidade vai depender de como serão conduzidos os ajustes no Brasil. O economista-sênior do Banco Espírito Santo, Flavio Serrano, espera um período de grande volatilidade, mas com um nível mais favorável à indústria nacional. “À medida que esperamos recuperação global e níveis de preços mais benéficos para as exportações, podemos ter uma reversão na balança comercial”. O déficit nas trocas comerciais ficou em quase US$ 2 bilhões entre janeiro e outubro. A recente desvalorização e as previsões de novas altas dão alento aos exportadores.
O câmbio valorizado, que prejudicou as exportações brasileiras nos últimos cinco anos, era uma das queixas centrais da indústria. O setor de calçados espera ter agora a primeira elevação no valor vendido ao exterior depois de uma sequência de pioras. “As variáveis que já são conhecidas indicam que em 2015 teremos uma recuperação dos embarques”, diz Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O grupo Priority, dono das marcas de calçados West Coast e Cravo e Canela, prevê um avanço de 20% nas exportações, caso o dólar se mantenha no nível atual. No setor de confecção, a fabricante Brandili espera retomar negócios em regiões que foram abandonadas, como a Europa. “Sentimos uma melhora nos contratos de exportação”, diz Jaison Stahnke, diretor do grupo.
A indústria de máquinas é outra que acredita numa recuperação aos destinos tradicionais. “Caso o câmbio siga um ritmo saudável, teremos força para voltar a negociar com mercados que tivemos de deixar de lado”, diz Carlos Pastoriza, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). A BRF também já colhe os lucros do dólar mais gordo (leia nota na pág. 70). Analistas projetam um efeito positivo nos resultados da Embraer, cuja receita é apurada em dólares. Tais expectativas mostram quão abrangentes são os efeitos do câmbio. Para o bem ou para o mal, como as duas faces de uma mesma moeda.
Colaboraram: Paula Bezerra e Carolina Oms