21/06/2013 - 18:00
As manifestações que levaram mais de um milhão de pessoas às ruas brasileiras na quinta-feira 20 trouxeram, além de animadoras demonstrações de recuperação da cidadania, algumas cenas preocupantes. Uma minoria encapuzada voltou a partir para a violência e a depredar o patrimônio público e privado. Além do ataque ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, agências bancárias no Rio de Janeiro e cabines de pedágio em Vitória foram destruídas, lojas foram saqueadas nos grandes centros e mesmo postos policiais foram incendiados pelo pequeno grupo de baderneiros.
Encontro das massas: milhares de paulistanos, que percorreram diferentes avenidas,
chegam à ponte estaiada na Segunda-Feira 17
Cenas como essas costumam tirar o sono dos empresários e dos investidores, pois colocam no cenário uma variável que até agora não existia: o risco político. Embora o Brasil seja uma democracia estável, a voz dissonante das ruas gerou dúvidas sobre a reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Mais grave, a apatia inicial do Planalto em relação às manifestações lançou uma sombra sobre a capacidade do governo de levar a cabo as mudanças necessárias para a economia. O impacto da subida desse novo ator ao palco pode ser analisado de duas maneiras: o efeito sobre o mercado financeiro, mais acentuado.
E a influência quase nula sobre a economia real e sobre os planos de investimento das empresas. Seguindo o script, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, manteve seu discurso tradicionalmente otimista. Ele disse que a alta do dólar não vai prejudicar a inflação “se for momentânea” e afirmou que o governo vai agir para evitar que o dólar se valorize mais no Brasil do que em outros países. “Temos bala na agulha”, afirmou Mantega, citando reservas de US$ 376 bilhões em moeda forte. A pressão do câmbio vem de fora: espera-se alta dos juros nos Estados Unidos ainda este ano, o que já está provocando uma onda de remessas de investimentos financeiros de países emergentes para lá.
O dólar subiu ao seu maior nível desde 2009, para R$ 2,258, o Índice Bovespa ampliou sua queda no ano para cerca de 21% e o risco Brasil, medido pela diferença de juros pagos entre os títulos americanos e brasileiros, chegou a 180 pontos-base (centésimos de ponto percentual). É um indicador muito distante dos quase 700 pontos-base registrados durante a crise financeira de 2008, mas representa o triplo do patamar de maio, anterior ao início das manifestações. Não é o fim dos tempos, porém. Se houver alguma mudança no estado de espírito dos investidores, a principal causa não será a nova incerteza, mas problemas bastante conhecidos.
“O Brasil já estava em observação desde o fim do ano passado, devido à indefinição das regras, ao aumento da intervenção do Estado na economia e à contabilidade criativa nas contas públicas”, diz Elizabeth Johnson, diretora para o Brasil da empresa de pesquisas britânica Trusted Sources. Mais do que o aumento da temperatura política, esses são os problemas que podem afetar a economia brasileira no longo prazo, diz ela. “O Brasil precisa olhar para seus vizinhos e tomar uma decisão estratégica: quer ficar mais parecido com o México ou quer se tornar semelhante à Argentina.”
Vandalismo e apoio internacional: manifestantes destróem agência bancária no rio de janeiro.
Ao centro, protesto em São Paulo com mensagens em inglês. À dir.,
cartaz contra a corrupcão brasileira, em Londres
ECONOMIA REAL Os números da economia real mostram que há razões concretas para a preocupação. As expectativas pioraram. O relatório Focus, do Banco Central (BC), iniciou o ano indicando que os economistas dos bancos esperavam um crescimento de 3,26% na economia e uma inflação de 5,49%. No relatório mais recente, de 14 de junho, a estimativa para o Produto Interno Bruto recuara para 2,49% e a inflação prevista avançara para 5,83%. De acordo com Paulo Skaf , presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um câmbio menos valorizado incentiva a produção nacional. “Mas a volatilidade precisa ser controlada logo para não afetar negativamente o ambiente de negócios”, afirmou Skaf.
Ele diz ver os protestos de forma positiva. “Eles são um grito por renovação, sinalizam que o cidadão está exigindo respeito”, diz. O aumento da incerteza afetou as empresas que procuravam captar recursos no mercado financeiro. Na segunda-feira 17, a Votorantim Cimentos anunciou o adiamento de sua emissão de ações para captar até R$ 10 bilhões. Na quinta-feira 20, a BNDESPar informou que estava desistindo de emitir R$ 2,5 bilhões em debêntures, que são títulos de renda fixa, menos arriscados. Em ambos os casos, a razão para o engavetamento dos planos foi a incerteza dos investidores. Fora do ambiente nervoso dos pregões, o cenário é bem mais tranquilo.
É prematuro avaliar o impacto do surgimento do risco político na economia real, pois decisões de investimento na produção são processos pensados e executados no longo prazo. “Todos os projetos estão mantidos, inclusive e especialmente aqueles referentes à nova unidade industrial do Maranhão”, diz Walter Schalka, presidente da Suzano Papel e Celulose. “Esses investimentos, orçados em R$ 2,3 bilhões, são resultado de planejamento consistente e se encontram em fase final de realização”, afirmou. Schalka diz acreditar que a sociedade e o governo encontrarão soluções adequadas para essas questões. Artur Grynbaum, presidente do grupo Boticário, uma das muitas empresas de consumo que vêm surfando no crescimento da renda nos últimos anos, também declarou que as manifestações não assustam.
O Boticário está investindo R$ 535 milhões na Bahia, construindo uma fábrica em Camaçari e um centro de distribuição em São Gonçalo dos Campos, município localizado a 180 quilômetros de Salvador, além um centro de pesquisa em São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. “Não prevemos nenhuma redução dos investimentos planejados, que devem superar R$ 650 milhões entre 2011 e 2014”, diz Grynbaum. Suzano e Boticário são companhias nacionais, que sabem que o Brasil não é para principiantes. As empresas de origem estrangeira, potencialmente mais assustadiças, confirmam seus planos. A Cisco informou que mantém os investimentos previstos no Brasil. A empresa de tecnologia californiana vai investir R$ 1 bilhão, no País, até 2016. Os recursos serão aplicados na ampliação da produção local de roteadores, iniciada em 2012, e na inauguração, neste ano, de um centro de pesquisas no Rio de Janeiro. “Os planos previstos para o Brasil permanecem”, diz Waldemir Macari, diretor de marketing da 3M.
Enquanto isso, a máscara fatura…
Sorriso levemente irônico, bigode e cavanhaque bem delineados, pele branca e sobrancelhas desconfiadas. Esse é o rosto que simboliza os protestos que tomaram as principais cidades do País nos últimos dias. A face caricata, conhecida como Anonymous e utilizada como máscaras, por manifestantes do mundo inteiro, replica a fisionomia do britânico Guy Fawkes, um dos líderes da Conspiração da Pólvora, de 1605, executado por arquitetar a explosão do Parlamento em Londres e por tramar uma tentativa de assassinato do rei Jaime I.
Pode-se dizer que o personagem anarquista, com mais de 400 anos, é uma das figuras mais atuais e globalizadas dos movimentos sociais. No Brasil, há quem esteja rindo à toa com a popularização do Anonymous. Uma das maiores fabricantes de máscaras do País, a Condal, de São Gonçalo (RJ), recebeu na última semana um pedido de 3,5 mil máscaras de Guy Fawkes. “Nós nunca tínhamos visto um protesto assim”, disse a proprietária Olga Valles. “Com 50 mil unidades, a mais confeccionada até agora era a do presidente Lula, mas essa baterá o recorde.”
Colaboraram: Carla Jimenez, Rosenildo Gomes Ferreira e Luciele Velluto