16/05/2012 - 21:00
Uma viagem com o pé no fundo do acelerador, seguida por uma derrapagem que ameaça terminar em capotamento. Esse é o retrato do momento vivido pelo mercado de caminhões no Brasil. Após anos de crescimento de dois dígitos, o segmento de repente se vê diante de um quadro “alarmante”, nas palavras de um executivo que atua na área: queda nas vendas, produção em baixa e montadoras dando férias coletivas aos empregados. “Vivemos hoje uma tempestade perfeita”, define Oswaldo Jardim, diretor de operações da Ford Caminhões. O principal motivo para a mudança de faixa é a introdução de uma nova tecnologia, chamada de Euro 5, que desde o início do ano se tornou obrigatória em todos os caminhões fabricados no Brasil.
Tânia Silvestri, da Mercedes: frota de mil caminhões para demonstrar
os novos modelos aos clientes da empresa.
Embora seja menos poluente – 55 motores novos emitem mesma quantidade de gases que um caminhão fabricado nos anos 1980 –, ela também gera um aumento médio de 15% no preço. “A mudança é necessária”, diz o consultor Paulo Petroni, da PWC. “Uma frota mais moderna vai trazer benefícios para todos, até para as empresas e autônomos que usam os veículos.” O grande problema são os custos envolvidos na transição. Além de mais caros, os motores Euro 5 usam como combustível um tipo de diesel chamado S-50, com preço superior ao do diesel comum. Por outro lado, oferecem maior autonomia e seguro mais barato. Já se sabia que a transição para o novo modelo não seria fácil: no fim do ano passado, os clientes anteciparam as compras dos caminhões de modelo antigo, que usava o motor conhecido como Euro 3, para evitar os preços mais altos.
“Isso naturalmente esvaziou as vendas no início do ano”, diz Alarico Assumpção, presidente-executivo da associação das distribuidoras, a Fenabrave. No acumulado dos quatro primeiros meses do ano, houve queda de 9% em relação ao mesmo período de 2011. Mas o pior pode estar por vir. As vendas nos quatro primeiros meses deste ano eram formadas na maior parte pelo estoque acumulado dos modelos antigos. Com o fim desses estoques, a tendência é de um recuo ainda maior. Em abril, por exemplo, a queda em relação ao ano passado já chegou a 20%. “Os números estão vindo mais severos do que o setor havia imaginado”, admite Antônio Roberto Cortes, presidente da LAN Latin America. Resultado: com a produção registrando baixa de 30%, as montadoras adotam o regime de quatro dias de trabalho por semana e promovem interrupções na fabricação.
Na Ford, a montagem ficou parada durante toda a semana passada. Entre os motivos para esse cenário mais apertado do que era esperado estão os problemas que envolvem a distribuição do diesel S-50. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) havia determinado que pelo menos 3,7 mil postos deveriam estar comercializando o combustível. Segundo o monitoramento mantido pelas empresas do setor, no entanto, hoje menos da metade desse número possui o S-50. De um lado, os donos de postos não querem comprar um combustível que pode ser até R$ 0,20 mais caro por litro que o diesel normal, sem ter garantia da demanda. De outro, as empresas têm receio de comprar caminhões Euro 5 e não haver lugar para abastecer. Pior: dos postos que possuem o S-50, quase todos estão concentrados nas capitais.
Cortes, da Man: foco na economia de combustível dos novos motores tipo
Euro 5 para reabastecer as vendas da empresa.
“Perdemos várias vendas porque os clientes não tinham nenhum posto com o diesel em um raio de 200 quilômetros”, diz Jardim, da Ford. Uma série de outros fatores se concentrou para gerar ainda mais problemas para os fabricantes. O fraco desempenho da economia mundial está prejudicando as exportações. A seca no Sul do Brasil deixou muitos caminhões ociosos e reduziu o preço do frete, o que esfriou a demanda por veículos novos. E, acima de tudo, há a dificuldade para obter crédito para as compras. “O problema não é tanto a falta de dinheiro para a compra, mas sim a dificuldade para liberar esse crédito”, diz Jardim. “Há muito receio por parte dos bancos por causa do crescimento geral da inadimplência.”
O quadro só não é pior porque o setor conseguiu que o governo reduzisse os juros do programa de financiamento do BNDES, o Finame, responsável por 85% das compras feitas no país. As taxas caíram de 10% para 7,7% ao ano. “Foi uma injeção de ânimo na veia”, afirma Tânia Silvestri, diretora de vendas e marketing de caminhões da Mercedes-Benz. As empresas seguem em busca de saídas para retomar a velocidade. A Mercedes, por exemplo, aproveitou a transição para renovar toda a linha de produtos. “Empacotamos várias mudanças de uma vez só para coincidir com a chegada do Euro 5”, diz Tânia. A montadora alemã reservou uma frota de mil caminhões para demonstrar as inovações e capacidades dos modelos recém-lançados nas concessionárias.
Na MAN, líder do segmento no Brasil, a intenção é promover uma campanha de esclarecimento junto aos compradores das vantagens da nova tecnologia. “O custo operacional para o cliente é menor”, afirma Cortes. A ideia é que, com consumo até 9% inferior ao do diesel comum, mesmo que custe um pouco mais na bomba, o S-50 acabe sendo um argumento poderoso na conquista de novos clientes. Já a Ford apostou no fortalecimento dos estoques dos caminhões Euro 3 para suavizar a transição. A empresa reforçou o abastecimento das revendas até março e espera que as reservas durem mais tempo, gerando um fluxo de vendas constante, enquanto os clientes se acostumam aos modelos Euro 5.