21/03/2014 - 21:00
Quando decidiu instalar uma empresa do setor sucroenergético fora do circuito tradicional, em 2007, o Grupo Odebrecht sabia que teria uma dificuldade adicional: a inexistência de mão de obra treinada para o plantio e a colheita da cana-de-açúcar. A saída foi treinar os operários recrutados da construção civil, manicures, domésticas e donas de casa para trabalhar nas nove unidades da Odebrecht Agroindustrial, hoje espalhadas pelos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e nos municípios de Teodoro Sampaio e Mirante do Paranapanema, em São Paulo.
Bancada de aprendizado: alunos participam de curso de qualificação no Senai de Taguatinga (DF).
Entidade responde por 43% dos alunos do Pronatec na área industrial
“Fizemos um mapa de qualificação com seis meses de antecedência e treinamos todos os funcionários, em todas as áreas”, diz Genésio Couto, vice-presidente de pessoas, sustentabilidade e comunicação da Odebrecht Agroindustrial. Para manter uma estrutura de treinamento para 17 mil empregados, que custa R$ 6 milhões por ano, a empresa conta com a ajuda do Pronatec, o programa de cursos técnicos do governo federal que arca com 100% das despesas dos programas de capacitação. “O Pronatec é muito importante, porque as margens do setor de etanol estão muito baixas e teríamos dificuldade para manter o programa na extensão que precisamos”, diz Couto.
Criado em 2011, o Pronatec é a resposta do Ministério da Educação ao chamado “apagão de mão de obra qualificada”. Há tempos, especialistas apontam a falta de qualificação profissional como um dos fatores que explicam a baixa produtividade da economia brasileira.Com a queda no desemprego, que em janeiro chegou a 4,8%, a dificuldade de encontrar profissionais adequados às vagas só vem aumentando. No caso do Brasil, o problema é agravado pela cultura de que as universidades, e não os cursos técnicos, são sempre o melhor caminho para os jovens. O setor de serviços, por exemplo, vem sofrendo muito com a falta de mão de obra qualificada, num ambiente de forte disputa por funcionários e excessiva rotatividade.
Para a indústria, porém, a expansão abaixo do PIB no ano passado deu um fôlego que, se for bem aproveitado, poderá ajudar o setor a se preparar para uma eventual retomada mais forte do crescimento. No dia 11 de março, o IBGE anunciou uma alta de 2,9% na produção industrial de janeiro passado. “Temos de investir em formação agora, para não termos mais falta de mão de obra quando o ritmo aumentar”, diz Marcio Guerra, gerente de estudos e prospectiva da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A entidade, que por meio do Serviço Nacional da Indústria (Senai) responde por 43% dos alunos do Pronatec na área industrial, estima que será necessário formar entre 150 mil e 200 mil profissionais por ano para suprir as vagas que serão abertas.
Rafael Luchesi, diretor-geral do Senai: “Quando se alarga a capacitação,
sempre aumenta a produtividade do trabalho”
No ano passado, foram criadas 228 mil vagas com carteira assinada na indústria e na construção civil. “Quando se alarga a capacitação, sempre aumenta a produtividade do trabalho”, diz Rafael Luchesi, diretor-geral do Senai. Nem o governo nem o setor privado dispõem de dados mostrando o aumento da qualificação, mas Luchesi diz já ter ouvido vários relatos positivos por parte das empresas. “O sentimento geral do setor produtivo é de melhora”, afirma. Se a indústria vislumbra um futuro com uma mão de obra mais adequada aos novos postos que estão sendo criados, outros setores aquecidos sofrem com a escassez. “Por enquanto ainda vivemos um apagão de mão de obra qualificada”, diz Cristiano Brasil, diretor de recursos humanos da Totvs, empresa de consultoria e softwares de gestão.
Com 6,5 mil funcionários e 100 contratações a cada mês, a empresa oferece treinamento específico a todos os novos contratados. “Temos de treinar, porque está cada vez mais difícil encontrar gente qualificada no mercado”, diz Brasil. No mês passado, três turmas iniciaram nas filiais de São Paulo, Belo Horizonte e Joinville um programa de um ano e meio, que será ministrado pelo Senai. Um convênio com o Pronatec vai abrir vagas em cursos de idiomas nas oito cidades de atuação da empresa. Nos três anos de existência, o programa já alcançou 5,8 milhões de matrículas. Até o fim deste ano, deve chegar a oito milhões, entre cursos técnicos e de capacitação (leia quadro ao final da reportagem).
Treinamento no campo: a Odebrecht Agroindustrial usa o Pronatec para treinar seus funcionários.
Ao lado, um controlador de operações, em unidade no interior paulista
São 220 cursos técnicos, com duração de até um ano e meio, e 644 programas de qualificação de até quatro meses. Para o governo federal, depois do incentivo ao ensino superior, com as bolsas de estudo do ProUni e o aumento de vagas nas universidades federais, a prioridade agora é a formação técnica. “O ensino técnico é importantíssimo num país”, afirmou a presidenta Dilma Rousseff em São Paulo, no fim de fevereiro, quando participou da formatura de 2,6 mil alunos do Pronatec. “Para o Brasil crescer e se desenvolver, temos de trilhar o caminho da educação e do ensino técnico também”, afirmou, citando o exemplo da Alemanha, onde a proporção, entre os trabalhadores, é de oito a dez técnicos para cada profissional de nível universitário.
Realidade ainda distante no Brasil, onde apenas 7% dos jovens entre 15 e 19 anos fazem algum curso técnico paralelamente ao ensino médio. Nos países desenvolvidos, a proporção é de 40%. “Queremos convergir para esta proporção, mas o Brasil ainda tem uma cultura bacharelesca”, diz o secretário de educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação, Marco Antonio de Oliveira. Embora o programa não esteja ainda garantido para 2015 – seguindo a lógica brasileira de nunca fazer planos para além do mandato do governante –, a expectativa no MEC é de que haja continuidade. “Queremos que a melhora da mão de obra contribua para o aumento da competitividade da economia brasileira”, diz o secretário. Uma melhora não apenas necessária, mas urgente.