O filósofo alemão Karl Marx, considerado o pai do comunismo e idolatrado pelo Partido dos Trabalhadores, já dizia no século XIX que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Não era um ensinamento direcionado ao Brasil, mas a lição poderia ter sido aprendida. Em junho de 2005, uma entrevista do então deputado Roberto Jefferson revelando o esquema de compra de votos de parlamentares em apoio ao governo escandalizou o País. Era o mensalão, até então o maior caso de corrupção conhecido no Brasil.

Na época, o presidente Lula anunciou um pacote de cinco medidas para aumentar a transparência e combater a corrupção na máquina pública. Dez anos depois, um milhão de brasileiros foram às ruas com faixas e cartazes condenando os casos de desvios de recursos públicos. O que fez a presidente Dilma Rousseff? Lançou cinco medidas para combater a “senhora bastante idosa”, como ela caracterizou a corrupção que atormenta o Brasil desde sempre. A “senhora” continua bem ativa e, a julgar pela resposta tímida do governo, está longe de ser aposentada.

Nos dez anos que se passaram entre os dois pacotes, a corrupção não apenas continuou drenando recursos oficiais para os cofres de políticos e empresas, como também avançou suas garras sobre a maior empresa do País, a Petrobras, onde o desvio é estimado em pelo menos R$ 2 bilhões pelos investigadores da Operação Lava Jato. Dilma, na época do pacote anunciado por Lula, era chefe da Casa Civil – alçada ao cargo porque o ministro anterior, José Dirceu, caíra por envolvimento no mensalão. Condenado pelo esquema de propina na compra de votos, Dirceu agora é investigado na Operação Lava Jato (leia reportagem aqui).

Entre as ideias anunciadas por Lula e Dilma em 2005, uma hiberna até hoje nas gavetas do Congresso Nacional e só agora ganhou pedido de urgência. Trata-se da tipificação de enriquecimento ilícito de servidores públicos, com pena prevista de 3 a 8 anos. Já o projeto que prevê a venda antecipada de bens apreendidos, também anunciado na semana passada, tramita no Congresso desde 2011. Outros três projetos foram enviados ao Legislativo: a transformação do Caixa 2 de campanhas eleitorais em crime, o confisco de bens adquiridos por meios ilícitos e a exigência de ficha limpa para servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

“Somos um governo que não transige com a corrupção e temos o compromisso e a obrigação de enfrentar a impunidade que alimenta a corrupção”, disse Dilma. Apesar do discurso, a falta de urgência na adoção de medidas mais enérgicas pode ser verificada pela demora do governo em regulamentar a Lei 12.846, que pune o pagamento de propinas por parte das empresas. Em vigor há mais de um ano, ela aguardava o decreto de regulamentação. É essa lei que permitirá os acordos de leniência que podem livrar uma empresa de ser declarada inidônea e ficar impedida de firmar novos contratos com o governo.

Das 29 empresas citadas na Lava Jato, a Controladoria-Geral da União (CGU) abriu processo contra 24. Pelo menos uma delas, a SBM Offshore, já formalizou um acordo. Na sexta-feira 20, o Ministério Público Federal anunciou dez medidas de combate à corrupção, apertando o controle dos funcionários públicos, aumentando as penas para corrupção e acelerando a tramitação de processos deste tipo. As propostas serão enviadas ao Congresso. Embora positiva, a ação do governo não toca o dedo na ferida.

“No topo da escala está uma profunda reforma política, o resto é periférico”, afirma o juiz eleitoral Márlon Reis, um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). “Os escândalos estão se aprofundando e todos demonstram doação de empresas para campanhas, que são muito caras.” O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concorda que a reforma política é fundamental (leia entrevista abaixo). Para mudar as estruturas arcaicas e corruptas, no entanto, o governo precisa, ao menos, demonstrar o mesmo vigor da “senhora bastante idosa”.

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“O sistema político brasileiro gera corrupção”

José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, em entrevista à DINHEIRO:

Se o pacote anticorrupção estivesse em prática, evitaria o que aconteceu na Petrobras?
Com essas medidas, o Estado brasileiro fica mais instrumentalizado para combater a corrupção e a impunidade.

A Lava Jato mostra que doações de campanha ocorreram pela via oficial, não pelo Caixa 2.
Segundo todos os especialistas, o Caixa 2 é um problema que tem de ser combatido com tipificação criminal. Essa era uma brecha no nosso sistema. O sistema político brasileiro gera corrupção e precisa de reforma.

O PMDB não é favorável ao fim do financiamento privado. O sr. vê chance de esse tema passar no Congresso?
No Supremo Tribunal Federal, já temos a maioria de votos proibindo o financiamento empresarial. É fundamental que se abra um diálogo para se mudar um sistema como o nosso, que é anacrônico e gerador indiscutível de atos de corrupção e de malfeitos.

A ficha limpa vai valer para a Petrobras?
Sim, apenas para os cargos de direção e conselho. No caso dos funcionários terceirizados, não podemos regular empresas que prestam serviços ao poder público.