Duas atividades ocuparam a maior parte da agenda do ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada: reuniões com a equipe encarregada de passar um pente-fino nas contas do governo em busca de economia, e seguidos encontros com a presidenta Dilma Rousseff, que encomendou os cortes. Nesta semana, antes da reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central, que começa na terça-feira 9, o ministro deve anunciar um novo contingenciamento, de cerca de R$ 15 bilhões. Será a segunda tesourada do ano. Diante de um cenário de arrecadação fraca, com a economia crescendo num ritmo em torno de 2,5%, o governo quer garantir recursos para cumprir o superávit primário de 2,3% do PIB.

 

126.jpg

Guido Mantega, Ministro da Fazenda: ”o governo não tem mais espaço

para novas desonerações tributárias”

 

No primeiro corte, realizado em maio, o governo reduziu despesas em R$ 28 bilhões, preservando o caixa de apenas quatro pastas, entre elas Educação e Saúde. Como no primeiro contingenciamento, emendas parlamentares devem ser sacrificadas, num total de R$ 7 bilhões, além de gastos de custeio, viagens e serviços de terceiros. “Se for preciso, faremos novos cortes”, afirmou o ministro. O que está descartado, diz ele, são novas bondades tributárias. Se o Congresso aprovar mais reduções de impostos, haverá intervenções equivalentes em outras áreas. “O governo não tem mais espaço fiscal para novas desonerações”, afirma Mantega. O ajuste à realidade de uma economia mais lenta, porém, não vai mexer nos investimentos em infraestrutura, por exemplo, nem nos programas sociais. 

 

“O povo não pediu redução de direito social”, disse a presidenta Dilma na segunda-feira 1º, no intervalo da reunião ministerial na Granja do Torto, em Brasília, deixando claro que tenta alinhar as necessidades de caixa às vozes das ruas. Encontrar o equilíbrio entre o corte de gastos e a manutenção de investimentos, como prometeu a presidenta, é uma tarefa difícil. “Sempre que o governo precisou fazer algum grande ajuste, recorreu aos investimentos, porque não se pode mexer na folha de pagamento”, afirma Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). No entanto, outros especialistas acreditam haver espaço para economizar, mediante mexidas na gestão dos recursos manejados pelo governo. 

 

O coordenador do Movimento Brasil Eficiente, o economista Paulo Rabello de Castro, diz que é possível reduzir em 5% as despesas não financeiras do governo (desde folha de pagamento até gastos com aluguel de imóveis ou telefone), que somam R$ 707 bilhões, procurando fazer mais com a mesma estrutura física e de pessoal. Isso daria aproximadamente um espaço para economizar R$ 35 bilhões. “Pode-se dizer que uma economia de 5% é possível em qualquer rubrica apenas perseguindo mais eficiência”, afirma Rabello de Castro. Num governo com 39 ministérios — número inflado pela inclusão das secretarias especiais, como a da Pequena Empresa, recém-criada, praticamente sem orçamento, e do presidente do BC, que tem o status de ministro —, uma ideia sempre recorrente quando se fala em cortes é a redução do número de pastas. 

 

127.jpg

Ajustes em Brasília e SP: a Esplanada dos Ministérios (acima) reúne 39 pastas, algumas desnecessárias.

Em São Paulo, o governo de Geraldo Alckmin extinguiu uma secretaria e anunciou a venda

de um helicóptero sucateado (abaixo)

 

Essa sugestão já havia sido feita pelo empresário Jorge Gerdau, presidente da Câmara de Gestão e Competitividade do governo federal, órgão que busca justamente melhorar a gestão dos recursos nos ministérios. Na semana passada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também teria reforçado a proposta, segundo o jornal Folha de S. Paulo, sugerindo a diminuição para 30. Oficialmente, o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, também entregou à presidenta Dilma um plano de ação nessa linha. “Isso pode diminuir custos e aumentar a eficácia do governo, sem prejuízo das políticas públicas”, diz o ministro da Aviação Civil, Wellington Moreira Franco, um dos principais interlocutores do PMDB no governo. 

 

Mas há quem discorde desse diagnóstico. “Acho risível, porque só eliminar ministérios não vai implicar a redução de funcionários”, afirma Pessôa, da FGV. Enxugar o número de ministérios não necessariamente implica menos gastos com funcionários – a grande maioria deles concursados – , mas pode representar uma economia no uso da estrutura física, como aluguel, limpeza e segurança. Há outras alternativas para economizar, como permitir a renegociação dos preços dos contratos públicos, algo que deveria ser uma ação frequente na administração pública. “A Lei de Licitações obriga o gestor a contratar pelo menor preço, mas não exige que ele continue a negociar condições melhores depois que fechou o contrato”, diz Erik Camarano, presidente do Movimento Brasil Competitivo, que se dedica a melhorar a gestão em órgãos do governo.

 

Há muitas economias, ainda, que podem ser obtidas apenas com alterações nos processos. Uma medida que deveria ser rotina é o pagamento em dia dos fornecedores. Camarano cita o exemplo do governo do Rio Grande do Sul, que em 2008 conseguiu reduzir em 70% o preço dos medicamentos comprados pelo Estado, quando passou a pagar dentro do mês contas que antes demoravam até 15 meses para serem quitadas. Unificar o sistema de compras dos ministérios para ganhar escala e conquistar preços mais competitivos nos contratos também é uma solução que pode ser adotada sem nenhuma mudança na legislação. Isso já é praticado em várias áreas, como no Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), que reduziu em R$ 496 milhões os gastos previstos de 2010 a 2012, uma economia de 37% em relação ao valor de referência dos itens comprados. 

 

128.jpg

 

 

“Precisamos fazer um diagnóstico do que temos de bons exemplos no País, porque nem sempre gastar mais significa ter um melhor resultado na educação”, diz Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, criada pelo empresário Jorge Paulo Lemann para contribuir com o aprendizado de alunos brasileiros. No departamento de cortes, não faltam jogadas para a arquibancada. No fim de junho, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou uma série de medidas para enxugar as contas do Estado, entre elas a extinção da Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano – cujo patrimônio se restringe a dois automóveis em petição de miséria, segundo sua titular, Sonia Francine –, a venda de um helicóptero sucateado que o servia, bem como a extinção de dois mil cargos comissionados, que na verdade estão vagos e não representam despesas. 

 

Os cortes foram alardeados com pompa e circunstância, para se diferenciar do governo federal. Quando questionada sobre eventuais cortes de pessoal, a presidenta Dilma marcou posição diante do governador tucano. “Eu não farei demagogia de cortar cargos que eu não ocupo”, afirmou. A dieta nas contas paulistas deve render uma economia de R$ 356 milhões até o fim de 2014, ou 0,08% do orçamento, o que servirá, segundo Alckmin, para bancar a diferença dos R$ 0,20 nos preços das passagens de metrô, trem e ônibus da região metropolitana, depois que o aumento foi revogado, com a pressão das manifestações. No caso do governo federal, o esforço para economizar tem como prioridade a manutenção do superávit primário. Mas o efeito, ao anunciar os cortes, pode ser oposto à intenção. 

 

A piora na expectativa do crescimento econômico aumentou os temores de que o Tesouro irá recorrer, mais uma vez, à “criatividade” para fechar as contas. Em 2012, o superávit só foi atingido graças a manobras contábeis, entre elas o adiantamento de dividendos de estatais. Os malabarismos poderiam ser substituídos por uma solução mais trivial: baixar a meta de superávit primário, explicando que o momento não é para reduzir dívidas, mas para estimular o PIB. “Neste caso, o governo teme uma avaliação negativa das agências de rating”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. A margem de manobra é estreita, mas a busca por práticas econômicas mais saudáveis precisa entrar de vez na cartilha do setor público. 

 

129.jpg