O sistema operacional Linux prometia revolucionar e abalar as estruturas do setor de tecnologia. Criado na década de 1990 pelo programador finlandês Linus Torvalds, era considerado a principal alternativa do hegemônico Windows, da Microsoft. Seu charme era ser um software de código aberto. Quem o usasse poderia modificá-lo livremente. Melhor: não teria de pagar licença para instalar em suas máquinas. É um modelo de negócio oposto ao da empresa de Bill Gates, que se tornou um dos homens mais ricos do planeta desenvolvendo soft­wares proprietários e, evidentemente, pagos. 

 

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Por essas razões, o Linux, cujo símbolo é um simpático pinguim, foi apontado por muitos analistas como o software que poderia derrotar a Microsoft. “Há dez anos, tínhamos tremendos embates internos sobre esse assunto”, diz Marcio Krug, diretor-geral da consultoria americana Gartner no Brasil. “Hoje os ânimos estão menos exaltados.” Os debates sobre o Linux arrefeceram a tal ponto que ele praticamente sumiu do mapa. Afinal, onde está o software do pinguim? Tal qual o personagem dos livros infantis Onde está Wally?, criado nos anos 1980 pelo inglês Martin Handford, o Linux ainda está por aí, embora muitos não consigam vê-lo (você já conseguiu encontrar o simpático pinguim na ilustração acima?). 

 

“As pessoas muitas vezes usam Linux e nem sabem”, afirma Henrique Amaral, diretor de servidores da IBM. É verdade. Um exemplo são os celulares inteligentes equipados com o Android, do Google. O sistema que equipa oito em cada dez smartphones foi desenvolvido com base no núcleo do Linux. Explica-se: por seu código ser aberto, ele é uma espécie de camaleão digital, podendo adaptar-se a necessidades específicas. “Isso permite que as empresas instalem o Linux em sistemas que não são necessariamente computadores, como impressoras, caixas eletrônicos e máquinas industriais”, diz Leandro Turbino, gerente de sistemas da Suse, um dos maiores fornecedores de soluções Linux do mundo, que faz parte do grupo americano Attachmate.

 

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Henrique Amaral, da IBM: ”As pessoas muitas vezes usam

o Linux e nem sabem”

 

Tão importante quanto essa presença praticamente invisível é que o Linux gera bilhões de dólares ao seu redor. Apesar de sua licença de instalação ser de graça, há muito dinheiro envolvido com a prestação de serviços de manutenção. Em 2012, servidores equipados com Linux geraram globalmente US$ 10,7 bilhões em receitas, de acordo com pesquisa da consultoria americana IDC. Seu ecossistema é composto de empresas bilionárias. É o caso da americana Red Hat, cujas ações são negociadas na bolsa de Nova York. Seu valor de mercado é de US$ 8,2 bilhões, superior ao da varejista Lojas Americanas, ao da petroquímica Braskem, ao da siderúrgica Usiminas e ao da fabricante de aviões Embraer. 

 

Em 2012, a Red Hat tingiu de azul o seu balanço, com um lucro de US$ 150 milhões e faturamento de US$ 1,3 bilhão. A Attachmate, dona da Suse, que não tem capital aberto, diz que fatura mais de US$ 1 bilhão. Gigantes como a IBM apostam pesado no software do pinguim. Em setembro deste ano, a companhia anunciou um investimento de US$ 1 bilhão em desenvolvimento de tecnologias Linux para melhorar os serviços para seus clientes. Se em servidores o Linux tem um papel de destaque, o mesmo não acontece quando se trata dos computadores pessoais. Nesse espaço, o software nunca conseguiu fazer frente ao onipresente Windows. 

 

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Leandro Turbino, da Suse: ”As empresas instalam o Linux

em impressoras e caixas eletrônicos”

 

“O grande erro foi ter estimulado o lançamento de computadores Linux no varejo”, afirma Fernando Meirelles, professor da Escola de Administração de Empresas da FGV de São Paulo e responsável pela pesquisa “Administração e Uso da TI”, um dos levantamentos mais tradicionais e respeitados sobre a base instalada de tecnologia no Brasil. “O mercado para o consumidor final é cheio de nuances, dirigido pela lealdade e conforto”, afirma Mark Coggin, diretor de marketing e produtos da Red Hat. “É diferente do mercado corporativo, que foca em custo, eficiência e inovação, áreas em que o Linux consegue ser competitivo.”

 

O estímulo para o uso do Linux ganhou força a partir de 2002, no início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu governo, Lula criou comitês e incentivou políticas de inclusão digital baseadas em software livre. Mais de dez anos depois, o governo federal diz que não desistiu dessa estratégia. “O assunto sistema operacional perdeu a força, pois o usuário acessa soluções que estão na nuvem”, afirma Deivi Kuhn, secretário executivo do Comitê de Implementação do Software Livre no Governo Federal (Cisl). Segundo ele, o governo permanece investindo pesado no estímulo aos programas de código aberto na infraestrutura pública. 

 

Esse tema ganhou ainda mais relevância depois que ficou comprovado que os Estados Unidos espionaram o e-mail da presidenta Dilma Rousseff e a Petrobras. “Com o soft­ware livre fica mais fácil detectar se o programa tem algo malicioso que pode possibilitar espionagem”, diz Kuhn. Tanto que, em outubro, o governo federal implantou um e-mail próprio, a partir de software livre, desenvolvido para evitar a bisbilhotagem eletrônica. “O Brasil não depende da Microsoft nem do Google”, disse à DINHEIRO Marcos Mazoni, presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). E se você ainda não achou o pinguim na ilustração que abre essa reportagem, uma dica: ele está do lado direito, debaixo do guarda-sol.

 

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