12/12/2014 - 20:00
Nenhuma empresa do mundo conseguiria enxergar pontos positivos na redução de 40% no preço de um de seus principais produtos. Exceto a Petrobras, que poderá comemorar, por ora, o tombo dessa ordem na cotação de petróleo neste ano. No curto prazo, a mudança de patamar da commodity alivia os prejuízos da estatal com a importação de gasolina, até então vendida no Brasil por um valor mais baixo do que no mercado internacional. Parecia ser uma rara boa notícia em meio ao turbilhão de escândalos que assola a empresa. Nem tanto.
Os riscos associados à queda do petróleo no médio e no longo prazo trazem uma nova onda de incertezas à companhia. Os principais deles são a capacidade de sustentação dos pesados investimentos programados e a viabilidade comercial de sua área mais nobre: o pré-sal. Em qualquer petroleira, redução de preço do petróleo significa menor receita com o produto, sem necessariamente haver uma compensação do lado dos custos. A exceção da Petrobras se dá por sua função política. Nos últimos três anos, a gasolina vendida pela estatal esteve até 30% abaixo do praticado no exterior, uma estratégia usada pelo governo para conter pressões inflacionárias.
O subsídio gerou um custo próximo a US$ 80 bilhões nesse período. Agora, a conta se inverteu. Com o petróleo abaixo de US$ 70, o combustível está hoje de 20% a 30% mais caro no Brasil, abrindo a possibilidade de reduzir o prejuízo com a diferença. Para os analistas, porém, dificilmente será possível recuperar as perdas acumuladas no período. O benefício também só é válido enquanto a Petrobras estiver importando gasolina, o que deve durar mais três anos, e se estiver compensando a queda de receitas provocada pelo preço mais baixo do petróleo.
Com tantas ressalvas, a apreensão se sobrepõe ao alívio. O temor é de que a empresa possa ter dificuldades em garantir os recursos para financiar os investimentos previstos. A cifra é enorme, de US$ 220 bilhões até 2018, de acordo com o plano divulgado no início deste ano, que projetava o petróleo a US$ 105 em 2014. Isso num momento em que a empresa tenta reduzir o seu elevado nível de endividamento, já superior a R$ 240 bilhões no total. Diante da dificuldade, o mercado começa a especular sobre uma possível revisão de plano. “Acredito que haverá, sim, mas não no curto prazo”, afirma Elad Revi, da Spinelli Corretora.
“Talvez em 2016, depois de avaliar o preço por um tempo.” Uma solução para evitar a freada dos investimentos, que afetaria a economia como um todo, seria reavaliar os ativos, para colocar à venda aqueles de menor potencial e rentabilidade. “A Petrobras tem plenas condições de buscar opções para obter recursos, mas precisa ter liberdade política para fazer isso”, diz Edmar Fagundes Nunes, professor do Grupo de Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na quinta-feira 11, o governo autorizou uma operação para levantar recursos para a Petrobras, ao oferecer garantias do Tesouro sobre uma dívida da Eletrobras com
a petroleira.
Medidas de adequação ao novo cenário são esperadas em companhias por todo mundo. Só nos últimos dias, a gigante ConocoPhillips anunciou uma redução de 20% nos investimentos previstos para 2015, enquanto a BP indicou um plano de cortes de R$ 1 bilhão, que afetará os empregos. “As empresas vão procurar rever o portfólio, buscar eficiência operacional, reduzir custos e terão um apetite menor por risco”, afirma Carlos Assis, sócio da consultoria EY para a área de óleo e gás. Na lista dos riscos comerciais, estão as dúvidas quanto à viabilidade do pré-sal, mais caro.
Consultorias estimam uma nota de corte entre US$ 30 e US$ 70 nas áreas com esse tipo de exploração. Ou seja, preços abaixo desse nível tornariam o negócio inviável. Por enquanto, os analistas não acreditam que o pré-sal esteja ameaçado, mas reforçam o sinal de alerta. Incomodado, o governo se defende. “Não conheço um projeto do pré-sal que não resista a uma cotação de US$ 70, ou até de US$ 60”, afirmou Magda Chambriand, presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
A retração do petróleo coincide com novos fatos da Operação Lava Jato da Polícia Federal, conhecida como petrolão. Na última semana, a estatal virou alvo de acionistas americanos que se sentiram prejudicados com a corrupção nos contratos da empresa (leia reportagem aqui). No Brasil, a força-tarefa indiciou 36 pessoas envolvidas no esquema, 23 delas executivos de empreiteiras, entre os quais o presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, e o presidente do Conselho de Administração da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler. Como enfatizaram os promotores, esse é só o começo da investigação.