02/02/2024 - 9:00
Por Paula Cristina
Em Brasília há uma máxima entre os dinossauros da política sobre o que é ser um gestor público: se tem uma desculpa, é amador. Se tem uma justificativa, é profissional. Pois bem. O governo Lula encerrou 2023 com o maior déficit da história (exceção ao pandêmico 2020): R$ 230,5 bilhões (cerca de 2,1% do PIB). Um número que assusta não apenas pelo volume, mas por passar longe da indicação que a equipe econômica deu quando assumiu: deixar a conta no vermelho em até R$ 100 bilhões.
Não demorou para Fernando Haddad, ministro da Fazenda, tentar explicar o rombo. Segundo ele, houve um esforço extra do atual governo para “arrumar as bagunças deixadas pela gestão anterior.” Teoricamente, então, com a casa arrumada o governo pode começar seu plano de zerar o déficit. O problema é que a casa não está arrumada.
• Pelo lado da arrecadação, as medidas para trazer receita estão mais no papel que em prática.
• Pelo lado das despesas, a boiada da gastança passa com velocidade e fúria cada vez maiores.
O argumento de Haddad para explicar a alta nos gastos se apoia, principalmente, em dois pilares:
• o pagamento de R$ 93 bilhões em precatórios,
• e o repasse de R$ 27 bilhões a estados e municípios na compensação do ICMS.
“Temos de considerar que esse resultado é expressão de uma decisão que o governo tomou, de pagar o calote do governo anterior, e que poderia ser prorrogada para 2027. Nós achamos que não era justo”, disse Haddad.
Sem precatórios e compensação do ICMS, o déficit ficaria em R$ 110,5 bilhões, em linha com as estimativas iniciais do governo, e cerca de 1% do PIB. Valeu a tentativa, Haddad. Mas ficou mais para desculpa que justificativa. Isso é o equivalente a um cidadão comum explicar no banco que a conta no vermelho não está tão no vermelho porque o rombo foi uma decisão de antecipar um pagamento que venceria em 2027.
Segundo Haddad, o comportamento das contas públicas este ano volta à trajetória de controle e austeridade necessários para zerar o déficit sem que isso envolva fazer cortes bruscos e até criminosos como os da gestão anterior, nas palavras dele. “Não vamos derrubar o ICMS dos estados para baixar a inflação artificialmente. Nem promover cortes que destruam políticas públicas”, disse.
O plano é focar no aumento da arrecadação com a perpetuação das medidas em curso, como a reoneração da folha e a taxação dos super-ricos, por exemplo. À DINHEIRO, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o destrave das pautas que envolvem barateamento do crédito e arrecadação entra como prioridade nesta largada de ano.
Lula precisa dominar com rapidez o equilíbrio entre corte de despesa e alta na arrecadação
BOM PAGADOR
Em dezembro de 2023 (mês de votação da Reforma Tributária e importantes medidas de reforço fiscal para 2024) o governo gastou R$ 118,7 bilhões pelo Tesouro Nacional, alta 361,9% sobre o montante de dezembro de 2022, e isso fez com que a gestão Lula fechasse o primeiro ano quase sem bombas a pagar.
Os gastos represados por Bolsonaro no seguro desemprego e em abonos previdenciários elevaram em 7,9% as despesas, para R$ 74,1 bilhões. A isso se soma os gastos em Merenda Escolar, Farmácia Popular e Fundeb.
Para Sérgio Sereno, professor de políticas públicas da UnB, em condições normais de pagamento anual o último ano (2022) de Bolsonaro, em vez de fechar com superávit primário de R$ 54,7 bilhões, teria déficit superior a R$ 70 bilhões considerando precatórios não pagos e restos a pagar. E o déficit do primeiro ano de Lula (R$ 230,5 bilhões) teria ficado perto de R$ 100 bilhões. “É uma questão de dimensionar responsabilidades”, disse.
Em relatório, o Ipea prevê que o segundo ano do governo Lula precisará “dominar, com rapidez, o equilíbrio entre cortes de despesas e aumento da arrecadação”. A Reforma Administrativa é uma das alternativas, além do reforço das reservas cambiais — que voltaram a crescer (9,34%), fechando 2023 em US$ 355 bilhões.
Alternativas à parte, o Tesouro Nacional já fez seu alerta: se não mudar nada, a dívida pública do Brasil baterá entre R$ 7 trilhões e R$ 7,4 trilhões neste ano. A variação representa até 13,5% da dívida pública federal. Em dezembro de 2023, o estoque alcançou R$ 6,52 trilhões.
Segundo o Tesouro, há outro risco: “O ambiente internacional será marcado pela expectativa de desaceleração gradual da inflação e da atividade econômica nas principais economias”. O órgão estima que a dívida chegue ao fim do ano com um prazo médio de vencimento de 3,8 anos a 4,2 anos. O percentual da dívida que vence em 12 meses, por sua vez, deve ser de 17% a 21%. Os dados estão à mesa.
Seja justificativa ou desculpa, no fim não importará mais o argumento. Somente o resultado.