Imagine um candidato que prega ferozmente contra os banqueiros e os investidores da bolsa de valores. Não bastasse isso, alega que as pesadas contribuições de empresas em campanhas sequestram os políticos, que só defendem os interesses dos endinheirados, em detrimento dos de milhões de eleitores. Por esse motivo, não aceita doações milionárias de corporações, apenas pequenas quantias de pessoas físicas. Reclama ainda do valor do salário mínimo, que ao seu ver deveria ser o dobro do atual. Em seus discursos, ataca sem papas na língua os ricos que pagam poucos impostos e deviam ser taxados mais pesadamente para financiar programas para os 99% mais pobres da população. Sua plataforma política inclui educação universitária gratuita para todos e a defesa do sistema de saúde universal, pago pelo governo federal. O slogan de campanha é de uma simplicidade atroz e cativante: “Não eu, nós”.

Esse personagem não é exatamente um carbonário ou um radical de esquerda. O autor dessas propostas atende pelo nome de Bernie Sanders, senador democrata pelo Estado americano de Vermont, um velhinho de 74 anos, mas com um discurso e uma disposição de adolescente, capaz de deixar com inveja os mais inveterados militantes anti-establishment. Bernie, como gosta de ser chamado, autodenomina-se um socialista democrata e disputa a indicação de seu partido à presidência dos Estados Unidos com a ex-senadora e ex-secretária de Estado, Hillary Clinton. Até oito meses atrás era um azarão, uma espécie de Plínio de Arruda Sampaio que fala inglês. No entanto, graças a seu desempenho nos debates e nos comícios, conseguiu a façanha de embaralhar a disputa, a ponto de estar tecnicamente empatado com a mulher do ex-presidente Bill Clinton. Muitos acreditam que ele dificilmente conseguirá a indicação por seu partido. Mas ao assumir um protagonismo inédito, ele já fez história ao introduzir temas tabus entre o eleitorado americano.

Bernie foi capaz de captar o espírito do tempo e expor, sem meias palavras, que mesmo em um país considerado o mais rico de todos há mazelas que precisam ser enfrentadas. Suas propostas o conectam com os jovens que fizeram o emblemático movimento Occupy Wall Street, contra os 1% dos mais ricos, a chamada plutocracia, acusada de defender exclusivamente seus interesses. Goste-se ou não de suas propostas, ele é um líder capaz de cativar uma parcela significativa do eleitorado – sob certos aspectos, o bilionário Donald Trump faz o mesmo com os conservadores eleitores do Partido Republicano.

Mas o que Bernie Sanders tem a ver com o Brasil? Por aqui, o governo gasta toda sua energia para não cair. A oposição, por sua vez, joga todas as suas fichas na queda do governo. Com isso, ninguém cumpre com o seu papel. O Governo não governa. A oposição faz tudo, menos oposição. A única pauta em discussão na agenda política é o combate à corrupção. A conclusão é a paralisia política que agrava a já grave crise econômica. O Brasil, pode-se dizer, está pior do que um caranguejo. Hoje, nem de lado estamos andando. Mas, pior do que isso, não há nenhuma liderança capaz de captar os corações e mentes dos eleitores brasileiros e apresentar uma pauta capaz de nos tirar desse atoleiro. Já escrevi nesse espaço, em outra ocasião, que a corrupção não é o maior problema do Brasil. Podemos ter 100 operações Lava Jato, mas se nada for feito para reduzir a brutal desigualdade que separa os ricos dos pobres, tudo ficará do jeito que está. Por esse motivo, sinto um misto de choque e admiração por ouvir o velhinho Bernie colocar as pautas que interessam ao debate político. Precisamos urgentemente de uma voz como a dele no Brasil.