Há pouco a acrescentar sobre as motivações políticas e econômicas dos recentes episódios envolvendo personagens da elite empresarial brasileira que estão na reportagem de capa desta edição da DINHEIRO. Seus interesses pessoais, os expedientes usados para colocar em marcha um plano que ameace as instituições democráticas do País e até que ponto essa articulação mereça ser tratada como conspiração criminosa é algo de que as autoridades policiais e o Judiciário já estão tratando. O que parece não ter solução no curto prazo é o caldo cultural que orienta a formação de grupos em redes sociais com claras intenções de impedir a alternância de poder por meio do voto — um dos pilares do regime democrático.

Para compreender melhor o contexto em que esses movimentos nascem e crescem é preciso olhar para algumas crenças que estão arraigadas na visão do brasileiro sobre a importância da democracia. O Instituto Datafolha fez um bom mapeamento desse quadro em uma pesquisa divulgada na edição do sábado (20) do jornal Folha de S.Paulo. Os dados podem ser interpretados de várias formas, mas a principal conclusão é que três a cada quatro pessoas que responderam às perguntas concordam que o regime democrático “é sempre melhor que qualquer outra forma de governo”, como escreveu a jornalista Carolina Linhares na reportagem que apresenta a pesquisa.

O fato de a democracia ter 75% de aprovação dos brasileiros não é algo que chame a atenção por si só. O número já foi ligeiramente menor (era 70% em junho de 2020, segundo o mesmo Datafolha) e nem por isso a democracia esteve sob ameaça. O que talvez seja mais importante observar é que 7% dos entrevistados disseram preferir a ditadura “em algumas circunstâncias”. E engana-se quem pensa que todos esses são bolsonaristas. Neste grupo, o apoio à ditadura chega a 9%, enquanto entre os eleitores de Lula a taxa recua para 6%, pouco abaixo da média.

Se os dados estão corretos, a falta de apreço à democracia não é prerrogativa de apenas um grupo de malucos ou de alguns saudosistas do regime de exceção. Trata-se de um sentimento bastante disseminado no Brasil. Ele pode ser mais recorrente entre extremistas e adeptos do discurso do ódio, seja nas redes sociais ou fora delas, mas não é algo a ser desprezado.

As razões para isso são muitas e não tenho aqui a menor pretensão de explicar quais sejam e menos ainda por que perduram passados mais de 37 anos desde a redemocratização (se consideramos que o regime militar de fato terminou em 1985 com a eleição, indireta, de Tancredo Neves). Ainda assim, há razões para supor que a ainda frágil convicção no regime democrático tende a ser duradoura. E elas não residem apenas nas intenções e falas golpistas de alguns dos apoiadores do atual governo. O próprio presidente tem se dedicado a isso.

Em setembro do ano passado, às vésperas das comemorações da Independência, Bolsonaro sancionou, com vetos, a Lei 14.197/21, que revoga a Lei de Segurança Nacional e define crimes contra o Estado Democrático de Direito. Os vetos ainda não foram analisados pelo Congresso Nacional, podendo ser mantidos ou derrubados. Oriunda de um Projeto de Lei anterior (2.462/91, do ex-deputado e jurista Hélio Bicudo), a lei que havia sido aprovada Câmara dos Deputados em maio de 2021 e pelo Senado em agosto do mesmo ano acrescenta no Código Penal um novo título tipificando os crimes contra o Estado democrático. Entre eles, dois se destacam no contexto atual. Os chamados “crimes contra as instituições democráticas: abolição violenta do Estado democrático de direito; e golpe de Estado” e os “crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral: interrupção do processo eleitoral e violência política”.

O dispositivo que altera o Código Penal, passando a considerar crime a divulgação de fake news, com pena de até cinco anos de prisão, está entre os itens vetados por Bolsonaro. O argumento usado para o veto foi que o texto não deixa claro quem seria punido: se a pessoa que produziu a notícia ou quem a compartilhou. Com a pauta travada no Congresso devido aos vetos presidenciais, vivemos em um limbo jurídico no qual os crimes contra as instituições democráticas nem sequer podem ser devidamente punidos. Isso sim é preocupante.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO