[posts-relacionados]Assim que começou a reunião do Conselho de Administração da Oi, o representante da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Filipe Simas de Andrade, pediu a palavra. Eram 9h30, do dia 22 de março deste ano. Em seguida, ele leu um comunicado curto, assinado pelo presidente da agência reguladora, Juarez Quadros. De apenas três parágrafos e com linguagem formal, o teor não deixava dúvidas aos interlocutores: a Anatel estava perdendo a paciência com os acionistas controladores da empresa de telefonia. “A bem da continuidade do serviço público, a Anatel, caso necessário, na condição de entidade reguladora do setor de telecomunicações, adotará as medidas legais e regulamentares cabíveis, independentemente de sua natureza ou de sua extensão”, dizia um trecho do texto. No popular: entendam-se, do contrário, a companhia corre o risco de sofrer uma intervenção.

O desenrolar da reunião mostrou que não seria fácil chegar a um acordo para resolver o enrosco da operadora, que está em um processo de recuperação judicial, com dívidas de R$ 65,4 bilhões. Os acionistas controladores, liderados pela Pharol, antiga Portugal Telecom, e pela Société Mondiale, do empresário Nelson Tanure, romperam um acordo e aprovaram um plano de recuperação judicial que passava aos credores uma fatia de 25% da companhia. Não era exatamente o que fora combinado, segundo apurou a DINHEIRO. A proposta apresentada pela diretoria estabelecia que eles abrissem mão de uma fatia que variava entre 32% e 60%. Quanto mais os controladores cedessem em participação, menor seria a dívida da empresa com os detentores de títulos da dívida, os chamados bondholders, que detêm créditos que somam R$ 32 bilhões.

O plano aprovado desagradou a gregos e troianos: governo, bondholders, bancos públicos e privados – menos, é claro, a Tanure e os portugueses da Pharol. Desde então, o governo se movimentou nos bastidores para publicar uma medida provisória (MP) que permitiria uma intervenção na Oi. Na visão de fontes consultadas pela DINHEIRO, trata-se de mais um aviso, o último, antes de uma ingerência na supertele nacional, fruto da fusão da Brasil Telecom com a Telemar, em 2008. Na quinta-feira 6, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, afirmou que à medida que o tempo passa, aumentam as chances de o governo intervir na Oi. “O governo torce por uma solução de mercado e não gostaria da intervenção, mas a Anatel está se preparando para essa necessidade”, reafirmou Kassab, ao deixar o Ministério da Fazenda, em Brasília.

Ninho de abutres: A ex-supertele nacional exibe indicadores operacionais melhores, mas está atolada em dívidas e sofre com a guerra entre acionistas, como Nelson Tanure e a Pharol, e os grandes credores
Ninho de abutres: A ex-supertele nacional exibe indicadores operacionais melhores, mas está atolada em dívidas e sofre com a guerra entre acionistas, como Nelson Tanure e a Pharol, e os grandes credores (Crédito:Paulo Vitor /AE)

Pelas regras atuais, a Anatel só pode intervir na parte de telefonia fixa da Oi e não na empresa toda. O texto, que está em discussão, dará poder ao governo para nomear um interventor em empresas sob o regime de concessão, autorização e permissão – até o fechamento desta edição, a MP ainda não havia sido publicada. Um dos impasses refere-se à questão das multas da Anatel, que somam R$ 20 bilhões, pelos cálculos da agência reguladora. A MP quer também resolver essa pendência bilionária. “As multas não seriam perdoadas”, afirmou à DINHEIRO Juarez Quadros, presidente da Anatel. “Elas poderiam ser alongadas sob a forma de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC).” Hoje, a agência reguladora pode firmar acordos de TAC, trocando as multas por investimentos, mas eles não podem ultrapassar quatro anos para serem cumpridos. Uma versão da medida provisória dava prazo de até 20 anos para a Oi pagar suas multas – a Anatel não confirma essa informação. “Não basta resolver a equação financeira dos credores”, diz uma fonte do governo. “É preciso solucionar a questão das multas.”

Os sinais de que o governo federal poderia intervir na Oi levaram a diretoria da empresa a agir. Em entrevista à DINHEIRO, Marco Schroeder, presidente da Oi, confirmou que iniciou conversas para uma nova capitalização, cujos recursos iriam direto para o caixa da empresa e não seriam usados para pagar os credores. “Não preciso de dinheiro novo, pois a companhia gera caixa e consegue fazer seus investimentos”, disse Schroeder. “Mas não vejo problema de começar as conversas agora.” Poderiam participar dessa capitalização os atuais acionistas, credores e novos investidores. A Oi não confirma os valores, mas comenta-se que possa chegar até a R$ 10 bilhões. O dinheiro novo soa como música aos ouvidos do governo. Apesar de a companhia estar aumentando seus investimentos para R$ 5 bilhões, em 2017, os recursos são inferiores aos de seus principais concorrentes. A Telefônica Vivo e a América Móvil, por exemplo, aportam mais de R$ 8 bilhões por ano no Brasil. “Ela precisaria de um volume semelhante ao de seus rivais”, afirma Quadros, da Anatel.

A atitude da diretora da Oi tenta também acalmar os ânimos entre os atuais acionistas controladores e os bondholder. É fácil de entender as diferenças dos dois lados. Tanure e a Pharol querem reduzir o valor a ser pago aos credores, abrindo mão do menor percentual do capital acionário da companhia. “O Tanure é do grupos dos radicais”, afirma uma fonte, que conhece o estilo de negociar do empresário. “Ele questiona tudo e quer ceder a menor fatia possível aos bondholders, que ele chama de abutres.” Já os detentores de títulos da dívida da Oi até aceitam a redução dos valores a serem pagos. Em troca, no entanto, querem assumir o controle da companhia, conquistando a maior fatia possível. “Não há outra moeda se não a troca da dívida por ações”, afirma um representante dos bondholders.

Esse impasse se arrasta desde setembro do ano passado, quando foi apresentada a primeira versão do plano de recuperação judicial. Agora, as conversas até aconteceram de forma intensa. Segundo fato relevante divulgado pela Oi, foram realizados cerca de 50 encontros para a elaboração da segunda versão do plano. Para uma pessoa ligada aos credores, que pediu sigilo de sua identidade, essas reuniões foram cordiais, mas protocolares. “Nunca houve uma negociação de fato”, afirma o executivo ligado aos bondholders. “Todos querem evitar a intervenção, mas talvez não haja saída.” Os bancos públicos e privados, cujos empréstimos à Oi somam mais de R$ 14 bilhões, estão alinhados aos bondholders, segundo um representante desse grupo.

DIN1013-Oi3

“Sempre tivemos alinhamento de objetivos com os bancos e com a Anatel em relação aos termos do plano”, afirma a fonte. Por alinhamento, ele se refere à melhoria da governança, com o esvaziamento do poder de Tanure e da Pharol no conselho da Oi. “Uma das principais causas do rombo financeiro da companhia é que os interesses dos acionistas sempre estiveram acima dos da operadora”, afirma o representante dos bondholders. Procurado, o Banco do Brasil, que tem em sua carteira de crédito R$ 4,4 bilhões em empréstimos à Oi, informou que não comentaria o assunto. Já a assessoria de imprensa do BNDES afirmou que o banco de fomento acompanha as negociações como credor, uma vez que concedeu empréstimos de R$ 3,3 bilhões, e também como acionista, pois detém uma fatia de 4,63% da companhia. Por essa razão, afirmou que não está alinhado com nenhum dos dois grupos. O banco informou ainda que espera que seja encontrada uma solução para evitar a intervenção.

Folhetim

A trama da Oi, em muitos casos, parece um folhetim recheado de intrigas. A saída do português Rafael Mora, ligada à Pharol, é um exemplo disso. Mora era o principal desafeto de Tanure. Os dois quase chegaram a trocar sopapos em uma reunião do Conselho de Administração em outubro do ano passado. No começo de março, Mora renunciou à posição, sem muitas explicações. Segundo a coluna do jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, Tanure teria pago € 4 milhões para que o adversário deixasse o posto e ficasse pelo menos dois anos fora do mercado de telecomunicações. “Os representantes da Anatel, do Banco do Brasil, do BNDES e do Ministério da Fazenda ficaram estarrecidos ao saber que Tanure pagou por uma vaga no Conselho de Administração da Oi”, afirma o representante dos bondholders. Questionado, o fundo Société Mondiale negou a informação, acrescentando que “tomou conhecimento da saída de Rafael Mora do Conselho de Administração da Oi por meio do comunicado de sua renúncia, que, conforme informado, se deu por questões pessoais.”

O fundo Société Mondiale negou também a discussão que, segundo um acionista minoritário da Oi, teria ocorrido entre o português Luiz Palha, que representa a Pharol no conselho da Oi, e Tanure, na quarta-feira 5. Segundo essa fonte, o teor da conversa em elevados decibéis sugeria um racha entre os dois, que têm atuado de forma na conjunta nas principais questões que envolvem o processo de recuperação judicial. Somados, eles detêm sete dos 11 assentos do Conselho de Administração. Procurada, a Pharol não respondeu ao questionamento da DINHEIRO até o fechamento desta edição. Já o Société Mondiale disse que “a relação com a Pharol se limita à condição de acionistas minoritários da mesma companhia.” Longe do embate entre acionistas e bondholders, o governo brasileiro monitora a situação da Oi.

A preocupação com o colapso do sistema de telecomunicações, caso a Oi vá falência, faz sentido. Ela é a operadora que tem a maior abrangência de rede no País, atuando sozinha em dois mil dos 5,5 mil municípios brasileiros. Considerando as 3,5 mil cidades onde não é a única operadora, a tele fornece parte da infraestrutura a concorrentes. A TIM, segundo a Anatel, é a mais dependente da Oi. Em seguida vem a Claro, do grupo mexicano América Móvil, e a Vivo, da espanhola Telefónica. Na semana passada, a agência reguladora realizou reuniões com representantes dessas operadoras para desenhar um plano de contingência.

A Oi, por sua vez, garante que a companhia opera normalmente, sem risco de interrupção de seus serviços. “Todos os indicadores operacionais da Oi são positivos”, afirma o presidente da Oi, Marco Schroeder. A empresa enviou à DINHEIRO dados que, segundo ela, comprovam essa melhoria. No primeiro trimestre deste ano, a Oi reduziu em 56% as entradas de processos nos Juizados Especiais Cíveis, comparadas ao mesmo período do ano passado. As reclamações contra a companhia no call center da Anatel caíram 28%. As reclamações nos Procons recuaram 13%.

Os dados indicam que, do ponto de vista operacional, a Oi está longe de uma intervenção. “Seus parâmetros operacionais, de fato, estão melhorando”, admite André Borges, secretário de Telecomunicações do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Esse é mais um indício de que a questão urgente na Oi é encontrar uma solução entre seus acionistas e credores. A história tem mostrado que esse sempre foi o dilema da operadora desde a sua origem. Dessa vez, no entanto, o tempo está correndo contra a empresa.

DIN1013-Oi4