06/09/2013 - 21:00
No dia 10 de dezembro de 2009, em Oslo, na Noruega, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama, recebeu o prêmio Nobel da Paz. Ao justificar a escolha de Obama, o Comitê Nobel da Noruega destacou “seus extraordinários esforços para reforçar a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos”. Era apenas o 12º mês de um mandato cercado pela esperança de mudanças, no famoso slogan da campanha “Yes, we can”. A expectativa era de uma antítese do governo George W. Bush, que promovera guerras desnecessárias e com motivações forjadas, como a do Iraque. Quase quatro anos se passaram desde a cerimônia, em Oslo, e o atual presidente americano, já reeleito, cada vez mais se parece com o seu antecessor.
Dedo no gatilho: de seu escritório na Casa Branca, o presidente
americano negocia a invasão da Síria
Titubeante, Obama não sabe direito como agir diante das denúncias de uso de armas químicas pelo governo de Bashar al-Assad, na Síria. Jogou a definição para o Congresso, ignorando qualquer resolução da ONU, numa guerra que pode contaminar a trôpega economia mundial. De quebra, arrumou confusão no seu “quintal”, ao promover um programa de espionagem do Brasil e do México, que pode azedar as relações comerciais. Na figura de um xerife vacilão, Obama tem decepcionado o seu eleitorado e toda a comunidade internacional. Uma pesquisa realizada pelo instituto Ipsos e pela agência de notícias Reuters mostra que 56% dos americanos são contra a invasão da Síria.
Pior: a cada novo episódio, o presidente democrata se parece mais com um republicano conservador. É como se, ao se mudar para Washington, a sede do governo americano, aquele político alto e franzino tivesse vestido uma camisa de força disfarçada de figurino presidencial. “A expectativa de que Obama seria diferente era muito alta, mas, ao chegar à Casa Branca, fica impossível cumprir certas promessas de campanha”, diz Cristina Soreanu Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Com Obama, o estilo muda. É mais simpático do que o de Bush, mas quando tem de agir unilateralmente, age como qualquer presidente americano.”
Ruído na comunicação: Dilma encontrou Obama no G-20, e condicionou
a visita aos EUA às condições políticas criadas pelo colega
A provável intervenção militar na Síria é um exemplo emblemático. Na semana passada, Obama buscou – e conquistou – o apoio de líderes da oposição para atacar o regime de Assad, acusado de usar armas químicas que mataram 1.429 adultos e crianças, segundo o governo americano. “Não é a minha credibilidade que está em jogo, é a credibilidade da comunidade internacional”, afirmou Obama na quarta-feira 4, ao tentar justificar uma resposta militar. No mesmo dia, a Comissão de Relações Exteriores do Senado americano aprovou autorização para uma operação bélica limitada. A reação da Rússia, antiga aliada da Síria, foi de repúdio.
“Eles (os congressistas americanos) estão sancionando a agressão, pois qualquer coisa fora do Conselho de Segurança da ONU é agressão”, afirmou o presidente russo, Vladimir Putin, que cobra provas concretas contra o regime sírio. Além do risco de perder credibilidade ao insistir no uso da força, Obama corre o risco de contaminar uma economia internacional ainda combalida por sucessivas crises desde 2008 – a Europa, por exemplo, acaba de registrar a primeira alta no PIB após seis trimestres consecutivos em recessão. A China, que se manteve calada desde o início das discussões, quebrou o silêncio antes da reunião do G-20, na semana passada, em São Petersburgo, na Rússia.
A corrente dos Brics: a partir da esq., a presidenta Dilma Rousseff, o indiano Manmohan Singh,
o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping e o sulafricano Jacob Zuma
“Uma ação militar teria um impacto negativo sobre a economia global, especialmente no preço do petróleo”, disse Zhu Guangyao, vice-ministro das Finanças da China. Relatórios de bancos e consultorias mundo afora alertam os investidores para os perigos de uma guerra. Além de encarecer o petróleo, pode chacoalhar as bolsas de valores e abortar a recuperação econômica, incluindo a dos próprios Estados Unidos. “A importância do PIB da Síria é mínima, mas uma grande perturbação no Oriente Médio pode atrapalhar o mundo”, diz Louis Bazire, presidente do BNP Paribas Brasil. “E o Brasil também não ficaria isolado dos efeitos de uma guerra.”
ESPIONAGEM A inabilidade de Obama já havia arranhado o Brasil na semana passada. Novas denúncias de espionagem, que incluíram os e-mails da presidenta Dilma Rousseff, foram divulgadas a partir de documentos vazados pelo ex-consultor de inteligência americano Edward Snowden, gerando uma crise diplomática entre os dois países. Irritada, Dilma cancelou a ida da equipe brasileira responsável por preparar sua visita com honras de chefe de Estado, em outubro, a Washington. Embora essa atitude não signifique o cancelamento da viagem, foi um recado para o governo americano. Na quarta-feira 4, Obama reconheceu, em visita à Suécia, que seu serviço secreto monitora outros países para “entender melhor o mundo”.
Louis Bazire, BNP Paribas: “O Brasil não ficaria isolado dos efeitos
de uma guerra na Síria”
“Posso assegurar ao público na Europa e ao redor do mundo que nós não saímos por aí bisbilhotando os e-mails das pessoas ou estudando suas ligações telefônicas”, afirmou o presidente, salientando que estão sendo discutidas mudanças nos programas de espionagem. No dia seguinte, na reunião do G-20, Dilma e Obama se reuniram a portas fechadas. “Obama assumiu responsabilidade direta e pessoal pela investigação das denúncias de espionagem”, afirmou a presidenta Dilma, na sexta-feira 6, antes de retornar ao Brasil. Sobre a viagem a Washington, prevista para o dia 23 de outubro, Dilma disse que “depende das condições políticas a serem criadas pelo presidente Obama”. A presidenta, que irá abrir a Assembleia Geral da ONU no dia 24 deste mês, revelou também que irá propor uma nova governança contra a invasão de privacidade.
Ainda não se sabe se as arestas foram devidamente aparadas, de tal forma que não inviabilizem as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, empacadas desde a década passada. “A espionagem é um golpe às relações entre dois governos que já não se olhavam muito”, diz o americano Thomas Trebat, diretor do Centro Global de Estudos da Universidade Columbia, no Rio de Janeiro. “Isso esfria o clima de negócios para as multinacionais americanas no Brasil.” A fabricante americana de aviões Boeing, por exemplo, tem batalhado nos últimos anos para vender seus caças à Força Aérea Brasileira, num contrato bilionário. Agora, a eventual preferência sobre os suecos da Saab e os franceses da Dassault pode ser prejudicada pela crise diplomática (leia abaixo).
A espionagem atrapalhada de Obama, que também respingou no México, abre espaço para outros países “invadirem” o quintal americano. Neste ano, o presidente chinês Xi Jinping já se reuniu três vezes com o presidente mexicano Enrique Peña Nieto. O Brasil, por outro lado, se aproxima da União Europeia com uma proposta de livre comércio. “Os Estados Unidos, para manterem o poder hegemônico, vão sempre usar todas as práticas que considerarem necessárias, mesmo que isso viole a soberania dos seus parceiros”, diz a professora Cristina, da Unifesp, que lançou recentemente o livro “Os Estados Unidos e o Século XXI”, da editora Elsevier. Ao Brasil, resta a obrigação de reclamar. “Deixar passar esse episódio em branco seria um erro”, afirma Trebat. Erro que só não é maior que o do xerife vacilão.
Briga dos caças
Postura de Obama pode atrapalhar a Boeing
Por Cristiano Zaia
Faz mais de 15 anos que França, Estados Unidos e Suécia tentam convencer o Brasil a optar por Rafale, Boeing e Saab, respectivamente, para a polêmica compra de 36 aviões militares. Em 2009, durante visita do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy a Brasília, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva divulgou nota revelando que estava negociando a compra do Rafale, da fabricante Dassault, apesar de ser o mais caro – seu custo é de US$ 8,2 bilhões. Tal atitude despertou a ira dos outros dois países candidatos. Posteriormente, uma decepção de Lula com a falta de apoio de Sarkozy aos pleitos do Brasil em âmbito internacional teria tirado a França do páreo.
Desde então, a retomada discreta das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos aumentou as chances de a Boeing ganhar a disputa, com o seu F-18 Super Hornet, cotado a US$ 5,2 bilhões. Em 2011, a fabricante firmou uma parceria com a brasileira Embraer para construir um centro de pesquisa conjunto em São José dos Campos (SP). Mas, quando Barack Obama parecia personalizar a figura do país campeão nessa briga, veio à tona o episódio envolvendo a espionagem americana, por meio da Agência Nacional de Segurança (NSA). Esse atrito colocou os caças suecos, modelo Gripen, fabricado pela SAAB, na condição de favoritos, além de serem os mais baratos – US$ 4,3 bilhões.